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terça-feira, 22 de abril de 2025

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O pai e o filho do pai

Cyro de Mattos

 


Já vai longe o tempo em que recebi a primeira distinção relevante no meu currículo de vida literária.  Foi em 1968, no Rio.  Tinha resolvido ir morar no Rio para seguir na metrópole minha carreira literária. Vendi meus livros de Direito do escritório de advocacia, que havia estabelecido na cidade onde nasci, já com uma clientela considerável proveniente da área trabalhista.  Como o autor não vive de literatura, para sobreviver fui trabalhar em jornal na cidade grande.

O Rio e São Paulo naquela época formavam o tambor cultural do Brasil. Quem quisesse ter repercussão na carreira literária devia migrar cedo para uma das duas metrópoles. Já repórter e redator do Diário de Notícias no Rio, ainda como um moço do interior baiano espantado com a cidade de muita gente e edifícios que altos sinalavam para as nuvens, sentia-me estranho aos meios e costumes da metrópole. Foi aí que tive uma boa surpresa. Conquistava em 1968 um prêmio internacional para autores de língua portuguesa. Era a primeira vez que um autor brasileiro conquistava a láurea. Não preciso dizer da alegria.

Depois que conquistei o prêmio para livros de contos e novela da Academia Brasileira de Letras, vieram outras conquistas literárias e reconhecimentos importantes, em nível nacional e internacional, permitam-me aludir sobre essas ocorrências dando-me a certeza de que estava no caminho certo.     

Fico pensando agora como reagiria meu pai quando soubesse que tinha um filho como autor de dezenas de livros pessoais publicados no Brasil e exterior. Meu pai era um homem iletrado, aprendera a ler e a escrever por esforço próprio. Tudo que fez na vida foi com trabalho, esforço e economia para que os filhos fossem gente: o mais velho se tornasse um médico respeitável, o mais novo tivesse a carreira de advogado nas pegadas de um profissional competente. O irmão mais velho tornou-se um médico valoroso,  cirurgião elogiado durante décadas de dedicação e amor à Medicina. O filho caçula fora uma decepção para o pai, trocara o certo pelo duvidoso. 

O pai disse:

- Você pretende viver nas nuvens, seguindo uma profissão que não existe, não bota comida no prato, aqui na cidade ninguém dá importância a quem vive de escrever livros.  – De rosto triste, na expressão inconformada, concluiu: - Esse negócio de ser escritor só serve pra quem não tem juízo.

Observei:

- Meu pai é o que gosto, ser escritor não dá dinheiro nem conceito, reconheço, mas vou seguir o meu destino. 

Perguntei-lhe se ele já havia ouvido falar no famoso romancista Jorge Amado, era uma referência para quem quisesse seguir a carreira de escritor.

Respondeu que já ouvira falar nesse escritor famoso, mas era um caso raro, acrescentando que devemos seguir a regra e não a exceção, onde para se alcançar as metas importantes tudo é mais difícil.  

O pai não podia pensar diferente, com o saber que aprendera das lições tiradas na escola da vida, queria o melhor para mim.

Certamente hoje, se estivesse aqui comigo, ficaria calado, entre estranho e assustado.

Seria bom, agradável, se ele dissesse:

- Filho eu não sabia que o tempo estava preparando uma boa surpresa pra mim e pra sua mãe.

 O tempo, esse avantajado cavaleiro soberano. Sabe das coisas, conhece os caminhos, dá e toma, tudo bebe e lambe.

Antes de se recolher para se reconfortar no sono, depois de mais um dia de trabalho, gostaria que o meu pai dissesse com a voz calma:  

       - Filho, você está pronto, é um escritor de verdade. 

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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Autor de 70 livros pessoais e, entre eles, cinco de crônicas. Também editado no exterior. Advogado e jornalista. Colabora quinzenalmente com a revista da crônica Rubem, há mais de quinze anos editada pelo jornalista e cronista Henrique Fendrich em Brasília, como homenagem a Rubem Braga, o melhor cronista do Brasil. Conquistou o Prêmio Casa das Américas em 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e outras histórias.

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