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sábado, 1 de julho de 2017

CAIXA DE PANDORA - Por Jacinto Flecha

Caixa de pandora


No meu refúgio deste 18° andar, o maior conforto é a falta deliberada de televisão. Aqui se lê, se conversa, se estuda, se pensa, e nada disso é interrompido ou prejudicado pela caixa de Pandora.

O leitor ainda se lembra da caixa de Pandora? Muitos certamente já a terão esquecido, pois um dos efeitos da televisão é que hoje as pessoas não se lembram mais das coisas. Das importantes, é claro, pois a própria TV se incumbe de evitar que esqueçam as baboseiras e imundícies.

Apenas um rápido esclarecimento, para podermos prosseguir. Na mitologia grega, Pandora abriu a caixa onde Zeus havia guardado todos os males, e assim eles se espalharam pela Terra.

Sendo a TV o equivalente moderno – não mitológico, mas bem real – daquela caixa funesta, isso já bastaria para eu mantê-la longe de mim. Mas o principal motivo é ainda mais profundo: ela degenera nas pessoas a capacidade de pensar, deduzir, comparar, encadear logicamente o pensamento, memorizar, conversar.

Muito teórico isso aí? Vamos então aos exemplos práticos.
No meu refúgio, como já disse, não entrou a babá eletrônica.
Quando preciso refrescar a cabeça, após algum trabalho mental especialmente árduo, às vezes recorro à janela. Muito mais interessante, a perder de vista.

Mas parece que eu continuo teórico, pois grande número de pessoas consideram a janela apenas um pedaço de vidro encaixado num furo retangular da parede, sem a utilidade específica de olhar para fora. Ou para o alto, de acordo com o título poético Janelas para o infinito. A constatação que faço é de fundo estatístico: Sempre que olho pela janela, não vejo ninguém olhando pela janela. E são várias centenas delas, nos caixotões de concreto armado ao meu redor.

Nessa distração de olhar pela janela (que não significa bisbilhotice), observei em janelas vizinhas um fenômeno interessante. Em certas horas, através de muitas delas se nota um pisca-pisca bem rápido, de luzes que mudam de cor, mais intensas ou menos, numa sucessão aleatória. Na primeira vez que notei isso, pensei por instantes que houvesse lá dentro uma festa, no estilo que julgo ser o das discotecas. Mas logo constatei que em todas se repetia o mesmo ritmo e o mesmo padrão de pisca-pisca. Não precisei pensar muito para concluir que por trás de cada janela, numa sala em penumbra, uma TV exibia o mesmo filme, propaganda, novela, ou seja lá o que for. E o pisca-pisca multicolorido provinha dos cortes que se sucedem, nas mudanças de cena ou em tomadas dentro da mesma cena. E os intervalos são cada vez mais rápidos, segundo me consta.

Não o imagino, caro leitor, perdendo seu tempo diante da pandorinha, mas entenderá as consequências de bombardeios como o desta propaganda:

Um bonitão pilotando uma moto. [corte] O bonitão surfando numa onda. [corte] O bonitão jogando futsal. [corte] O bonitão em voo de asa delta. [corte] O bonitão escalando um pico. [corte] O bonitão sorridente entre bonitonas sorridentes, bebendo o refrigerante Tô-em-todas. [corte] Musiquinha: Tô-em-todas é legal! [corte]
Tudo isso em quinze segundos (afinal, tempo é dinheiro). E a mesma coisa se repete em noticiários, filmes, entrevistas, esportes, shows. Nesse bombardeio contínuo, a atenção é bruscamente desviada de um assunto para outro, de uma imagem para outra, de um ângulo para outro na mesma cena, sem conexão lógica e não deixando tempo para pensar, analisar, comparar, concluir. Ao fim de duas horas disso em programas de diversos tipos, o quadro será extremamente negativo:

Não lembro onde se deu um fato ou outro;
Não sei que importância tem cada fato;
Não comentei com ninguém os vários assuntos apresentados;
Não sei para que me serve ter visto aquilo tudo;
Não sou capaz de narrar com lógica o que foi mostrado;
Não relacionei nenhum comentário ou fato com outros;
Não avaliei nem julguei nada do que vi.

Qual o resultado no longo prazo? Ninguém precisa ser muito perspicaz para perceber que a burrificação é consequência inevitável dessa metralhadora visual e mental. Lógica, coerência, precisão, continuidade, deduções, conclusões – cada um desses elementos é necessário para enriquecer a inteligência, a cultura, a civilização. Mas não espere nada disso quando entra em cena a TV pandorizadora.

Nunca me arrependi da decisão de manter muito longe da minha residência a caixa maldita. E é o que recomendo a cada um dos meus leitores.


 Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

                                                * * *

ITABUNA CENTENÁRIA REFLETINDO - Os Amigos

Os Amigos


Um jovem recém-casado estava sentado num sofá, num dia quente e úmido, bebericando chá gelado, durante uma visita ao seu pai. Ao conversarem sobre a vida, o casamento, as responsabilidades da vida, as obrigações da pessoa adulta, o pai remexia pensativamente os cubos de gelo no seu copo e lançou um olhar claro e sóbrio para seu filho.

- Nunca se esqueça de seus amigos! - aconselhou. Serão mais importantes à medida que você envelhecer. Independentemente do quanto você ame sua família, os filhos que porventura venham a ter, você sempre precisará de amigos.

Lembre-se de ocasionalmente ir a lugares com eles; faça coisas com eles; telefone para eles...

Que estranho conselho (pensou o jovem). Acabo de ingressar no mundo dos casados. Sou adulto. Com certeza, minha esposa e a família que iniciaremos serão tudo de que necessito para dar sentido à minha vida!

Contudo, ele obedeceu ao pai. Manteve contato com seus amigos e anualmente aumentava o número de amigos. À medida que os anos se passavam, ele foi compreendendo que seu pai sabia do que falava. À medida que o tempo e a natureza realizam suas mudanças e seus mistérios sobre um homem, amigos são baluartes de sua vida.

Passados 50 anos, eis o que aprendi:

O Tempo passa.
A vida acontece.
A distância separa.
As crianças crescem.
Os empregos vão e vêm.
O amor fica mais frouxo.
As pessoas não fazem o que deveriam fazer.
O coração se rompe.
Os pais morrem.
Os colegas esquecem os favores.
As carreiras terminam.


Os filhos seguem a sua vida como você tão bem ensinou.

Mas os verdadeiros amigos estão lá, não importa quanto tempo e quantos quilômetros estão entre vocês.

Um amigo nunca está mais distante do que o alcance de uma necessidade, torcendo por você, intervindo em seu favor e esperando você de braços abertos, e abençoando sua vida!

E quando a velhice chega, não existe papo mais gostoso do que o dos velhos amigos... As histórias e recordações dos tempos vividos juntos, das viagens, das férias, das noitadas, das paqueras... Ah! Tempo bom que não volta mais... Não volta, mas pode ser lembrado numa boa conversa debaixo da sombra de uma árvore, deitado na rede de uma varanda confortável ou à mesa de um restaurante, regada a um bom vinho, não com um desconhecido, mas com os velhos amigos.

Quando iniciamos esta aventura chamada VIDA, não sabíamos das incríveis alegrias ou tristezas que estavam adiante, nem sabíamos o quanto precisaríamos uns dos outros.

Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.

(Autor não mencionado)

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TERRAS DE ITABUNA - Oportunidades não faltavam

Oportunidades não faltavam


            Trinta dias tinham-se passado da visita de Carlos Sousa ao distrito de Ferradas.

            Como andava o arraial em decadência! Ferradas, que em 1856 possuía cacau e café, que se fundou antes de Tabocas e que teve visitas ilustres, como a de Martius, de Maximiliano e daquele Guilherme Frederico, Barão Von Den Bussche, estava parada...

            Parou como vila, acabaria como um simples arraial ou mesmo como uma rua comprida, acompanhando o rio Cachoeira.

            Ferradas de frei Ludovico não existia mais. Ferradas agora era dos lavradores de cacau, dos boiadeiros que passavam.
           
            Mas os cacauais de Ferradas lá estavam belos, frondosos, frutíferos, multiplicando as rendas em todas as safras, atestando a pujança das suas terras e dos seus proprietários.

            Carlos Sousa gostou da fazenda que foi correr, na encosta da serra. Uma baixada magnífica plantada de cacau e um pé de serra de terras colossais. Os cacaueiros novos e frutíferos, com o tronco preto, Sinal do terreno excelente. A dificuldade estava em realizar o negócio muito alto para as suas posses. Suas economias eram pequenas, ganhas na especulação de negócios de cacau, como intermediário. Um capitalista prontificou-se a emprestar-lhe o dinheiro. Mas o capitalista exigia juros altos e hipoteca da propriedade. E que capitalista! Que fama que possuía! Homem frio, sem entranhas. Era preferível não comprar a fazenda e continuar a dormir o seu sono sossegado. Não faltariam roças para adquirir, mais baratas,  mais longe, lá para o lado do Ribeirão de Lama, de Una. Era melhor assim do quem cair nas garras do usurário capitalista. Também, que infeliz era esse capitalista! Vivia sozinho, isolado, jurado, malquisto, odiado, comia de pensão, vestia mescla, brim ruim, sapatos ordinários, mas se vingava cobrando juros altos, acionando, penhorando, espalhando a miséria.

            Não compraria a fazenda, esperaria outra oportunidade. Em Itabuna, na terra do cacau, as oportunidades não faltavam, se repetiam, apareciam como as chuvas do seu inverno, diariamente, constantemente, não era como no sertão de Sergipe, que chovia uma vez por ano, quando chovia.

            Até o padre que tinha chegado pobre, estava rico, fazendeiro, sem fazer esforços, sem furtar, porque em Itabuna, com as suas terras maravilhosas, seus vales férteis, seus negócios fáceis, o homem ativo acabaria rico com o cacau, que é um “pé de dinheiro”.

            Em Sergipe, terra dos seus avós, na Vila Cristina, que dificuldade para um homem melhorar de sorte! Tinha de roer as unhas, guardar tostão por tostão, e, no final, amealhar alguma coisa. Em Itabuna era diferente: bastava comprar um pedaço de terra boa ou uma roça de cacau, e pronto, anos depois, deixava de ser fulano ou beltrano para ser chamado de “coronel” fulano ou beltrano, patente de riqueza, de fortuna, de abastança.

            Isto é que era lugar. Não devia ter pressa, “a sua vez chegaria, nas asas de um anjo bom”, como dizia o anúncio da loja dos irmãos Maron.


(Capítulo IV do livro TERRAS de ITABUNA)
 Carlos Pereira Filho

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