O Papa Emérito já fez diversos comentários serenos e
repletos de esperança e paz a propósito da morte cristã
Morrer na Páscoa, para quem crê na Ressurreição de Cristo, é
certamente um privilégio repleto de significado. Por ocasião do sexto
aniversário de falecimento da Madre Angélica, fundadora da pioneira rede
católica norte-americana de televisão EWTN, a agência de notícias ACI Digital, que pertence ao mesmo grupo, recordou uma
inspiradora declaração do Papa Emérito Bento XVI a respeito da data em que a
religiosa partiu deste mundo: o Domingo da Ressurreição de 2016, que recaiu no
dia 27 de março. Ela tinha 92 anos e havia passado os últimos quinze às voltas
com as difíceis sequelas de um derrame cerebral.
De acordo com um testemunho do secretário pessoal de Bento
XVI, dom Georg Gänswein, o Papa Emérito afirmou, na época, que morrer em pleno
Domingo de Páscoa “é um dom de Deus”. Em dezembro do mesmo ano, Bento afirmou a
repórteres da rede que a Madre Angélica havia sido “uma grande mulher, muito
corajosa”.
O próprio Bento XVI, ainda como pontífice reinante, havia
concedido a ela, em 2009, a medalha “Pro Ecclesia et Pontifice”, a mais alta
condecoração que os Papas podem outorgar a um religioso ou leigo na Igreja
Católica.
Serenidade e paz perante a morte
Bento XVI já fez diversos comentários serenos e repletos de
esperança e paz a propósito da morte cristã, que, afinal, é uma transição desta
vida passageira para a vida plena em Deus na eternidade.
Em 7 de fevereiro de 2018, por exemplo, o Papa Emérito
enviou uma carta ao jornal italiano Corriere della Sera confirmando
a natural deterioração da sua saúde física e afirmando, com grande
simplicidade, que já estava “em peregrinação a caminho de Casa”. Ele escreveu
na ocasião:
“Só posso dizer que, na lenta diminuição das forças físicas,
estou interiormente em peregrinação para Casa. Para mim, neste último trecho do
caminho, às vezes um pouco esgotador, é uma grande graça estar rodeado de amor e
bondade tamanhos que eu não poderia ter imaginado”.
Em outubro de 2021, ao saber da morte de um grande amigo
sacerdote, o pe. Gerhard Winkler, Bento XVI escreveu uma carta aos padres da
abadia de Wilhering, na Áustria, para lhes oferecer os seus pêsames. No texto,
o Papa Emérito afirma:
“Ele chegou agora ao outro mundo, onde tenho a certeza de
que muitos amigos já o aguardam. Espero me unir logo a eles”.
A serenidade diante do final da vida terrena é um sinal de
fé. É a consciência de que a vida ilumina a morte e, portanto, a morte ilumina
a vida. A morte, afinal, é apenas uma passagem.
Não é
precisamente um conto o que hoje vou escrever.
Voltou do
seu passeio a São Paulo o Guedes – o Guedes sabem? – o maior asneirão que o
sol cobre, aquele mesmo que respondeu aqui há tempos quando numa roda lhe
perguntaram se tinha filhos:
- Tenho
uma filha já adúltera.
- Adúltera?!
- Sim,
senhor, adúltera; vai fazer 17 anos.
- Adulta
quer o senhor dizer...
- Ou isso.
É uma boa menina; só tem um defeito: é muito luxuriosa.
-
Luxuriosa?!
- Sim,
senhor, luxuriosa: gosta muito de luxar.
- Ah!
- Mas lá
está minha mulher para lhe dar bons conselhos... sim, porque minha mulher é
muito sensual.
-
Sensual?!
- Sim,
senhor, sensual: tem muito bom senso.
***
Pois é como
lhe digo: tive o prazer de encontrar ontem esse precioso Guedes, cujas
asneiras, colecionadas, dariam um volume de trezentas páginas, ou mais.
Eu estava
num armarinho da rua do Ouvidor, onde entrara para cumprimentar a minha
espirituosa amiga dona Henriqueta, que andava, como sempre, fazendo compras,
enchendo-se de caixinhas e pequeninos embrulhos, adquiridos aqui e ali.
O Guedes,
mal me viu, correu a dar-me um abraço, dizendo:
- Li no “O
País” a notícia do seu aniversário...
E recuando
dois passos, tomou uma atitude solene, deixou cair as pálpebras, e acrescentou:
- Faço
votos para que você tenha um futuro tão brilhante como o que passou.
Agradeci
comovido essa manifestação de apreço envolvida num disparate, e apresentei o
Guedes à minha espirituosa amiga dona Henriqueta, que mordia os lábios para não
rir.
-
Apresento-lhe, minha senhora, o mais extraordinário reformador da língua
portuguesa: o Guedes, o grande Guedes, que acaba de chegar de São Paulo, onde
esteve a passeio.
- Era
tempo de fazer uma viagem! – explicou ele. – Foi a primeira vez que saí do Rio
de Janeiro.
- Eu
também não saí ainda dessa cidade senão para ir uma vez a Petrópolis e duas a
Niterói – disse dona Henriqueta.
- Vejo
então que a senhora é cortesã... – acudiu o Guedes curvando os lábios no mais
amável dos seus sorrisos.
-
Cortesã?!
- Cortesã,
sim... filha da Corte...
- Oh,
Guedes! – observei baixinho. – Pois você não vê que está dizendo uma
inconveniência?
- Tem
razão... Atualmente não se deve falar em Corte...
E emendou:
- Vejo
então que a senhora é capitalista federalista
Dona
Henriqueta desta vez riu-se a perder. É provável que ao leitor não aconteça o
mesmo. Paciência.
- Ó
Guedes! Vamos lá! Diga-me! Que impressões trouxe você de São Paulo?
- Muito boas! Aquilo é uma grande terra!
- Dizem
que há lá muita sociabilidade.
- Como?
- Muita
convivência...
- Isso
há... As famílias visitam-se... Os moços coabitam com as moças.
- Ora essa!
- Que
entende você por “coabitar”?
- É...
é...
- É uma
indecência... uma inconveniência... uma coisa que não se diz!...
O Guedes
inflamou-se:
- Está
você muito enganado... “Coabitar” é...
E voltando-se para um dos caixeiros do
armarinho:
- O senhor
tem aí um dicionário que me empreste?
- Pois
não?
E daí a
dois minutos o Guedes tinha nas mãos os dois volumes do Aulete.
- Muito
bem! – disse eu. – Procure “coabitar”.
Depois de
folhear em vão o dicionário durante um ror de tempo, o teimoso exclamou:
- Não dá!
Não dá! Vejam...
- Perdão:
você está procurando com u: deve ser com o!
- Tem
razão. Tem razão...Onde estava eu com a cabeça?
E o Guedes
pôs-se de novo a folhear o Aulete.
- Não dá!
Também não dá com o! Veja: de coa para coação! Não dá com u nem com o!
-Valha-o Deus, Guedes, valha-o Deus! Você está
procurando sem h? Dê cá o dicionário!
E com um
sorriso de triunfo mostrei ao Guedes a significação da palavra.
- Agora
veja o que o Aulete acrescenta entre parênteses: “Diz-se particularmente de
duas pessoas de diferente sexo”.
- Perdão!
– bradou Guedes furioso. – Perdão! Eu não disse particularmente, mas alto e bom
som, e só não me ouviu que não me quis ouvir!
E batendo
com a mão espalmada sobre o balcão:
- Eu não
sou homem que diga as coisas particularmente!
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Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo),
jornalista e teatrólogo, nasceu em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, e
faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de outubro de 1908. Figurou, ao lado do
irmão Aluísio Azevedo, no grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, onde
criou a cadeira nº 29, que tem como patrono Martins Pena.
* * *
quarta-feira, 30 de março de 2022
ORAÇÃO PARA APRESSAR O TRIUNFO DO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA
Tendo em vista a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração
de Maria, Dom Athanasius Schneider (bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão)
compôs uma oração que aqui transcrevemos na tradução para o português feita
pelo nosso colaborador Hélio Dias Viana.
Ó Imaculado Coração de Maria, Santa Mãe de Deus e nossa
terna Mãe, olhai para a angústia em que vive toda a humanidade devido à
propagação do materialismo, da impiedade e da perseguição à fé católica.
Em nossos dias, o Corpo Místico de Cristo está sangrando de
tantas feridas causadas dentro da Igreja pela propagação impune de heresias,
pela justificação dos pecados contra o Sexto Mandamento, pela busca do reino da
terra em vez do reino dos céus, pelos horrendos sacrilégios contra a Santíssima
Eucaristia, especialmente através da prática da Comunhão na mão e da forma
protestante de celebração da Santa Missa.
Em meio a essas provações surgiu a luz da consagração da
Rússia ao vosso Imaculado Coração, pelo Papa em união com os bispos do mundo.
Em Fátima Vós pedistes a Comunhão Reparadora nos Primeiros Sábados do mês.
Implorai ao vosso Divino Filho que conceda uma graça especial ao Papa, para que
aprove a Comunhão Reparadora nos Primeiros Sábados.
Que Deus Todo-Poderoso apresse o tempo em que a Rússia se
converta à unidade católica, a humanidade tenha um tempo de paz, e a Igreja
receba uma renovação autêntica na pureza da fé católica, na sacralidade do
culto divino e na santidade da vida cristã.
Ó Medianeira de todas as graças, ó Rainha do Santíssimo
Rosário e nossa doce Mãe, voltai para nós os vossos olhos misericordiosos e
atendei graciosamente esta nossa oração confiante.
DEPUTADOS BAIANOS OUTORGAM COMENDA 2 DE JULHO AO POETA E ESCRITOR CYRO DE MATTOS
A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) aprovou projeto de
resolução da autoria do deputado Marcelinho Veiga (PSB) que concede a Comenda
2 de Julho ao poeta e escritor Cyro de Mattos, um dos ficcionistas e
poetas mais importantes da literatura contemporânea, na Bahia e no Brasil.
Segundo o deputado Marcelinho Veiga, essa Comenda 2 de julho
é mais do que merecida. “A história de Cyro de Mattos lhe respalda. Parabéns!
São mais de 60 anos compromissados com as letras e a cultura”. Membro da Academia
de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, ele é autor de 64 livros pessoais, de
diversos gêneros, e além disso tem 15 livros publicados no exterior.
Entre os membros da Academia de Letras da Bahia que foram
homenageados com a Comenda 2 de Julho figuram Luís Henrique, Cid Teixeira, João
Carlos Salles, Mãe Stella de Oxóssi e Joaci Góes.
Mesa composta por Vercil Rodrigues (Academia de Letras Jurídicas), René Albagli (Ex-reitora da UESC), Jane Hilda (Secretária Geral), Pawlo Cidade (Presidente da ALI), Tenente Paulo (18º CSM) e Jacson Cupertino (Presidente da OAB/Ilhéus).
Foto: José Nazal
Autoridades civis, militares, política, amigos, familiares e
acadêmicos da casa e das coirmãs Academia Grapiúna de Letras (AGRAL) de Itabuna
e da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), foram prestigiar a
posse do mais novo imortal da Academia de Letras de Ilhéus (ALI), Dr. Manoel
Carlos de Almeida Neto, na sexta-feira, 25/3, às 19h na sede da instituição no
Centro Histórico.
O novo membro da “Casa de Abel”, ocupa Cadeira 39, antes
pertencente a um dos fundadores da instituição, José Cândido de Carvalho Filho, que
foi ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
A prestigiada
solenidade de posse foi presidida pelo acadêmico-presidente Pawlo Cidade
(Cadeira 13) e a saudação ao novo membro da Academia de Letras de Ilhéus, ficou
a cargo do acadêmico Edvaldo Brito (Cadeira 28), ex-professor de Direito de
Manoel Carlos, que na oportunidade fez um breve escorço das Academias de
letras, que têm por modelo a “Académie Francaise”, criada em 1635 por
Armand-Jean Du Plessis, cardeal de Richelieu, apontando mudanças que ocorreram
ao longo desse mais de quatrocentos anos de história. “As academias hoje não
são apenas espaço ocupados por literatos, mais o lugar de variadas
manifestações artísticas e culturais”.
Em seu
discurso, o agora imortal da ALI destacou o perfil pessoal e profissional do
seu antecessor, José Cândido de Carvalho Filho, falecido em abril de 2019, e do
patrono da Cadeira 39, o político e jurista baiano José da Silva Lisboa, o
Visconde de Cairu.
O acadêmico
Manoel Carlos de Almeida Neto é membro da
Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), onde ocupa a Cadeira
29, que tem como patrono o jurista Orlando Gomes, é também doutor e pós-doutor
em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Advogado e vice-presidente da Comissão Nacional de
Estudos Constitucionais da OAB, o novo membro da ALI foi professor da Faculdade
de Direito da USP (2020-2022) e da Faculdade de Direito da UESC (2005-2006),
secretário-geral da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
Obras lançadas
Manoel Carlos é autor das obras “O novo controle de
Constitucionalidade Municipal” (editora Forense), “Direito Eleitoral Regulador”
(RT), “Juiz Constitucional” (RT), dentre outras. A posse na ALI coincide com o
lançamento nacional da sua mais recente obra, “O Colapso das Constituições do
Brasil: uma reflexão pela democracia”, considerado pelo ex-presidente da
República e membro da Academia Brasileira de Letras, José Sarney, um “trabalho
insubstituível na literatura de nosso Direito Constitucional”. Sarney assina o prefácio
do livro.
O ministro do STF, Ricardo Lewandowski, é outra
personalidade a falar do livro. “Com rigor acadêmico e destacada originalidade,
esta obra do professor Manoel Carlos de Almeida Neto, fruto de longa e
proveitosa pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Direito da USP, revisita
os últimos duzentos anos da história político-institucional do país para
desvendar os fatores reais do poder que deram vida e decretaram a morte das
distintas Constituições brasileiras, propiciando aos leitores uma reflexão
sobre as raízes sociológicas determinantes da fragilidade de nossa democracia”,
escreveu.
Roman à
clef, ou roman a cle, expressão francesa cuja tradução aproximada é
"romance com chave", designa a forma narrativa na qual o autor trata
de pessoas reais por meio de nomes fictícios. Roman à clef na
literatura brasileira é Montanha (1956), do mineiro Ciro dos Anjos,
O espelho partido, de Marques Rebelo, projetado para sete volumes,
iniciado em 1959 com O trapicheiro, e A conquista (1899), de Coelho
Neto, que retrata a vida boêmia e intelectual do Rio de Janeiro no final do
século dezenove.
No romance de
Coelho Neto informa-se sobre a paisagem urbana em mudança do Rio de Janeiro, os
costumes importados de Paris, os padrões de comportamento ditados pelo espírito
da belle époque, a visão que se tem da literatura como o sorriso da
sociedade. Nesse Rio de Janeiro de estilo literário eclético, na qual se cruzam
e entrecruzam a estética do parnasianismo, simbolismo e impressionismo,
circulam personagens reais com os nomes fictícios. Alguns pseudônimos são
evidentes no romance, como Octávio Bivar representando Olavo Bilac, e outros
não menos fácil na identificação, como é o caso de Anselmo Ribas, que é
identificado como se fosse o próprio Coelho Neto.
Na literatura
estrangeira, um roman à clef clássico é a fábula de A
revolução dos bichos, de George Orwell, na qual não é difícil identificar
no bestiário como personagens fictícias pessoas da revolução soviética, que
derrubou os padrões de um sistema aristocrático e se tornou responsável pela
implantação do regime comunista na sociedade russa. Esse tipo de romance
encontramos em Portugal com A correspondência de Fradique Mendes (1900),
de Eça de Queiroz, enquanto na Alemanha A montanha mágica (1924), de
Thomas Mann, é outro exemplo de romance à clef.
Em Farda,
fardão, camisola de dormir, Jorge Amado recorre ao romance à clef para
abordar as disputas entre candidatos à vaga deixadas por falecimento de ilustre
membro da Academia brasileira de Letras e além
disso recriar o Estado Novo com seus padrões ditatoriais.
Sabe-se que no Estado Novo Jorge Amado foi perseguido e preso, teve seus livros
queimados em praça pública. Tempos depois, nos idos de 1961, ingressava na
Academia Brasileira de Letras, confessando no seu discurso de posse:
Chego à vossa ilustre
companhia com a tranquila
satisfação de ter
sido intransigente adversário desta
instituição
naquela fase de vida em que devemos ser,
necessária e
obrigatoriamente, contra o assentado e
o definitivo,
quando a nossa ânsia de construir encontra
a sua melhor
aplicação na tentativa de liquidar, sem dó
nem piedade, o que
as gerações anteriores conceberam
e construíram. (p.
9, Discursos, 1993)
Perguntado
certa vez porque como um escritor irreverente, vivendo a vida do povo, havia
ingressado na Academia Brasileira de Letras, uma instituição de elite, que
preserva os valore tradicionais e o ritual da solenidade com pompa, respondeu
por duas razões: “O ocupante da cadeira, Otávio Mangabeira, às vésperas de
morrer, no hospital, disse a Wilson Lins que gostaria de ser sucedido por
mim... E pela pressão de meus amigos acadêmicos.” (p. 32, Literatura
comentada, 1981)
Esclareceu
que já tinha sido convidado pelos amigos, tendo recusado. Quando voltaram a
fazer pressão, aceitou. Frisou que só usou o fardão da Academia em poucas
oportunidades, a primeira foi quando tomou posse, depois ao receber o
romancista Adonias Filho na Casa e por último o dramaturgo Dias Gomes.
Jorge Amado
ocupou na Academia a cadeira 23 de que é patrono O José de Alencar e o fundador
o Machado de Assis. Ao escrever o romance Farda, fardão, camisola de dormir,
compreende-se que razões sobraram para que escolhesse o formato do romance à
clef para contar uma história que tem ressonâncias políticas e que se
desenvolve em torno da luta entre o coronel Agnaldo Sampaio Pereira e o general
Waldomiro Moreira. O primeiro representa a força nazifascista do Estado Novo
enquanto o segundo, embora militar, as forças mais liberais. O livro descreve o
emprego dos meios na luta pelo voto na Academia quando tudo é válido, usa-se
uma ofensiva que esmague a pretensão do inimigo. Pressões, manutenção no
emprego, presentes, agrados, tudo que seja favorável à conquista da vaga.
Os
compêndios apontam os vários motivos que o escritor recorre para exercitar o
romance à clef.É motivado pela natureza
desse tipo de prosa de ficção por ser o gênero sujeito à controvérsia do
assunto recriado, à necessidade de informar os fatos com certa discrição,
munir-se da cautela para fornecer informações privilegiadas sobre o que se
passa nos bastidores, preservar a vida íntima ou escândalos de terceiros, que
assim escapam de acusações caluniosas ou difamação. E ainda a escolha
reveste-se como vetor de realização pessoal no desejo de dar à história com
sabedoria o desfecho que gostaria que ela tivesse tido. Acresce a isso a
intenção de retratar eventos ou experiências autobiográficas sem se tornar
vulnerável.
A sabedoria de Jorge Amado é visível neste romance à clef,
que recria a face oculta da Academia, de maneira irreverente, com marchas e
contramarchas no correr das eleições de candidatos vaidosos, na disputa
ferrenha no caso pela vaga deixada com o falecimento de Antônio Bruno, ilustre
membro da entidade, para alguns um senhor poeta, mas doido por mulher. O
disfarce, usado nos nomes fictícios de personagens reais, para que assim
camuflados possam atuar no desenvolvimento do tema vai além do conflito, e, num
lance de competência usual de quem sabe inventar uma história, projeta-se sem
retoques um retrato fiel do Brasil durante o Estado Novo. Emerge da escrita que
fere e aponta mazelas um contexto políticocheio de opressões e vilanias ditatoriais, não respeitando os direitos
mais primáriosdo cidadão.
Referências
AMADO, Jorge. Farda, fardão, camisola de dormir,
editora Record,
Rio de Janeiro, 1979.
------------------- Literatura comparada, entrevista,
seleção por Álvaro
Cardoso Gomes, Abril Educação, São Paulo, 1981.
------------------- Discursos, Casa de Palavras,
Fundação Casa de Jorge
Amado, Salvador, 1993
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Cyro de Mattos -Escritor e poeta. Primeiro
Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da
Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus
e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Lucas.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Os publicanos e pecadores aproximavam-se
de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei
criticavam Jesus. 'Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com
eles.' Então Jesus contou-lhes esta parábola: 'Um homem tinha dois
filhos. O filho mais novo disse ao pai: 'Pai, dá-me a parte da herança que
me cabe'. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, o filho
mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou
tudo numa vida desenfreada. Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve
uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. Então
foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos
porcos. O rapaz queria matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas
nem isto lhe davam. Então caiu em si e disse: 'Quantos empregados do meu
pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou
voltar para meu pai e dizer-lhe: `Pai, pequei contra Deus e contra ti; já
não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados'. Então
ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou
e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de
beijos. O filho, então, lhe disse: 'Pai, pequei contra Deus e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho'. Mas o pai disse aos empregados:
'Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no
seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos
fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver;
estava perdido e foi encontrado'. E começaram a festa. O filho mais velho
estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de
dança. Então chamou um dos criados e perguntou o que estava
acontecendo. O criado respondeu: 'É teu irmão que voltou. Teu pai matou o
novilho gordo, porque o recuperou com saúde'. Mas ele ficou com raiva e
não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Ele, porém, respondeu
ao pai: 'Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem
tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando
chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o
novilho cevado'. Então o pai lhe disse: 'Filho, tu estás sempre comigo, e
tudo o que é meu é teu. -Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque
este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi
encontrado'.
"...este teu irmão estava morto e tornou a viver;
estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32)
Lucas, o poeta da misericórdia, soube pintar com palavras a
parábola de Jesus que tanto nos comove.
Por que a parábola do “Pai Misericordioso” nos comove e
provoca tanta ressonância em nosso interior?
Evidentemente, a parábola fala dos nossos anseios mais profundos:
de retornar de terras estranhas para nosso lar, de sair da insignificância para
encontrar nossa essência, de deixar a morte para trás e voltar à vida. É o
desejo que nos diz que, independentemente da situação em que nos encontremos e
de quão perdidos estejamos, sempre é possível mudar a direção de nossa vida
perdida, retornar e encontrar nosso verdadeiro lar.
Na realidade, a parábola deixa claro o que nos distancia e
nos aproxima do nosso ser essencial.
Toda a parábola do “Pai Misericordioso” acontece entre dois
polos: distanciamento e proximidade.
Quando Lucas escreve que o filho mais novo “partiu
para uma região longínqua”, ele se refere a uma quebra drástica da
maneira de viver, pensar e agir que ele recebeu como um legado sagrado através
das gerações, e uma traição aos valores cultuados pela família e pela
comunidade.
O “país distante” é o mundo no qual não se
respeita o que em casa é considerado sagrado.
As consequências da ruptura com o pai serão
a miséria extrema e a degradação máxima. Quando atravessou o limiar da casa
paterna e deu as costas ao pai, o filho estava partindo para a solidão, para a
alienação, para a perdição.
No início, parece que só o filho mais novo estava longe do
pai e da sua casa: lá, numa situação de extrema miséria e morte, ele sente
saudades da casa do pai e da presença do amor e da vida que ali reinava.
Mas, a volta do filho “distante” ressalta,
inesperadamente, a distância do filho mais velho, o “perfeito”, que
sempre esteve em casa e que servia ao pai de modo irrepreensível. Na realidade,
porém, também ele vivia, sem se dar conta, como estranho e... distante.
O “filho mais velho” apresenta uma aparência de perfeição
que camufla um medo de viver, uma falsa submissão, uma rejeição do outro, uma
incapacidade para receber os dons do pai. Ele ignora que, para entrar na festa,
é insuficiente não transgredir as leis, mas ter uma outra disposição do
coração. Não é criativo, não assume nenhum risco. Percebe-se que ele não é
feliz naquilo que vive: o peso da lei o torna uma pessoa amarga, cheia de
ressentimentos, de julgamentos, de indiferença...
Por outro lado, o “retorno” do filho mais jovem deixa também
transparecer a grandeza de um coração transbordante, quase inimaginável, de um
pai absolutamente “surpreendente” e, “incompreensível”, no
seu modo de lidar com os fracassos e limitações dos seus filhos.
Enquanto os filhos demonstram todo o seu “distanciamento”, o
pai se aproxima, sempre mais, fazendo-os descobrir não
só o fato de serem filhos, mas também de irmãos.
Para ambos os filhos, torna-se necessário percorrer a
estrada do “retorno reconstrutor”, não só para a redescoberta
do próprio pai, mas também, da própria dignidade e da verdade sobre si mesmos.
O filho mais novo, decidido a uma
realização pessoal e autônoma, distancia-se daquela casa, onde tudo parecia ser
muito tranquilo e monótono. No entanto, quando se encontra em estado de
completo abandono, com a ameaça da morte diante dele, volta, em seu coração, a
lembrança de casa e a saudade da segurança, que lá podia encontrar com
abundância. Enquanto estava mergulhado nas trevas da morte, a luz da vida,
finalmente encontra espaço nele.
Então a lembrança se torna decisão; a
decisão... caminho, retorno... aproximação. No momento de
maior distanciamento e solidão, esse filho se dá conta, em seu íntimo, da
proximidade da ternura e do amor do pai. A centelha que ilumina o caminho, que
conduz à liberdade e à vida, se manifesta precisamente nas trevas da derrota,
da morte, da falência, da miséria...
A lembrança e a saudade da casa do pai se tornam caminho no
coração do filho distante, exatamente no pior momento da sua existência: ele
não tinha mais nada, nem dignidade e nem comida para sobreviver.
O fracasso, a impotência, a limitação... podem se tornar
momento regenerador e inédito: o encontro do caminho da liberdade e
da vida. À luz da misericórdia, o fracasso, a derrota, a
ferida... se revelam como bênção e uma ocasião privilegiada para a quebra do
“ego inflado e autosuficiente”.
Na solidão e na indigência, o filho, que estava “perdido”, contemplou
o rosto amoroso de seu pai e encontrou a força para levantar-se e ir bater à
porta de casa.
Aquele filho que antes era “pedra de tropeço” agora
se torna “pedra angular”, sobre a qual se derrama a
misericórdia gratuita do pai e sobre a qual se constrói uma história nova, que
envolve todos os que vivem naquela casa.
Os dois filhos, apresentados a nós nessa parábola, têm
trajetos fundamentalmente distintos; contudo, possuem em comum o fato de não
conhecerem de verdade o Pai e o fato de não terem nenhuma consciência das
consequências de suas rupturas. Um, está seguro de saber o que quer: partir, estar
em outro lugar. O outro, tem a certeza de estar no caminho certo: o dever.
Ambos perderam o caminho do coração. Um,
esqueceu-o; o outro, endureceu-o.
Nenhum deles tinha vivido uma relação sadia com o pai: nem
aquele que partiu, nem aquele que permaneceu a seu lado. Ambos perderam a sua
fonte e não recebiam mais a água do amor. Não eram mais iluminados a partir do
coração; tornaram-se cegos. Caminhando dia e noite, vão tropeçar: um, na desordem; o
outro, no excesso de ordem.
O fracasso do filho mais novo e sua volta imprevista
abalarão a ambos; um será sacudido pela tristeza, pelo fracasso, pela
humilhação; o outro, pela revolta, pela explosão de uma raiva reprimida há
muito tempo. O retorno foi um acontecimento revelador, para os dois, de um
possível ponto de partida para uma nova vida, de uma ocasião oferecida para a
recuperação da dignidade de filhos.
“E foi ao encontro de seu pai”. O filho mais
novo muda de direção. Vira-se, dá meia-volta, abandona o caminho de morte e
decide não cuidar mais dos porcos. A memória da misericórdia do
pai o torna capaz de colocar-se a caminho. Não se imobiliza mais na infelicidade,
no vitimismo, na culpabilidade estéril: é o tempo da determinação, da opção em
favor da vida e da comunhão.
O filho pródigo reencontra o movimento da vida. Sabe tirar
proveito de um acontecimento catastrófico. Decide retomar o caminho de casa a partir
do estado em que se encontra, mesmo não tendo uma clara compreensão de tudo,
mesmo quando sua preocupação primordial é a sobrevivência. Está pronto para
assumir esse retorno sem glória, pois agora é livre. É iluminado por um desejo
encontrado no fundo de si mesmo: “levantar-me-ei e irei ter com meu
pai”. Renuncia às antigas vestes, entra numa vida renovada, pois
percebe a possibilidade de dar um passo em direção à vida.
É então que vai viver, nos braços do pai, o encontro que irá
fazer dele um filho. Quebra-se o seu coração autossuficiente,
e ele está pronto a deixar-se moldar. A misericórdia do pai o reconstruirá como
filho.
Segundo o texto evangélico, o pai não diz
uma única palavra ao filho no momento em que o acolhe.
Ele deixa transparecer seus sentimentos através
dos gestos: corre ao seu encontro, abraça-o e cobre-o de
beijos. Não há aqui o menor sinal de rejeição ou repreensão. Antes que
o filho diga algo, o pai é acolhida total, compaixão visceral, perdão
incondicional.
O relato evangélico acentua, em primeiro lugar, a compaixão e
a ternura sentidas pelo pai.
Ele viu o filho no caminho de volta para casa “quando
estava ainda longe”. Na verdade, não tinha deixado de esperá-lo,
com o coração e com os olhos, desde o dia inesquecível em que o filho saíra de
casa. Este tinha, sim, partido; mas nunca tinha se afastado do afeto, do amor
sofrido do pai, que contemplava todos os dias, com sua vista cansada e com os
olhos do coração, o caminho percorrido pelo filho, na esperança de vê-lo
voltar.
Texto bíblico: Lc 15,1-3.11-32
Na oração: Diante do Pai Misericordioso,
perguntar a si mesmo:
- o que em mim está “perdido”, “distante”, “isolado”...?
- o que em mim é “dever”, “ressentimento”, “legalista”...?
- o que em mim é acolhida, compaixão, proximidade...?
FERNANDA MONTENEGRO TOMA POSSE NA ACADEMIA BRASILEIRA DE
LETRAS
A atriz Fernanda Montenegro toma posse na Academia
Brasileira de Letras (ABL) no dia 25 de março. O evento, marcado para as 21h,
acontece no Petit Trianon, no centro do Rio. Fernanda ocupará a Cadeira 17 da
Academia, sucedendo o Acadêmico e diplomata Affonso Arinos de Mello
Franco.
Eleita com 32 votos para integrar o grupo de imortais no dia
4 de novembro de 2021, Fernanda estreita os laços da Academia com as artes
cênicas. Autora do livro "Prólogo, Ato e Epílogo", sua autobiografia,
a atriz de 92 anos é reconhecida como intelectual engajada e um dos grandes
ícones da cultura brasileira.
Fernanda é a primeira mulher a ocupar a cadeira 17 da
Academia Brasileira de Letras. O posto teve, como ocupantes, Sílvio Romero
(fundador) – que escolheu como patrono Hipólito da Costa –, Osório
Duque-Estrada, Roquette-Pinto, Álvaro Lins e Antonio Houaiss.
Premiada nacional e internacionalmente por sua carreira,
Fernanda é a única brasileira já indicada ao Oscar de Melhor Atriz pela atuação
em Central do Brasil (1998), de Walter Salles. Ela já venceu, também, o Emmy
Internacional, o Festival de Berlim e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. A
atriz também foi destaque em clássicos da Rede Globo como Doce de Mãe,
Belíssima, Guerra dos Sexos, A Dona do Pedaço, entre outros.
Fernanda Montenegro nasceu em 16 de outubro de 1929 no Rio
de Janeiro. Sua primeira experiência no teatro foi aos oito anos, em uma peça
da igreja. Em 1950, estreou profissionalmente nos palcos ao lado do marido
Fernando Torres, no espetáculo 3.200 Metros de Altitude, de Julian
Luchaire.
Em dois anos na Tupi, participou de cerca de 80 peças,
exibidas nos programas Retrospectiva do Teatro Universal e Retrospectiva do
Teatro Brasileiro. No período, foi vencedora do prêmio de Atriz Revelação da
Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1952, por seu trabalho em Está
Lá Fora um Inspetor, de J.B. Priestley, e Loucuras do Imperador, de Paulo
Magalhães. Fundou, ainda, a companhia Teatro dos Sete junto de outros
importantes nomes da cena teatral brasileira.
Sua estreia na televisão foi em 1963, na TV Rio, com as
novelas Amor Não é Amor e A Morta sem Espelho, ambas de Nelson Rodrigues.
Passou, também, pela TV Globo e a TV Excelsior. Além de novelas, atuou em
minisséries, com destaque para O Auto da Compadecida (1999).
Em 1999, Fernanda Montenegro foi condecorada com a maior
comenda que um brasileiro pode receber da Presidência da República, a Grã-Cruz
da Ordem Nacional do Mérito "pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas
artes cênicas brasileiras".
Então, um
ermitão que visitava a cidade uma vez por ano, acercou-se e disse: “Fala-nos do
Prazer”.
E ele
respondeu dizendo:
“O prazer
é uma canção de liberdade,
Mas não é
a liberdade.
É o
desabrochar de vossos desejos,
Mas não é
a sua fruta.
É um
abismo olhando para um cume,
Mas não é
nem o abismo nem o cume.
É o
engaiolado ganhando o espaço,
Mas não é
o espaço que o envolve.
Sim, na
verdade o prazer é uma canção de liberdade.
E de bom
grado eu vos ouviria cantá-la de todo o vosso coração; porém, não gostaria que
perdêsseis vosso coração no canto.
Alguns de
vossos jovens procuram o prazer como se fosse tudo na vida, e são condenados e
repreendidos.
Eu
preferiria nem condená-los, nem repreendê-los, mas deixá-los procurar.
Pois
encontrarão o prazer, mas não só ele.
Sete são
suas irmãs, e a última dentre elas é mais bela que o prazer.
Não
ouviste falar do homem que cavava a terra à procura de raízes e descobriu um
tesouro?
E alguns
de vossos anciãos recordam seus prazeres com remorso, como se fossem erros
cometidos num estado de embriaguez.
Mas o remorso é o escurecimento da alma e
não o seu castigo.
Deveriam,
antes, recordar seus prazeres com gratidão, como recordariam uma colheita de
verão.
Todavia,
se acharem conforto no remorso, deixemo-los se confortarem.
E há entre vós aqueles que não são
jovens para procurar, nem velhos para recordar.
E no seu
temor de procurar e recordar, desprezam todos os prazeres por medo de afugentar
ou ofender o espírito.
Porém, na
sua renúncia está seu prazer.
E, assim,
eles também descobrem um tesouro embora cavem com mãos trêmulas à procura de
raízes.
Mas,
dizei-me, quem é que pode ofender o espírito?
Ofende o
rouxinol a quietude da noite, ou o pirilampo, as estrelas?
E poderá
vossa flama ou vossa fumaça sobrecarregar o vento?
Crede que
o espírito é um poço tranquilo que podeis perturbar com um bastão?
Muitas
vezes, ao negardes a vós mesmos um prazer, nada mais fazeis do que represar
vosso desejo nos recessos de vosso Eu.
E quem
sabe se o que parece omitido hoje não espera pelo amanhã?
Mesmo
vosso corpo conhece sua herança e seus direitos, e vós não o podeis iludir.
E vosso
corpo é a harpa de vossa alma;
A vós
pertence tirar dele música melodiosa ou ruídos dissonantes.
E agora
vós perguntais em vosso coração: ‘Como distinguiremos o que é bom no prazer do
que é mau?’
Ide, pois,
aos vossos campos e pomares e, lá, aprendereis que o prazer da abelha é sugar o
mel da flor,
Mas que o
prazer da flor é entregar o mel à abelha.
Pois, para
a abelha, uma flor é uma fonte de vida.
E para a
flor, uma abelha é uma mensageira de amor.
E para
ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é uma necessidade e um êxtase.
Povo de
Orphalese, nos vossos prazeres, imitai as flores e as abelhas.”
(O PROFETA)
Gibran Khalil Gibran
Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na
França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a
beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com
simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da
verdade.
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O PRECURSOR
Gibran foi
sempre atraído pela ideia de que há, dentro de cada um de nós, um Eu maior,
destinado a revelar-se um dia e a vencer.
Cada um de
nós é assim o precursor de si mesmo.
E para
chegar ao alvo, precisamos conhecer o caminho.
Este livro
procura sugerir o caminho através de duas preleções e 23 parábolas, todas
escritas no estilo mágico de Gibran e variando em extensão de quatro linhas a
quatro páginas.
Dá ideia da
beleza e força das imagens a curta história do catavento:
“Disse o
catavento ao vento: - Como és enfadonho e monótono! Não podes soprar numa outra
direção a não ser no meu rosto? Perturbas a estabilidade que Deus me deu.
E o vento
não respondeu. Riu-se, apenas, no espaço.”