Total de visualizações de página

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

AS ROUPAS – Gibran Khalil Gibran


As Roupas

 

            E um tecelão disse: “Fala-nos das Roupas”.

            E ele respondeu:

            “Vossos trajes ocultam muito de vossa beleza, porém não escondem o que não é belo.

            Embora procureis nos trajes a proteção libertadora de vossa intimidade, neles podeis encontrar arreios e cadeias.

            Pudésseis enfrentar o sol e o vento com mais epiderme e menos roupa;

            Pois o sopro da vida está na luz do sol e a mão da vida está no vento.

 

            Alguns dentre vós dizeis: O vento do norte foi quem teceu os trajes que vestimos.

            Eu, porém, vos digo: Sim, foi o vento do Norte.

            Mas a desonra foi o seu tear e o relaxamento dos nervos, o seu fio.

            E quando completou seu trabalho, riu na floresta.

            Não esqueçais que a modéstia é um escudo contra o olhar do impuro.

            E quando o impuro desaparecer, que será a decência senão um obstáculo e uma mancha na alma?

            E não esqueçais que a terra se rejubila de sentir vossos pés desnudos e que os ventos anseiam por brincar com vosso cabelo.”

 

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

----------

Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da verdade.

.........................

PARA OS QUE TÊM SAUDADE DA PRIMAVERA

 


          O que o presente livro oferece ao leitor?

          Um enriquecimento espiritual e uma visão de beleza raramente igualados.  A sabedoria oriental, produto daquela terra onde nasceram os profetas e as religiões, sempre fascinou as almas sensíveis.

          Este livro contém a essência dessa sabedoria, aplicada não a problemas transcendentais, mas à nossa vida cotidiana, e expressada num dos estilos mais fascinantes de toda a literatura contemporânea.

          As edições anteriores desta tradução têm-se esgotado com excepcional rapidez. E raros são aqueles que, após ler o seu exemplar, não voltam, à livraria comprar outros exemplares para seus amigos.

          Pois a leitura deste livro é mais do que uma leitura: é uma deliciosa renovação da alma.

          Quando uma pessoa está fisicamente esgotada, vai respirar o ar vivificante das montanhas. Espiritualmente também, as pessoas se esgotam: o egoísmo, a concorrência feroz, o automatismo, a solidão moral, a insensibilidade que caracterizam os tempos modernos afetam nossas almas mais ainda do que a exaustão afeta nossos corpos. E livros como O Profeta são as alturas vivificantes de que a alma precisa.

          Comece a ler este livro hoje mesmo. Sua leitura não lhe tomará mais de duas horas. Mas a beleza de suas parábolas, a melodia de seu estilo, o estímulo de seus pensamentos, a profundidade dos seus conceitos o acompanharão durante meses.

          O Profeta, escrito originalmente em árabe e, depois, em inglês, por um dos escritores mais extraordinários do século XX, já foi traduzido para mais de 30 idiomas. E em toda parte, das agitadas metrópoles às aldeias sonolentas, centenas de milhares de pessoas fazem dele o seu livro de cabeceira e para ele se voltam cada vez que sentem saudade das alturas e da primavera. Aproveite também este livro, e deixe que o leve sobre as asas da poesia ao mundo maravilhoso da sabedoria e da beleza.

 

MANSUOR CHALLITA

(Tradutor e Apresentador)

 

Editora Vozes Ltda.

BRASIL 1974

* * *

domingo, 18 de outubro de 2020

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: Adormecida – Castro Alves


Adormecida

(Castro Alves)



Uma noite, eu me lembro, ela dormia

Numa rede encostada molemente...

Quase aberto o roupão, solto o cabelo

E o pé descalço no tapete rente.

 

Estava aberta a janela. Um cheiro agreste

Exalavam as silvas da campina,

E ao longe, num pedaço do horizonte,

Via-se a noite plácida e divina.

 

De um jasmineiro os galhos encurvados,

Indiscretos entravam pela sala,

E, de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trêmulos – beijá-la.

 

Era um quadro celeste!... A cada afago

Mesmo em sonhos a moça estremecia...

Quando ela serenava, a flor beijava-a,

Quando ela ia beijá-la, a flor fugia...

 

Dir-se-ia que naquele doce instante

Brincavam duas cândidas crianças...

A brisa, que agitava as folhas verdes,

Fazia-lhe ondear as negras tranças!

 

E o ramo ora chegava, ora afastava-se,

Mas quando a via despertada a meio,

Pra não zangá-la sacudia alegre

Uma chuva de pérolas no seio.

 

Eu, fitando esta cena, repetia

Naquela noite lânguida e sentida:

“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!

Virgem! – tu és a flor da minha vida!...”

 

                                        S. Paulo, novembro de 1868


* * * 

PALAVRA DA SALVAÇÃO (206)


29º Domingo do Tempo Comum – 18/10/2020


Anúncio do Evangelho (Mt 22,15-21)

 

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Então mandaram os seus discípulos, junto com alguns do partido de Herodes, para dizerem a Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências. Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?”

Jesus percebeu a maldade deles e disse: “Hipócritas! Por que me preparais uma armadilha? Mostrai-me a moeda do imposto!” Levaram-lhe então a moeda.

E Jesus disse: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?” Eles responderam: “De César”. Jesus então lhes disse: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

 

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

 

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

---

Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:



---

Quem é o Senhor que move nosso coração?

 


“De quem é a imagem e a inscrição desta moeda?” (Mt 22,20) 

 

Sempre é importante estar atento ao contexto em que se situa o evangelho de cada domingo. Hoje, os chefes religiosos compreenderam que as parábolas polêmicas (os dois irmãos convidados pelo pai a trabalhar na vinha, os vinhateiros homicidas, o banquete de casamento) se referiam a eles; por isso, contra-atacam a Jesus com três perguntas capciosas que são como que armadilhas para ter de quê acusá-lo (pagar ou não o imposto a César, a ressurreição dos mortos e qual é o primeiro mandamento).

Hoje, perguntam a Jesus sobre o imposto a ser pago aos romanos. Era um assunto polêmico que dividia a opinião pública. Os adversários de Jesus querem a todo custo acusá-lo e, assim, diminuir a sua influência junto do povo. Muitas vezes, pessoas ou grupos, inimigos entre si, se unem para defender seus privilégios contra aqueles que os incomodam com o anúncio da verdade e da justiça. As perguntas dirigidas a Jesus, mesmo aquelas que revelavam uma intenção de incriminá-lo, são para Ele ocasião privilegiada para ir além das mesmas perguntas e acabam gerando respostas surpreendentes, que ninguém esperava.

No evangelho deste domingo (29o Tempo Comum), Jesus responde ao que não lhe haviam perguntado, indicando uma atitude vital que vai além da alternativa que lhe foi proposta: a licitude de pagar ou não o imposto a César. Em primeiro lugar, Jesus denuncia a submissão dos fariseus e herodianos que carregavam consigo moedas com a imagem do imperador romano: viviam como escravos submissos a um poder que desumanizava e humilhava a todos com pesados impostos e com violência extrema. Na prática, eles já reconheciam a autoridade de César. Já estavam dando a César o que era de César, pois usavam as moedas dele para comprar e vender e até para pagar o imposto ao Templo!

Em segundo lugar, Jesus, ao perguntar – “de quem é essa imagem e essa inscrição” – está fazendo clara referência ao Gênesis, onde se diz que o ser humano foi criado à imagem de Deus. Se o ser humano é imagem de Deus, é preciso dar a Deus o que lhe fora tirado, ou seja, o próprio ser humano. O ser humano é “imagem” de Deus e só a Ele pertence. O único absoluto é Deus. Trata-se de uma “submissão amorosa” que não se impõe (imposto), pois o convida a entrar em sintonia com Ele, numa comunhão de vida e compromisso com os outros.

Alguns biblistas traduzem a expressão “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” por “retirai de César o que é de Deus”, ou “não dai a César o que é de Deus”, ou ainda, “dai a César o que é de César, mas não lhe deis o que é de Deus”. O que interessa a Jesus é que “deem a Deus o que é de Deus!”, isto é, pratiquem a justiça e a misericórdia, para entrar em sintonia com o coração do Pai, pois a hipocrisia dos fariseus e herodianos negava a Deus o que lhe era devido.

Em outras palavras: não entregueis a nenhum “césar” o que é de Deus: os pobres e os pequenos que são os prediletos do Pai; o Reino de Deus pertence aos últimos. Não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus e de ninguém mais. Que nenhum poder abuse deles; que nenhum “césar” se imponha sobre eles. 

Com sua resposta, Jesus propõe um princípio de validade permanente: rejeitar, de maneira absoluta, qualquer tipo de poder. César se impõe (imposto) pelo poder, que oprime e exclui; Deus não se impõe (não é imposto); faz-se dom, esvazia-se de todo poder e se aproxima de cada um de nós, se faz comunhão.

O relacionamento entre o ser humano e Deus dá-se na esfera da mais pura liberdade, lá onde as decisões são ditadas pelo amor. O Deus que Jesus nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino.

Esta identificação de Deus com cada ser humano não vai na linha do poder que se impõe, mas na direção do amor que se faz oferta. Deus revela sua transcendência não no poder que tanto buscamos, mas na humanidade da qual queremos constantemente escapar.

A afirmação lapidar de Jesus vai da imagem impressa na moeda à imagem que trazemos impressa em nossas vidas, ou seja, a imagem de Deus. O dinheiro traz impressa a imagem dos poderosos; o ser humano traz impressa a imagem de Deus; o dinheiro vale o que vale o poderoso que o imprimiu; o ser humano vale o que vale Aquele que o criou à sua própria imagem. O denário traz impressa a imagem de César; por isso, vale o que vale o César.

O ser humano traz impressa a imagem de Deus; por isso, tem valor absoluto. Com o denário, pode-se pagar os impostos, mas o ser humano não é moeda de circulação, que se compra ou se vende. O ser humano é a única “moeda” que vale a vida mesma de Deus. Por isso, o ser humano não pode ser “produto” que é vendido aos interesses humanos.

Jesus desencadeou um movimento de vida, centrada na comunhão de bens, sem um dinheiro divinizado em forma de capital autônomo, valioso em si mesmo. Estritamente falando, seu projeto se opunha (em um nível diferente) à ordem imperial de Roma, que mantinha seu poder, assentado sobre fundamentos de dinheiro.

Nesse contexto se situa e deve ser entendida esta passagem sobre o tributo a César, que os adversários apresentam a Jesus para pegá-lo em algum tipo de contradição e assim poder acusá-lo diante do povo (se defendesse o tributo) ou diante da administração romana (se rejeitasse o tributo).

A partir deste cenário de fundo as comunidades cristãs apresentam o tema da relação entre a “economia do Reino”, ou seja, a comunhão gratuita de bens, e a “economia de César”, que se fundamenta e se expressa nos tributos a serviço da administração militar do império e do sustento de um tipo de política, que se expressava em domínio dos poderosos.

Vivemos em um contexto social e econômico onde o “deus dinheiro” determina todas as relações humanas, inclusive no campo religioso. O neoliberalismo (“césar” pós moderno) endeusou o “poder monetário”, destruindo aquela “imagem” divina impressa no coração de cada um. E o ser humano passou a ter “valor de mercado”, e toda pessoa que não produz ou não é rentável (doentes, idosos, pobres...) é descartado.

São os “césares” que se infiltram nas profundezas de nosso ser, conduzindo-nos a um profundo processo de desumanização.

Texto bíblico: Mt 22,15-21 

Na oração: Alimentamos diferentes “césares” em nosso coração, aos quais nos fazemos submissos: instinto de posse, busca de poder e prestígio, consumismo, obsessão por um bem-estar material sempre maior, o espírito de competição... Quando é “césar’ que determina nossa vida, sua influência envenena nossa relação com Deus, deforma nossa verdadeira identidade e rompe nossa comunhão com os outros e nos desumanizamos...

Como seguidores de Jesus, devemos buscar nele a inspiração e o alento para viver de maneira livre e solidária.

- Dar nomes aos “césares” que comandam seu coração e que exigem pesados impostos.

O evangelho de hoje faz emergir a seguinte pregunta: sinto-me “denário de césar”? sinto-me imagem de Deus?


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2162-quem-e-o-senhor-que-move-nosso-coracao

* * * 

sábado, 17 de outubro de 2020

PARA REFRESCAR A MEMÓRIA DOS BISPOS ESQUERDISTAS


152 arcebispos e bispos da CNBB assinaram uma carta com duras críticas ao Presidente Bolsonaro. O que tais prelados fizeram contra os descalabros dos governos petistas que arruinaram o País?

Plinio Maria Solimeo

A esquerda tem memória curta. E a tem também grande parte dos bispos que fazem parte da CNBB e que, seguindo a linha da famigerada Teologia da Libertação, não poupam críticas ao governo e à situação em que se encontra nosso País.

Esquecem-se eles que, há apenas alguns anos, o Partido dos Trabalhadores (PT), bafejado e incentivado por tais bispos, levou o Brasil à bancarrota com toda sorte de corrupção, que eles assistiam passiva e confortavelmente.

Por isso é bom relembrar-lhes que, naquela época, houve dois corajosos prelados que, destoando do resto da CNBB, fizeram duras críticas ao governo petista e à situação que vigorava no Brasil.

Foram eles Dom Henrique Soares da Costa, bispo de Palmares, no Pernambuco, e Dom Antônio Carlos Rossi Keller, bispo de Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul.

É-nos grato rememorar aqui as palavras desses destemidos antistites, pronunciadas no início do ano de 2016, em pleno reino petista, para refrescar a memória tão seletiva dos nossos bispos e clero esquerdistas.

O valoroso bispo de Palmares afirmou com todas as letras:

“A situação do nosso País é gravíssima: crise econômica; crise política; crise institucional; crise moral!

A democracia brasileira corre perigo!

O País foi roubado dos brasileiros!

Os que governam se sentem dispensados de dar satisfações ao Povo; não respeitam as instituições, zombam da justiça!

A sordidez, a desfaçatez e o escárnio tornaram-se método de governar e fazer política!

O Congresso Nacional trai e abandona o Povo brasileiro!

Cargos, comissões, sinecuras: é tudo quanto nossos parlamentares procuram!

Congresso indigno, Congresso omisso, eivado pela tortuosidade!

É preciso dar um basta a tudo isto!

O Povo brasileiro deve retomar o seu País, deve recobrar a sua Pátria, a sua dignidade, a sua honradez!

O Brasil está desonrado,

o Povo brasileiro está ferido em sua dignidade!

É o futuro da Pátria que está em jogo!

É preciso cobrar com convicção e firmeza um posicionamento claro do Congresso Nacional! Mas, como, com os líderes que estão ali?

Enquanto isto, crise, desemprego, tensão, desânimo, total falta de esperança!

O Brasil não tem líderes!

Estão destruindo a jovem democracia brasileira, estão colocando em risco o que se construiu com tanto sacrifício!

Que o Povo não o permita!

Que o Povo fale! Que o Povo brade!

O Brasil é dos brasileiros!”

Essas palavras tão duras, pronunciadas em 2016, contra o governo petista, são as que, mais ou menos, agora as de que acusam o atual governo.

Dom Keller não deixa a situação por menos:          

“De início, quero deixar claro que esta postagem não tem direcionamento partidário. Vivemos hoje, no Brasil, uma situação constrangedora: em todas as agremiações partidárias, o mal da corrupção apresenta-se como uma sombra vergonhosa.

O Brasil para os brasileiros! Fomos roubados: roubaram nossa esperança, nosso futuro, nossa dignidade, muito mais do que o nosso dinheiro. Somos um povo doente, sem horizontes. Prevaleceram-se de nosso comodismo, de nossa incapacidade de reação. Compraram nossa consciência cidadã com bolsas, programas, “pacs”, copas e olimpíadas.

Mudaram o rumo de nossa história, impingindo-nos ideologias inaceitáveis. Venderam nosso país a lobbies, que despejam aqui rios de dinheiro, para mudar os rumos de nossa vocação cristã-católica.

Perdemos quase tudo. Agora, querem nos fazer acreditar que tantos escândalos, desvendados a duras penas, não são verdadeiros, nada mais são do que disputa política. É preciso dar um basta a tanta pouca vergonha. É preciso, antes de tudo, resgatar o Brasil e a nacionalidade. Este país precisa ressurgir dos escombros a que foi reduzido. Mais do que nunca, é preciso recomeçar a ser brasileiro. O Brasil e os brasileiros não merecemos tanta humilhação e tanta vergonha”.

Felizmente essas palavras não foram pronunciadas em vão, como demonstraram as gigantescas manifestações populares contra o governo corrupto do partido dito dos trabalhadores.

Citamos essas declarações como publicadas no site católico “Aleteia”, em português, no dia 18 de março de 2016.


http://pt.aleteia.org/2016/03/18/bispo-tambem-e-cidadao-a-indignacao-de-dois-prelados-com-a-crise-moral-do-brasil/?utm_campaign=NL_pt&utm_source=daily_newsletter&utm_medium=mail&utm_content=NL_pt-Mar%2021,%202016%2007:01%20am

 

https://www.abim.inf.br/para-refrescar-a-memoria-dos-bispos-esquerdistas/


* * *

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ORDEM NA CASA - Joaquim Falcão


Que cada juiz tenha preferência por uma teoria de interpretação constitucional, tudo bem. É normal. Faz parte. Marco Aurélio tem sua preferência. O presidente Fux, a dele. Cada um, a sua. Interpretar diferentemente é possível. Mas há limites. O Supremo não pode colocar a sociedade em risco e perigo. 

O importante é retirar, agora que o susto passou, lições do caso André do Rap. Ficou claro para todos que o processo decisório do Supremo está doente. Necessita de cura. As decisões são caóticas. Não se sabe quem decide. Quando decide. Como decide. Se decide. 

Se decisões liminares têm de respeitar jurisprudência, quais? Nunca ninguém é impedido ou suspeito para julgar qualquer caso. Com parentes envolvidos ou não. Os ministros não avaliam as consequências reais de suas decisões. Como diz o ministro Alexandre de Moraes, o Supremo está com um grave problema de eficiência. Daqui a pouco, a máquina vai “grimpar”. Diante da inação do Supremo e de sua administração interna. 

A partir de 2013, por exemplo, os pedidos de habeas corpus têm subido violentamente. Motivos? Vários. Entre outros, porque advogados dos réus têm uma estratégia. Se o habeas corpus cai com um ministro mais rigoroso, o advogado renuncia ao pedido e entra com outro igual, como analisa o professor Ivar Hartmann. E vai entrando com habeas corpus substituíveis unilateralmente. Até acertar. Acertar o quê? O ministro probabilisticamente mais favorável à petição. Qualquer banco de dados com as decisões de cada ministro, como no Supremo em Números, permite prever probabilisticamente o mais favorável, e o menos, à causa.

Transforma-se a distribuição dos processos numa loteria de cartas marcadas. E o Supremo é a vítima. É o alvo do tiro. Aliás, dos tiros. Mas aceita. Silêncio. Ministros constrangidos. Terá havido erro na distribuição? Quem decide se um ministro está impedido ou não? Há dúvidas a esclarecer. Uma investigação e providências internas podem e devem ser tomadas.

O caso André do Rap mostra também o emaranhado processual em que o Supremo se autoaprisionou. Como lembrou o ministro Barroso, somente houve este caso porque o Supremo duvida de si mesmo. Vale ou não a prisão em segunda instância? 

Mais ainda. O presidente Fux defende que o Supremo tenha uma eficácia argumentativa diante de todos, incluindo a opinião pública. Neste emaranhado de recursos, esta eficácia é impossível. Os argumentos não têm nome. Não têm cara. Têm números. A ação 333.59.892 é contra a ação 976540, que difere do agravo 11.90008. Misturam-se números com citações e reitera-se que o procedimento do relator está errado. Difícil. Discussões processuais que mesmo quem entende não compreende. 

Um exemplo foi a tentativa de transformar o julgamento de André do Rap numa discussão processual sobre os superpoderes do presidente do Supremo. Como o colegiado revogaria a decisão de Marco Aurélio sem dar muito poder ao novo presidente, Luiz Fux

Enquanto os ministros não se sentarem juntos, fizerem as pazes entre si, deixarem de abusar das mídias, dos “offs”, resolver um caso não vai adiantar. 

A maior eficiência e confiança de todos no Supremo não depende do Executivo, nem do Congresso, nem da opinião pública, nem de ninguém. Depende de si próprio. Está na hora de colocar ordem na casa. 

O Estado de S. Paulo, 14/10/2020


 https://www.academia.org.br/artigos/supremo-tribunal-federal-ordem-na-casa

 ...............

Joaquim Falcão - Sexto ocupante da Cadeira nº 3 da ABL, eleito em 19 de abril de 2018, na sucessão de Carlos Heitor Cony e recebido em 23 de novembro de 2018 pela Acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira.


* * *

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

BIOGRAFIA DE MACHADO DE ASSIS Por M. Cavalcanti Proença



            Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na Rua Nova Livramento, no Rio de Janeiro, filho de Francisco José de Assis, “mulato pintor” e de Maria Leopoldina Machado de Assis, “portuguesa ilhoa e, segundo a tradição, lavadeira”. Como se vê, os pais eram pobres; mas dados a relações com gente de sociedade. Por isso, o “inocente”, como se dizia nas certidões de batismo, teve padrinhos importantes – Maria José de Mendonça Barroso, viúva do general Bento Pereira Barroso, que fora ministro no primeiro reinado e na regência, e senador do império; e Joaquim Alberto de Sousa Silveira, dignitário do Paço, comendador da Ordem de Cristo, oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. O batizado foi na capela dedicada a N. S. da Penha, construída em terras que haviam pertencido ao general e, por isso, mais conhecida como “capela da chácara do Barroso”. Dos nomes dos padrinhos formou-se o Joaquim, sendo que o “Maria” contentava também a mãe do menino.

            Foi garoto alegre e travesso, querendo bem a madrinha e dela muito querido; teve mãe e irmã pequena, ambas deixando a vida e Joaquim Maria muito cedo. O pai casou-se com Maria Inês, mulata que não teve filhos e se afeiçoou maternalmente ao enteado; foi ela quem lhe ensinou a ler, sem poder adivinhar o que viria a fazer o menino com as letras que ia aprendendo a juntar. “Coisas futuras.”

            Continuou os estudos na escola pública, com disciplina reforçada pela palmatória. Depois, morto o pai, lá se foi, com a madrasta, para um colégio dirigido por senhoras não muito prósperas; tanto que, para reforço do orçamento, fabricavam balas e doces; madrasta e enteado trabalhavam nessa indústria, ela na cozinha, ele de vendedor ambulante. Nesse tempo moravam em São Cristóvão, para onde se haviam mudado ainda em vida do pai, que era amigo do vigário do bairro. E Joaquim Maria já revelava pendores intelectuais, não perdendo ocasião de ler e de aprender: a padaria do bairro era de uma francesa, e francês o forneiro, lá ia o menino tomar lições de língua então indispensável para dar lustro às pessoas.

            Já rapazinho, se aproximou de Paula Brito, proprietário do periódico Marmota Fluminense, e que tinha uma tipografia e loja de artigos diversos, onde se reuniam intelectuais. A tradição refere, sem prova, que ele foi aprendiz nessa oficina. Certo mesmo é que, no nº 539 daquele “jornal de modas a variedades”, edição de 21 de janeiro de 1855, aos dezesseis anos, publicou o seu primeiro poema – “Ela”. Fraco poema; mas não inferior aos que outros, já veteranos, publicavam. E, principalmente, era a estreia, o nome em letras de forma, o marco inicial de uma carreira que, até 1908, se estenderia por mais de meio século de trabalho paciente, ascendendo, sem parada e sem retorno, rumo à perfeição.

            Nesse tempo, diariamente, toma a barca na Praia Formosa, desce no Cais dos Franceses, atual Praça Quinze, e vai, a pé, até a Imprensa Nacional, que ficava na Rua da Guarda Velha (atual Treze de Maio) , onde, aí sim, em 1856, era aprendiz de tipógrafo. Aprendiz não dos melhores, no conceito do chefe das oficinas, implicando com seu jeito de mergulhar na leitura sempre que lhe dava uma folga, e até fora dela. Mas o Diretor deseja conhecê-lo, talvez mesmo em consequência do motivo das queixas. Conhece-o, e logo se tornam amigos; coisa muito natural, porque esse diretor se chamava Manuel Antônio de Almeida, o romancista de Memórias de um Sargento de Milícias, livro hoje considerado peça indispensável de nossa evolução literária.

            Em 1858, Machado de Assis é revisor e caixeiro na tipografia de Paula Brito; nessa época se vão ampliando as suas colaborações em vários jornais, até que, a convite de Quintino Bocaiúva, começa a escrever no Diário do Rio de Janeiro e na Semana Ilustrada.

            O primeiro volume publicado é de versos; nem tão moço o autor (25 anos), como era costume na época; título meio simbólico para quem sonhava com a glória – Crisálidas.

            Tem aumentado o número de amigos e camaradas de rodas intelectuais, do grupo de Marmota, da Sociedade Petalógica (Peta – mentira; lógica – estudo), onde há muita mediocridade. Mas há, também, o grupo, em que ele se integra, dos que frequentam o consultório do médico Dr. Andrade Filgueiras, conhecem Ramos da Paz, Macedo, José de Alencar, Francisco Otaviano, o escritor francês Charles Ribeyrolles, cujo livro Brasil Pitoresco, Manuel Antônio de Almeida traduz. O filho herdara a tendência paterna de relacionar-se com gente de nível social mais elevado que o seu.

            Na Imprensa Nacional, torna-se auxiliar do Diretor do Diário Oficial. Em 1873 foi nomeado primeiro-oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; em 1881, Oficial de Gabinete do ministro que é Pedro Luís, autor de um poema célebre ”Terribilis Dea”, em que se inspiraria Castro Alves para escrever o seu poema, antitético, “Deusa Incruenta”.

            Em 1888 recebe a comenda da Ordem da Rosa, no grau de oficial; no ano seguinte é nomeado diretor da Diretoria de Comércio; em 1892, já na República, Diretor-Geral de Viação; posto em disponibilidade em 1898, logo depois reverte à atividade, como diretor da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação, e, mais tarde, Diretor-Geral de Contabilidade.

          Nessa altura da vida, podia olhar para trás e rever-se no menino que brincava descalço no morro do Livramento. Recebera títulos e honrarias, era, deste 1897, presidente da Academia Brasileira de Letras; recebera em sessão solene, dessa mesma Academia, um ramo de carvalho de Tasso, enviado da Itália por Joaquim Nabuco. (1) A honra final não poderia prever: diante do seu ataúde, em nome dos acadêmicos, falaria comovidamente o mais ilustre dos brasileiros vivos, Rui Barbosa.

            Esta acumulação de datas, indicando a sua ascensão econômica e social, impôs-se neste resumo, pois, num país em que a profissão de escritor ainda hoje é precária, quisemos acentuar que a carreira burocrática lhe deu tranquilidade econômica para escrever e aperfeiçoar-se, ficando o serviço público, neste, como em outros casos, credor de nossa literatura.

            Duas outras datas, e que não podem ser esquecidas: 1869, ano do seu casamento com D. Carolina Augusta Xavier de Novais, e 1904, ano em que ela morreu. A mulher, imortalizada no seu melhor soneto, lhe trouxe uma tranquila felicidade; e, até certo ponto, se pode dizer que ao seu desvelo se deve a plena realização do escritor: sem Carolina, principalmente depois que nele se manifestou a epilepsia, seria, talvez, interrompida a linha ascensional que diagramatiza a carreira literária de Machado de Assis.

            Conheceu-a quando entrou a fazer parte do grupo chefiado por José Feliciano de Castilho, escritor português, erudito, mas sem talento criador, o mesmo que negou, em campanha sistemática, a obra de José de Alencar. Do grupo participavam Emilio Zaluar, Ernesto Cibrão, Artur Napoleão, e, mais tarde, Faustino Xavier de Novais, poeta satírico. Entre Castilho e Alencar, Machado de Assis não tomará partido, se bem que, anos depois, venha a escolher o romancista de Iracema para patrono de sua cadeira na Academia, e lhe preste publicamente o testemunho de sua admiração.

            Amigo de Novais, veio a conhecer-lhe a irmã que ele mandara buscar a Portugal. Ela chegou ao Brasil na casa dos trinta, livre e desimpedida de compromisso de amor; na idade em que a maioria das mulheres já tinham filhas casadoiras, não será muito rigor chamá-la de solteirona. Cinco anos mais velha que ele, “sem ser bonita, deve ter sido extremamente simpática e atraente”, supõe Lúcia Miguel Pereira, em sua biografia do escritor. Em Portugal, conhecera Camilo Castelo Branco, Gonçalves Crespo, outros literatos; aqui, estando o irmão doente dos nervos, organiza reuniões para distraí-lo. Entre os convidados, Machado de Assis. E o namoro começou. E teve logo a oposição de parte da família, Adelaide e Miguel, os últimos chegados de Portugal. Motivo: Carolina era alva, branca, e o namorado, mulato sem disfarce. Duas senhoras brasileiras amadrinharam a causa, o casamento se fez. A operação durara dois anos, de começos de 1867 a 1869.

            Valeu a pena insistir: D. Carolina foi excelente esposa e companheira. Deu-lhe um lar harmonioso; concentrou em si a bondade e o carinho da mãe, da madrasta, da madrinha que ele perdera. Morta a esposa, dizem os biógrafos de Machado que ele retratou a vida do casal em Memorial de Aires. Vida realmente feliz.

            Bem casado, glorioso, reconhecido, inclusive, pela nova geração do seu tempo, como escritor máximo da literatura brasileira, realizou-se, lenta e progressivamente, sem retornos, sem descaídas. É tempo, assim, de falar de sua obra.

            Na poesia não esteva à sua própria altura. Diríamos, até, que se lançou no gênero, porque era esse o de maior voga na época, o que reunia os grandes nomes literários. Poucos os poemas em que atingiu a atmosfera da poesia. O restante é um versejar nem sempre com bons ouvidos ou boas imagens.

            É verdade que Lúcia Miguel Pereira afirma que “ele foi inegavelmente poeta”; mas, na mesma página, tratando das resistências de Machado a dar a edição das Poesias Completas, reconhece que “talvez sentisse, com o seu agudo senso crítico, que na poesia não se realizaria inteiramente”. Nesse tempo, 1901, já haviam sido publicados: de Bilac, Poesias; de Alberto de Oliveira, Canções Românticas, Meridionais, Sonetos e Poemas, Versos e Rimas, Poesias Completas; de Raimundo Correia, Primeiros Sonhos, Sinfonias, Versos e Versões, Aleluias, Poesias; de Vicente de Carvalho, Relicário. Note-se que, em Poesias Completas, muitos poemas dos primeiros livros aparecem com correções de métrica e de vocabulário, supressão ou alteração de versos, mostrando que Machado de Assis acompanhava a evolução da técnica literária, posta em evidência pelo parnasianismo.

            A prosa, entretanto, é o terreno eu que edificou a sua glória. Nela se tornou mestre e modelo, a seguir e imitar.

            Para Lúcia Miguel Pereira, os três primeiros livros – Contos Fluminenses, Histórias da Meia Noite e Ressurreição, - ele os conseguiu fazer “quase inteiramente maus”. Os contos foram escritos de encomenda, premência de colaboração para os jornais; o romance foi armado obedecendo a um esquema, e não contém aquele traço de catarse, de confissão, a presença, enfim, do escritor que precisa libertar-se do tema que o empolga de entusiasmo ou de angústia. Mas não são matéria a desprezar esses primeiros livros de prosa, pois, neles, aqui e ali, já desponta o talento que irá dirigir o escritor sempre para o melhor, o mais alto, como aquele moço do poema de Longfellow, em cuja flâmula se achava inscrito o lema – ad Excelsior. (2)

            Helena, ainda romântico, de enredo folhetinesco, e Iaiá Garcia, história do nascimento, vida e glória de um amor, já possuem muito daquele estilo remanchado, passinho à frente, passinho atrás, que irá dar-nos a pintura minuciosa, quase microscópica, de Brás Cubas. Quincas Borba, Capitu e Bentinho, para atingir a cristalização sem jaça de Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

            Dos contos poderemos citar “A Academia de Sião”, “A igreja do Diabo”, “A Cartomante”, “Cantiga de Esponsais”, “A Desejada das Gentes”, “Noites de Almirante”, para falar só dos que reúnem o beneplácito coletivo, embora saibamos muito incompleta a lista.

            Pouco a pouco o estilo de Machado de Assis atingiu a condição de Instrumento afinadíssimo, capaz de entretons, de sugerir mais que dizer, dominando o leitor, com quem dialoga e discute os estados de alma dos personagens. E a quem transmite o ceticismo, a dúvida, a ironia melancólica das afirmações interrogativas, das perguntas que não pedem resposta.

            São unânimes os críticos em dividir a obra machadiana em duas fases, ficando as Memórias Póstumas de Brás Cubas como marco divisório. A segunda não é, certamente, a que mais agrada ao grande público, mas é nela que encontramos o escritor na plenitude do poder criador, do talento e da técnica; nela é que se devem deter os que desejam estudar a literatura em si, como transmissão de experiências e como integração de tema e expressão.

            Antes de passar à relação das obras do escritor, limitando-a à poesia e ficção, nada melhor para encerrar esta biografia, que já vai longo, do que o fecho posto por Lúcia Miguel Pereira na sua Biografia de Machado de Assis, hoje livro fundamental para o estudo e conhecimento do romancista.

            “À medida que se vai recuando para o passado, sentimos melhor o que representa para o Brasil este mestiço que tanto elevou a sua gente e o seu país, a pureza dessa personalidade que paira sobre a literatura brasileira, como um símbolo da nobreza do pensamento e do poder do espírito.”

 

OBRAS POÉTICAS E DE FICÇÃO:

1864 – Crisálidas (poesia)

1870 – Falenas

1870 – Contos Fluminenses

1872 – Ressurreição

1873 – Histórias da Meia-Noite

1874 – A Mão e a Luva

1875 – Americanas (poesia)

1876 – Helena

1878 – Iaiá Garcia

1881 – Memórias Póstumas de Brás Cubas

1882 – Papéis Avulsos

1884 – Histórias sem data

1891 – Quincas Borba

1896 – Várias Histórias

1899 – Páginas Recolhidas

1900 – Dom Casmurro

1901 – Poesias Completas

1904 – Esaú e Jacó

1906 – Relíquias de Casa Velha

1908 – Memorial de Aires

 

( 1) Torquato Tasso (1544-1595) – poeta italiano, autor da epopeia GERUSALEMME LIBERATA.

(2) Longfellow, Henry Wadsworth (1807-1882) – poeta norte-americano, muito conhecido pelo seu poema romântico EVANGELINA         

 

------------


Fonte:

CLÁSSICOS BRASILEIROS (Machado de Assis) – Dom Casmurro

EDIÇÕES DE OURO

* * *


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

AGORA SOU ESPERANÇA – Dinah Silveira de Queiroz



Eu venho do existir mas não ainda da Esperança, e agora sou Esperança. Do infinito painel da Eternidade, do ontem, do hoje, do amanhã, eis que amanheço. Há quantos séculos, há quantos milhares de anos me esperavam aqueles seres nas regiões a que chegavam, depois da morte? Vinham, volteavam. Moviam-se lentos, obscuros, uns agarrados a outros, no cinzento de suas meias vidas, como esboços de homens. Eu lhes trazia a cor, a Esperança. Eles seriam desatados e partiriam para sempre à convivência da mansão de meu Pai, onde há moradas para todos os justos. Eles não sabiam do tempo. Eles se moviam num plano em que se entrelaçavam todas as vidas e todas as gerações. Mas eles sofriam da fome e da sede da vida eterna, da qual eram apenas sombras físicas, como o princípio da vida no seio da mãe. E se tornariam coloridos, vivos e amanheceria nessas regiões do Limbo, àquela hora em que lá estivesse, em suas moradas, para levá-los ao Pai. Eles vinham do negro, do cinzento, para o amarelo, o vermelho e o branco refulgente. Eles vinham para mim e haviam guardado a liberdade em seu mimado mundo que os vivos desconheciam. E lhes entreguei a salvação; e puderam participar do banquete e da alegria de tornar à casa do Pai. Haverá maior felicidade do que a volta à casa de onde viemos, com amor?

Eu pertencia à vida dos anjos, ao mundo que está além das sombras. Mas eu devia voltar e cumprir minha promessa. Desfiz-me da comunhão estreita das almas, do enlace supremo; eu desceria novamente à Terra, mas já não seria como dantes. E eu voltei ao lugar onde me haviam amortalhado: o sepulcro de José de Arimatéia.

Já rompia o sol e uma jovem mulher, aquela a quem curei em corpo e espírito, avançava em direção do sepulcro do qual eu emergia. Para trás, ficavam suas companheiras. Abriu Maria de Magdala a porta do jardim que os guardas do túmulo haviam fechado. Ela caminhou até o subterrâneo, ao fundo do qual deveria estar meu corpo destroçado. Um pouco de luz filtrava pela abóbada da construção, mas, para ela, que desconsolo! O corpo de quem chamara sempre de Mestre, aquele a quem houvera seguido por caminhos e pregações, já não estava mais lá. Como suas companheiras ainda não haviam chegado, para elas voltou:

- Levaram o Senhor! Levaram o Senhor!

Desarvoradas, as mulheres agora comprovavam o que Maria de Magdala havia dito: sobre a lousa já não estão mais meus despojos. Mas os olhos dessas mulheres de repente se alargam de espanto. Ali, com a luz da madrugada, luzes outras envolvem visões sobrenaturais. Agora, eles, os anjos, bem aparecem em cada lado do lugar onde repousava meu corpo flagelado. E as minhas testemunhas - pois eram dois os mensageiros, e para meu povo só valiam dois testemunhos ou mais - bem lhes perguntavam:

- Por que buscais entre os mortos aquele que está vivo? Ressuscitou, conforme predisse. Recordai as palavras ditas na Galileia: - É preciso que o Filho do Homem seja entregue às mãos dos homens, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia. Ide pois e dizei a Pedro e aos demais discípulos que ele mesmo aguardará na Galileia. Ali o vereis, segundo sua promessa.

E vieram os discípulos e viram vazio o meu sepulcro. João e Pedro acreditaram, então, firmemente na Ressurreição, e saíram daquele lugar meditando nas palavras a eles transmitidas pelas mulheres. E talvez não tenham, no momento, dado atenção, ali no jardim, a uma criança chorando pelo pai, guardando a sepultura, a mais humilde entre todas. Estava ali a mulher que um dia vi elevar-se e purificar-se: Maria de Magdala. estava trespassada por sua dor imensa e queria estar ali, gemendo e chorando, bebendo o seu pranto, como o fazem as crianças, quando não são acalentadas. Pelo jardim, agora ela vê um homem vestido de branco a atravessar um pequeno caminho. Agrada-me surpreendê-la:

- Mulher, por que choras? A quem buscas?

E já era tão modificado o meu todo que Maria não me reconheceu, supondo que eu era o jardineiro. Eu a conhecera criança, ela me vira e acompanhara por todos os anos de pregação, mas ali meu semblante tinha marcas desconhecidas de sua convivência.

- Senhor, disse-me ela, - se o haveis tirado daí, dizei-me onde o pusestes e eu irei buscá-lo e o levarei comigo.

Então, eu a nomeei por seu próprio nome: Maria. Seu rosto se transtornou. Sua entrega ao momento quase a abateu. E me reconheceu e arrojou-se a meus pés:

- Meu Senhor! Meu Senhor!

E me beijava os pés.

---

Perguntariam mais tarde os apóstolos por que à Maria de Magdala eu apareceria em primeiro lugar, na reconciliação e na redenção do pecado. Fi-la levantar-se:

- Não pertenço mais à Terra. Em breve me distanciarei de todos para voltar a meu Pai que é também vosso Pai. A meu Deus que é também vosso Deus.

E ela não mais me viu. E o horto ficou deserto e só o canto dos pássaros lhe fizeram companhia, o bulir das árvores e a graça da manhã, manhã de Páscoa, a que me recebera.

---

Porque eram homens, havia entre eles o ciúme dos homens. E meus discípulos levariam muito tempo a perguntar: - "Por que, por que, o Senhor, à Maria Magdala apareceu primeiro?" E se a seu lado, de Pedro, de João, de Tiago, de André, eu estivesse em pessoa, na carne que vesti, poderia responder, como agora vos digo a vós em meu Memorial:

- Porque no jogo infinito do amor eterno existe a mesma natureza de qualquer amor humano, que perdoa, e tanto mais ama quanto mais perdoa.


(Memorial de Cristo II, Eu, Jesus, 1977.)

 .........................


Dinah Silveira de Queiroz
- Sétima ocupante da Cadeira 7 da ABL, eleita em 10 de julho de 1980, na sucessão de Pontes de Miranda e recebida pelo Acadêmico Raymundo Magalhães Júnior em 7 de abril de 1981.

 

https://www.academia.org.br/ 

* * *