Querido Neto Gabriel
Crônica de Cyro de Mattos
Os seus avós querem
dizer a você que Deus é o Criador
de todos os seres e todas as coisas. Está em todo lugar, não tem princípio nem
fim porque é eterno. Ele é todo poderoso e todo generoso. Ele nos deu a
vida, nosso bem maior. Durante milênios, os seres humanos vêm mostrando
que não sabem amar uns aos outros, mas que gostam mesmo é de maquinar com o
feio, fazendo o mal ao próximo. Gostam de se afastar do bem. E Deus, nosso Pai,
está sempre nos perdoando com sua infinita misericórdia diante das coisas
malignas que, todos os dias, não cansamos de inventar.
É fácil ver Deus quando o passarinho canta e inaugura a
manhã com seu canto de músico festivo. Quando a formiga, de folhinha em
folhinha, vai carregando o alimento para a sua morada, que fica debaixo do
chão. E lá dentro vai armazenar a comida que serve para alimentá-la e às suas
companheiras. É fácil ver Deus quando o sol amanhece e vem clarear o dia
com tudo que Ele pôs no mundo para ser visto e alcançado pelos seres
humanos.
Você poderá me dizer que é difícil ver Deus quando no mundo
existe tanta guerra, com o homem que mata o outro homem, ás vezes mata e não
enterra, enquanto os animais matam para comer e sobreviver ou em defesa dos
filhotes. Pois é, meu neto, nem tudo sabemos explicar sobre Deus. Quando vemos,
por exemplo, um terremoto arrasar cidades, matar centenas de inocentes, ficamos
sem saber por que Deus não apareceu para evitar tamanha calamidade. Ficamos
também sem saber por que Deus nos inventou para viver a maravilha da vida e
depois morremos. Quando acontece a morte, por doença ou acidente, de cada um de
nós, ficamos só tristeza, porque nunca mais vamos conviver com o ente
querido que se foi sem volta. E saberemos que para tudo se tem jeito
menos para a indesejada. Tudo que é vivo um dia morre.
Quando achamos que o preto é inferior por ter nascido de cor
e que o pobre é igual a cachorro, fornecemos à vontade ensinamentos
perversos para que corram no tempo da dura lei da vida, habitem os nossos
corações com toda a carga de opressão e desigualdade. E assim são tantas
coisas que nos abalam e nos deixam entristecidos, sem saber por que Deus
consente que aconteçam, ao invés de evitar a sua proliferação.
Nessas horas é difícil explicar Deus. E Deus se explica? O
melhor é sentir Deus, explicar é complicado. Acreditar que Ele nos fez para que
com mãos nas mãos uns ajudem aos outros, o que ainda não conseguimos
aprender a fazer, até quando? Nessa guerra que todo os dias existe por aí, de
cada um só pensar em si, nós não fazemos nossa parte, só queremos que Deus
esteja do nosso lado e o diabo no dos outros.
Assim fica difícil viver e andar em paz com Deus. Mas
uma coisa é certa, sem Deus no coração e no pensamento, o homem é um ser
solitário, vive na escuridão, na depressão, na perseguição, na solidão, na
obsessão de ter as coisas materiais. Para quê? Porque pensa que quanto mais
rico for será o dono do mundo. Cuidado, meu neto, aí pode residir o maior
perigo. De dono das coisas, você pode passar a ser escravo delas. Nem tanto o
céu nem tanto a terra. Bom é o equilíbrio, com Deus no coração. E, como disse o
poeta, tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Aprendi com o tempo que um abraço dado de bom coração
alimenta tanto quanto uma bênção ou bons pedaços de pão. Terminando, receba
agorinha mesmo esse beijão de vô e vó, pelo seu aniversário.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro da Academia
de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa
da Universidade Estadual de Santa Cruz.