Total de visualizações de página

segunda-feira, 6 de março de 2017

CÂNTICO DA VINHA – Marília Benício dos Santos

Foto: Arquivo ICAL

Cântico da vinha


“Naquele dia se dirá: cantai a bela vinha!
Eu, o Senhor, sou o vinhateiro, no momento oportuno eu a rego e fim de que seus sarmentos não murchem. Dia e noite eu a vigio e nada tenho contra ela.”


      Meu Deus querido, eu sou a sua vinha. Vós sois o meu vinhateiro. Como é bom sentir-me regada por vós!

      Sentir-me vigiada dia e noite, não vigiada para tolher-me, mas para proteger-me.

      É bom sentir-me criança, novamente criança, tendo alguém para segurar a minha mão, como no tempo em que passeava com meu pai segurando a sua mão. Como me sentia protegida. Como me orgulhava em saber  que ninguém poderia fazer nada contra mim. O meu vinhateiro me protegia. E sob a sua proteção, cresci e aprendi  a vos amar, meu Deus!

      Hoje, o meu vinhateiro sois vós. Vós que podais os meus galhos nos momentos precisos. Toda poda, exige sofrimento. Preciso entregar-me a meu vinhateiro para que a poda se faça. Só assim, os sarmentos continuarão frescos apesar dos anos porque o vinhateiro está sempre a renová-los. Os anos passam, mas o vinhateiro não. E um dia... Quando não sei, quando não for preciso mais poda, encontrar-me- ei convosco, meu querido vinhateiro e também com aquele vinhateiro que me ensinou a amar-vos.

      Assim seja.


(CARROSSEL)

Marília Benício dos Santos

* * *

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS - Mário de Andrade

O valioso tempo dos maduros

Ligue o vídeo abaixo:



“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.


Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. 


As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.


Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.


Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.


Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.


Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.


Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.


Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.


O essencial faz a vida valer a pena. 


E para mim, basta o essencial!"



Mário de Andrade




* * *

PARA SALVAR MICHEL TEMER, TSE TERÁ DE SE MATAR - Josias de Souza

06/03/2017 

Arma-se no Tribunal Superior Eleitoral uma grande encenação. Envolve o processo sobre a reeleição de Dilma Rousseff e Michel Temer. Suas páginas estão apinhadas de provas do uso de recursos ilícitos na campanha vitoriosa de 2014. As evidências tocam fogo na Presidência-tampão de Temer. Para ocultar as manobras que visam salvar o mandato do subsituto de Dilma, ninguém grita incêndio dentro do teatro. Mas a inclusão dos depoimentos de delatores da Odebrecht no processo mostra que, às vezes, torna-se inevitável gritar teatro dentro do incêndio.

Nesta segunda-feira, o ministro Herman Benjamin, relator do processo, interrogará mais dois ex-executivos da Odebrecht: Cláudio Melo Filho e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar. Com isso, Benjamin fecha a série de cinco oitivas de colaboradores da empreiteira. Os depoimentos forneceram dados que complicam a vida da turma do deixa-disso. Agora, quem quiser se fingir de cego para livrar Temer da cassação terá de fechar os olhos para as propinas que ajudaram a reelegê-lo.

Ao julgar o processo, o TSE não decidirá somente contra ou a favor da interrupção do governo Temer ou da inelegibilidade de Dilma. Os ministros votarão para saber de que matéria-prima é feita a Justiça Eleitoral. Prevalecendo o conchavo, os colegas de Benjamin terão de fazer contorcionismo retórico para justificar um incômodo paradoxo: depois de transformar a auditoria nas contas da chapa Dilma—Temer num marco histórico, o TSE jogará o trabalho no lixo. Em nome da estabilidade da República, manterá a tradição de cassar apenas vereadores, prefeitos e governadores de Estados periféricos.

Inicialmente, tramava-se a separação das contas de Dilma e Temer, sob o pretexto de que apenas as arcas da campanha de madame receberam verbas sujas. Como os votos que o eleitorado deu para Dilma são os mesmos que fizeram de Temer seu substituto constitucional, aceitar a tese da segregação das contas poderia levar à desmoralização. Ficaria claro que, sob o exterior meio idiota de um magistrado disposto a engolir esse lero-lero, se esconde um débil mental completo.

Dentro e fora do TSE, os operadores de Temer agarraram-se a um novo lema: “Nunca deixe para amanhã o que você pode deixar hoje.” Trabalha-se agora para enviar o julgamento às calendas. Algo que talvez leve a plateia a se perguntar: para que serve a Justiça Eleitoral? Se o TSE chegar a esse ponto, como parece provável, potencializará a impressão de ter perdido a sua função.

Os partidários do resgate de Temer alegam que o TSE não pode ficar alheio à conjuntura política e econômica. O risco de mergulhar o país numa turbulência que ameaçaria a tímida recuperação da economia justificaria um olhar atenuatório sobre as culpas e as omissõers de Temer.

Recorda-se, de resto, que a cassação de Temer desaguaria numa eleição indireta para a escolha do seu substituto. Como prevê a Constituição, caberia ao Congresso, abarrotado de parlamentares enrolados no petrolão, apontar o nome do próximo presidente. Paradoxo supremo: para fugir da lama congressual, finge-se que a podridão da campanha não existiu.

Se a sensibilidade auditiva fosse transportada para o nariz, as pessoas, ao ouvir o burburinho por trás das portas de certos gabinetes brasilienses, sentiria um mau cheiro insuportável. É um odor típico dos processos de decomposição. Para salvar Michel Temer, o Tribunal Superior Eleitoral terá de se matar.


* * *

FOLHA SECA – Geraldo Maia

Folha  Seca

Francisco,

aflita por não saber de tua vida, filho
dizem que emagrecestes em teu leito original
e que tua vazão estreita dia após dia
será que não te alimentas direito
da seiva manancial?
ou não te cuidas oh minha doce
criatura líquida
por acaso
andas metido em más companhias?
( cuidado, Chico, com os adoradores de fábricas)
não sabes o que sofro por saber de tua seca
de tuas águas contaminadas
e as feridas onde retiraram tuas matas ciliares
tumores infeccionados das megausinas
que brotam em teu curso meandro devastado
que há?
podes abrir as comportas comigo
nem é preciso biópsia para saber que é maligno
mas que te anuncia a urgência de dar um basta
a este estado de coisas desregrado
desvitalizado
sem margens
sem árvores
sem as chuvas cíclicas
que vergastavam de alegria teu corpo nu de rio
a cada respiração do verde pulmão da terra
junto ao alarido das enchentes lambuzadas de húmus
lágrimas e suor de tua gente
habitante fiel do teu silêncio
o que ocorreu, Francisco?
perdeste a clareza dos seixos?
e estas dragas
que te retalham todo
minerando de aço tuas entranhas de lama
não percebem que és pó
vento
fogo
água
em sonho de mar
com sede de si
de acariciar as pedras nas noites de luz e cheia
ah, como pudestes esquecer dessas coisas

Francisco?
também me desfiz em riso e pranto
no teu parto nascente
brotadura incessante de vida
do colo da serra
às tuas curvas de riacho 
raso
largo
abismal
espelho do oceano
olha
não deixes mais que te poluam as veias afluentes
nem que te contaminem o sangue potável
porque
se tirarem o coração de um ser vivo
pode até ser que nem morra
mas
se tirarem o rio do seu curso natural
de rio
é porque já não existe sol
nem lua
nem universo
nem caminho
com carinho
da tua mãe
Natureza


Geraldo Maia

-----

Geraldo Maia, poeta
Estudou Jornalismo na instituição de ensino PUC-RIO (incompleto)
Estudou na instituição de ensino ESCOLA DE TEATRO DA UFBA
Coordenou Livro, Leitura e literatura na empresa Fundação Pedro Calmon
Trabalha na empresa Folha Notícias,

Filho de Itabuna/BA/BRASIL, reside em Louveira /SP.


* * *