31 de agosto de 2018
♦ Roberto
de Mattei *
“Eu não vou dizer uma palavra sobre isso.” Com esta
frase, pronunciada em 26 de agosto de 2018 no voo de volta de Dublin a Roma, o
Papa Francisco [foto abaixo] reagiu às impressionantes revelações do
arcebispo Carlo Maria Viganò [foto acima], que o colocavam diretamente em
causa. Para a jornalista Anna Matranga (NBC), que lhe perguntara se era verdade
o que foi escrito pelo ex-núncio nos Estados Unidos, o Papa respondeu: “Li
essa declaração esta manhã. Eu a li e sinceramente tenho que lhe dizer isso,
para você e para todos aqueles que estão interessados: leia, cuidadosamente, a
declaração e faça seu próprio julgamento. Não vou dizer uma palavra sobre isso.
Eu acredito que a declaração fala por si, e você tem capacidade jornalística
suficiente para tirar conclusões. É um ato de confiança: quando tiver passado
algum tempo e você tiver tirado conclusões, talvez eu fale. Mas eu gostaria que
sua maturidade profissional fizesse esse trabalho: vai te fazer bem, de
verdade. Fica bem assim.”
Um arcebispo rompe o clima de silêncio e conivência e
denuncia, com nomes e circunstâncias específicos, a existência de uma “corrente
filo-homossexual favorável a subverter a doutrina católica em relação à
homossexualidade” e a presença de “redes de homossexuais difundidas
atualmente em muitas dioceses, seminários, Ordens religiosas, etc.”, que “encobrem
o segredo e a mentira com o poder dos tentáculos de um polvo e esmagam vítimas
inocentes, vocações sacerdotais e estrangulam toda a Igreja”. Diante dessa voz
corajosa que rompe o silêncio, o Papa Francisco se cala e confia aos meios de
comunicação de massa a tarefa de julgar segundo seus critérios políticos e
mundanos, muito diferentes dos critérios religiosos e morais da Igreja. Um
silêncio que parece ainda mais grave do que os escândalos revelados pelo
arcebispo Viganò.
Esta lepra se desenvolveu após o Concílio Vaticano II [foto
abaixo, à dir.], como resultado de uma nova teologia moral que negava os
absolutos morais e reivindicava o papel da sexualidade fora do casamento,
hétero e homossexual, considerada como um fator de crescimento e
desenvolvimento da pessoa humana. A homossexualização da Igreja se espalhou nos
anos setenta e oitenta do século XX, como testemunha o livro, meticulosamente
documentado, do padre Enrique Rueda, The Homosexual Network: Private Lives
And Public Policy [A rede homossexual: vidas privadas e políticas
públicas], publicado em 1982 [foto abaixo, à esq.].
Para se entender como a situação não fez desde então senão
agravar-se, é essencial ler o estudo Homossexualidade e sacerdócio — O nó
górdio dos católicos? (PoznańTheological Studies, 31, 2017, pp. 117-143),
pelo Prof. Andrzej Kobylinski, da Universidade Cardeal Stefan Wyszynskide
Varsóvia
(https://journals.indexcopernicus.com/api/file/viewByFileId/261531.pdf).
Kobylinski cita um livro intitulado The Changing Face of the Priesthood: A
Reflectionon the Priest’sCrisis of Soul [A face mutante do sacerdócio: uma
reflexão sobre a crise de alma do sacerdote], de Donald Cozzens, Reitor do
Seminário em Cleveland, Ohio, onde o autor diz que, no início do século XXI, o
sacerdócio tornou-se uma “profissão”, eminentemente exercida por homossexuais,
podendo-se falar de um “êxodo heterossexual do sacerdócio”.
Há um caso emblemático que Kobylinski recorda — aquele do
arcebispo de Milwaukee (Wisconsin), Rembert Weakland, aclamado expoente da
corrente progressista e “liberal” americana: “Weakland encobre, há décadas,
casos de abuso sexual de padres, apoiando uma visão da homossexualidade
contrária à do Magistério da Igreja Católica. No final do exercício episcopal,
ele também deu um desfalque enorme, roubando quase meio milhão de dólares dos
cofres de sua arquidioce separa pagar seu ex-parceiro que o acusava de assédio
sexual. Em 2009, Weakland fez o seu ‘coming out’, publicando uma
autobiografa intitulada A Pilgrimin a Pilgrim Church [Um peregrino em uma
Igreja peregrina], na qual ele admitiu ser homossexual e ter tido durante
décadas relações sexuais seguidas com muitos parceiros. Em 2011, a Arquidiocese
de Milwaukee foi forçada a declarar falência, devido ao alto custo das
indenizações devidas às vítimas de padres pedófilos”.
Em 2004 apareceu o John Jay Report [título baseado
no nome da seção especializada em justiça penal da Universidade da Cidade de
Nova Iorque, que o preparou], documento preparado a pedido da Conferência
Episcopal Americana, no qual foram analisados todos os casos de abuso sexual de
menores por padres e diáconos católicos nos EUA nos anos 1950-2002. “Este
documento de quase 300 páginas tem um valor informativo extraordinário —
escreve Kobyliński. O John Jay Report demonstrou a ligação entre
a homossexualidade e o abuso sexual de menores pelo clero católico. De acordo
com o relatório de 2004, na grande maioria dos casos de abuso sexual, não é uma
questão de pedofilia, mas de efebofilia, ou seja, uma perversão que não
consiste em atração sexual pelas crianças, mas por adolescentes na puberdade.
O John Jay Report mostrou que cerca de 90% dos padres condenados por
abuso sexual infantil são padres homossexuais”.
Portanto, o escândalo de McCarrick não é senão o último ato
de uma crise que vem de longe. No entanto, na Carta do Papa ao Povo de
Deus, e ao longo de sua jornada na Irlanda, o Papa Francisco nunca denunciou
essa desordem moral. O Papa acredita que no abuso sexual pelo clero o principal
problema não é a homossexualidade, mas o clericalismo. Referindo-se a esses
abusos, o historiador progressista Alberto Melloni escreve que “Francisco
finalmente confronta o crime no plano eclesiológico: e o confia àquele agente
teológico que é o povo de Deus. Ao povo Francisco diz sem rodeios que é
o‘clericalismo’ que incubou essas atrocidades, não um excesso ou uma
insuficiência de moral” (La Repubblica, 21 de agosto de 2018).
“Lecléricalisme, voilà l’ennemi!” — “O clericalismo, eis o
inimigo!” A famosa frase pronunciada em 4 de maio de 1876 na Câmara de
Deputados francesa por Léon Gambetta (1838-1882), um dos expoentes máximos do
Grande Oriente da França, poderia ser adotada pelo Papa Francisco. Essa frase,
no entanto, é considerada a palavra de ordem do laicismo maçônico do século XIX
e foi por sua aplicação que os governos da Terceira República Francesa
realizaram nos anos seguintes um programa político “anticlerical” que teve como
etapas a laicização completa do ensino, a expulsão dos religiosos do território
nacional, o divórcio, a abolição da concordata entre a França e a Santa Sé.
O clericalismo de que fala o Papa Francisco é aparentemente
diferente, mas no final das contas ele corresponde àquela concepção hierárquica
tradicional da Igreja, que foi combatida ao longo dos séculos pelos galicanos,
pelos liberais, pelos maçons e pelos modernistas. Para reformar a Igreja,
purificando-a do clericalismo, o sociólogo italiano Marco Marzano sugere ao
Papa Francisco este caminho: “Pode-se, por exemplo, começar a retirar
completamente dos párocos o governo das paróquias, privando-os das funções de governo
(financeiro e pastoral) absoluto e monocrático das quais se beneficiam hoje.
Introduzindo um elemento importante de democracia, poder-se-ia tornar os bispos
elegíveis. Poder-se-ia fechar os seminários, instituições da Contra-Reforma nas
quais o clericalismo como espírito de casta é ainda hoje exaltado e cultivado,
substituindo-os por estruturas de formação abertas e transparentes. Pode-se,
sobretudo, suprimir a regra sobre a qual o clericalismo na maioria das vezes se
funda hoje (e que é também a base da grande maioria dos crimes sexuais do
clero), que é o celibato obrigatório. É justamente a suposta castidade do
clero, com todo o corolário de pureza e sacralidade sobre-humana que a
acompanha, que estabelece a premissa principal do clericalismo” (Il Fatto
quotidiano, 25 de agosto, 2018).
Quem quer eliminar o clericalismo, quer de fato destruir a
Igreja. E se, em vez disso, se entende o clericalismo como o abuso de poder
exercido pelo clero quando abandona o espírito do Evangelho, não há
clericalismo pior do que o daqueles que renunciam a estigmatizar pecados
gravíssimos como a sodomia e deixam de recordar que a vida cristã deve
necessariamente terminar no céu ou no inferno.
Nos anos seguintes ao Vaticano II, grande parte do clero
abandonou o ideal da realeza social de Cristo e aceitou o postulado da
secularização como um fenômeno irreversível. Mas quando o Cristianismo se
submete ao laicismo, o Reino de Cristo é transformado em um reino mundano e
reduzido a uma estrutura de poder. O espírito militante é substituído pelo
espírito do mundo. E o espírito do mundo impõe silêncio sobre o drama que a
Igreja está vivendo atualmente.
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(*) Fonte: “Corrispondenza romana”, 29-8-2018. Matéria
traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
http://www.abim.inf.br/eu-nao-vou-dizer-uma-palavra-sobre-isso/#.W4lzR85KjIU
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