Os Areeiros do Rio Cachoeira
Texto de José Leal
Fotos Aymorela
Corumbá tem o rio Paraguai; Teresina, o velho Parnaíba de águas barrentas;
Porto Alegre, o Guaíba. Enfim: cada cidade tem o seu rio e cada rio tem os seus
cantores. O de Itabuna, no sul da Bahia, é o Cachoeira, que está para a capital
do cacau assim como o Pão de Açúcar para a Guanabara: é o símbolo da cidade. Um
símbolo sereníssimo em tempo de estio, belo, ao mesmo tempo “sofrido com sua
gente simples escorrendo o esforço de manhãs e tardes no calendário líquido da
vida” - como diz o contista Cyro de Mattos, recém aparecido na paisagem das
letras nacionais com o livro “Berro de Fogo”. Texto de José Leal
Fotos Aymorela
Claro que o Cachoeira tem também as suas lavadeiras,
pescadores e aguadeiros. Mas não é sobre essa gente humilde que vamos dizer
algumas palavras: um poeta local, Firmino Rocha, um grande poeta, já entoou um
hino muito bonito para essas mulheres admiráveis, as lavadeiras. Nosso assunto
é sobre os areeiros, homens e meninos que buscam no fundo do rio areia para as
construções de Itabuna. Areeiros que tangem “jumentos no toque-toque
repetitivo dos dias, pelas ruas nem sempre calçadas, levando as cargas de areia
nas latas, em perfeito entendimento com o seu dono, que os tange rumo às
construções nas ruas próximas e nos bairros distantes” - ainda segundo Cyro de
Mattos.
Os areeiros do rio Cachoeira são tipos que o repórter desconhecia: o caminhar dos jumentos que transportam areia pode parecer um desfile até certo ponto monótono e triste, mas seus donos são homens alegres, sempre sorrindo e satisfeitos com sua profissão. O rio Cachoeira sem eles certamente perderia muito de sua beleza. É que os areeiros fazem parte da paisagem grapiúna, e o velho Teodoro - o mais antigo de todos - ama o seu rio, o rio que lhe dá sustento e aos seus.
- Quanto ganham?
- Depende. Cada carga de areia de quatro latas custa quase nada e ganha mais quem possui maior tropa de jegues ou jumentos. Um areeiro pode ganhar até 10 contos por dia. Mas, para isto, precisa trabalhar da aurora ao crepúsculo, sem parar, e precisa ter compradores para sua mercadoria, que é a areia cor de chumbo arrancada do fundo do rio, nas épocas em que o Cachoeira está baixo, pois durante as cheias “ele não respeita nem o rico”, como diz Teodoro, O Cachoeira avança desordenadamente e invade as ruas de suas margens, principalmente quando há enchentes (e duas delas ficaram para a história grapiúna), o que levou um poeta popular de Itabuna a dizer em versos:
“Tinha gente que acordava
Naquele grande alvoroço
A água levando tudo
Fazendo o maior destroço
O pobre salvava a vida
Com água pelo pescoço”.
Infelizes os areeiros? Não. Por incrível que pareça são homens que estão em paz com a vida e com o mundo. De vez em quando aparece um prefeito que tenta atrapalhar o ganha-pão dos areeiros com regulamentos, portarias ou decretos. Mas aqueles homens sabem que existem leis e poderes superiores. Recentemente, o prefeito de Itabuna tentou proibir o trabalho dos areeiros cobrando um imposto muito alto. Eles recorreram à Marinha de Guerra, ali representada por um Sargento, ganharam a questão e, segundo Teodoro, “nós hoje tira areia até debaixo da casa dele, se ele se meter a coisa”.
Fonte:
Revista O Cruzeiro de 25 de março de 1967.
..................
*José Leal foi repórter da revista O Cruzeiro na década 60. Venceu o Prêmio Esso de Reportagem, patrocinado pelo “Jornal de Letras”, Rio, com o livro As Fronteiras da Loucura.
* * *