“Com Arno Wehling,
chega à Academia um historiador de altos saberes, um pensador da cultura, um
cultor do direito. Sua presença amplia o contingente dos notáveis da
inteligência brasileira que, ao lado dos escritores, integram, como estabeleceu
a sabedoria dos fundadores, a Casa de Machado de Assis”, afirmou o
Presidente da ABL, Acadêmico e professor Domício Proença Filho.
“Não se estranhe que um historiador como Arno Wehling
suceda, nesta Academia, três poetas. A história é uma ciência, mas, quando bem
escrita, pode ser uma obra de arte literária”, afirmou, em seu discurso de
recepção, o Acadêmico e historiador Alberto da Costa e Silva.
O historiador e professor carioca Arno Weling,
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), tomou posse
na Cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, nesta sexta-feira, dia 11 de
agosto, em solenidade no Salão Nobre do Petit Trianon. O novo Acadêmico foi
eleito no dia 9 de março deste ano, na sucessão do Acadêmico e poeta Ferreira
Gullar, falecido no dia 4 de dezembro de 2016.
Em nome da ABL, o Acadêmico, embaixador e historiador
Alberto da Costa e Silva fez o discurso de recepção. Antes, Arno
Wehling discursou na tribuna. A seguir, assinou o livro de posse. Logo
após, o Presidente convidou o Acadêmico e professor Arnaldo Niskier (segundo a
tradição, o decano presente) para entregar a espada (Eduarda Wehling de Toledo,
neta do empossado, ficou responsável pela espada); o Acadêmico e historiador
José Murilo de Carvalho para fazer a aposição do colar; e o Acadêmico e
jornalista Cícero Sandroni, a entrega do diploma (Gabriela Wehling de Toledo
guardou o diploma do Acadêmico avô). O Presidente, então, declarou empossado o
novo Acadêmico.
Os ocupantes anteriores da cadeira 37 foram: Silva Ramos
(fundador) – que escolheu como patrono Tomás Antônio Gonzaga –, Alcântara
Machado, Getúlio Vargas, Assis Chateaubriand, João Cabral de Melo Neto e Ivan
Junqueira.
DISCURSO DE POSSE
Em seu discurso de posse, Arno Wehling afirmou:
“Ingresso na Academia Brasileira de Letras com uma convicção, a de seu
significado intelectual, simbólico e ético como grande instituição brasileira.
Vejo a Academia como uma grande irmandade espiritual no tempo e sei que dela
participar implica estabelecer vínculos múltiplos, antes de tudo com ela
própria e o que encarna em matéria de liberdade, diversidade,
humanismo e compromisso com o Brasil.
“E que cadeira desafiadora, a cadeira 37! O patrono, Tomás
Antonio Gonzaga; três poetas, João Cabral de Melo Neto, Ivã Junqueira e
Ferreira Gullar; um filólogo que secundariamente poetou, o fundador Silva Ramos
e três homens de ação, Alcântara Machado, Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand,
um dos quais deu rica contributo à interpretação do Brasil.
“Os ocupantes da cadeira 37 foram limítrofes de
mundos diversos, não só por terem optado por diferentes formas de expressão
(poesia, ensaio, análise social, discurso político, texto jornalístico, até
artes plásticas, como Ferreira Gullar) mas igualmente por terem sensibilidade
para captar as tensões entre natureza e cultura (como Gullar e João Cabral) ,
fenômeno e essência (como Ivã Junqueira) ou entre o antigo e o moderno (como
Alcântara Machado, Getúlio ou Chateaubriand). Particularmente pendular e
tensional foi Ferreira Gullar, com polarizações como indivíduo/ser, Sol-fogo/morte,
ninguém/todo mundo, pondera/delira, almoça e janta/se espanta, permanente/de
repente.
“Tiveram igualmente a preocupação com o tempo, entre a
ânsia de perenidade e a consciência da finitude, além da percepção de tempos
diversos, mas coetâneos, como no Poema Sujo de Gullar ou ainda nas
transformações da vida nordestina em Cão sem plumas e O Rio de
João Cabral.
“Em todos os ocupantes da cadeira, uma unanimidade, a defesa
da língua portuguesa como falada no Brasil, com suas características e
particularidades. E um traço comum, a esperança dirigida a objetos
diversos, conforme os valores e as intenções de cada um, mas sempre
esperança. Em Ferreira Gullar, a esperança de superar as limitações
materiais do Brasil e as limitações do viver, sempre através da arte. Ivan
Junqueira, a esperança dos valores eternos, suspeito que inspirado em algum
tipo de socratismo cristão. João Cabral supera o ceticismo porque “celebra a
solidariedade humana” e diz que “não há melhor resposta/que o espetáculo da
vida”. Silva Ramos espera por um novo Brasil e pelo futuro da língua. Gonzaga,
pela lira inspirada e pela lisura dos governantes. Alcântara Machado, que
triunfe o espírito bandeirante em todo o país. Chateaubriand, que surja um novo
país - moderno, industrial, culto. Getúlio Vargas... terá um suicida perdido a
esperança, como no pórtico de Dante? Não creio. Comte ensinava que a eternidade
era a presença na memória dos homens e o positivista Vargas expressou
claramente que saía da vida para passar à história.
“Os 120 anos da Academia coincidem com a aceleração da
história e com esta peculiar historicidade que não se explica pelas ilusões
cientificistas do século XIX, com sua busca ingênua das leis históricas, mas
pelo esforço por uma compreensão mais profunda dos atos humanos, do
funcionamento das instituições e dos processos sociais.
“Instituições como a Academia, fóruns de convívio e de
ideias, têm um papel a cumprir nesses desafios da historicidade contemporânea.
E este papel, consubstanciado nas suas realizações intelectuais e simbólicas,
possui significado transcendente se pensarmos que a Ética de
Aristóteles nos recomenda viver de acordo com a melhor parte de nós mesmos: se
assim for, a experiência da historicidade deve ser uma experiência de
humanidade.”
DISCURSO DE RECEPÇÃO
Alberto da Costa e Silva afirmou, em seu discurso de
recepção, que “desde cedo, Arno Wehling já tomara interesse pela
historiografia, ou melhor, pela história da História e dos métodos de que ela
se vale. Não fora assim e o seu primeiro livro, publicado aos 27 anos, não se
chamaria Os níveis da objetividade histórica. Nos que se seguiram ─
como A invenção da história: estudos sobre o historicismo ─ e em
incontáveis trabalhos impressos em revistas especializadas e obras coletivas, e
em conferências, palestras e comunicações em simpósios, respiram a segurança e
o entusiasmo do estudioso que se tornou íntimo das teorias que movimentam as
ciências humanas e outros saberes.
“Destaque-se, entre suas obras, esse livro precioso, exemplo
de concisão e claridade, que é Estado, história, memória: Varnhagen e a
construção da identidade nacional, no qual se analisa o pensamento
ultraconservador do Visconde de Porto Seguro, à luz das ideias prevalecentes no
seu tempo, se descreve o seu apego intelectual e afetivo ao projeto
centralizador da monarquia brasileira, e se mostra como esse pensamento marcou
até mesmo o ensino da História do Brasil às crianças e aos adolescentes.
É esta a sua linhagem, Senhor Acadêmico Arno Wehling. A
linhagem dos que podem dizer com Almeida Garrett: “Isto pensava, isto escrevo;
isto tinha na alma, isto vai no papel: que doutro modo não sei escrever”.
Saberia, se quisesse. Mas prefere fugir das formas barrocas e dedicar-se à
busca dos termos exatos para expressar-se com nitidez e cuidada simplicidade. E
não falta a muito de seus textos o bondoso e calmo sorriso com que acompanha o
que ouve e diz. Por isso, ao trazê-lo para o nosso convívio, ganhamos, além de
um grande historiador e homem de pensamento, alguém que nos transmite o gosto
de ser feliz”.
O NOVO ACADÊMICO
Natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu em
1947, Arno Wehling formou-se em História pela Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ) e em Direito pela Universidade
Santa Úrsula, sendo doutor em História e livre docente de História Ibérica pela
USP e realizando pós-doutoramento na Universidade do Porto.
Desenvolveu toda a sua atividade profissional como professor
e pesquisador na universidade, tornando-se professor titular por concurso de
títulos, provas e defesa de tese na UFRJ (Teoria e Metodologia da História) e
na Unirio (História do Direito e das Instituições). Foi professor visitante das
Universidades Portucalense e de Lisboa e pesquisador do CNPq.
Na administração universitária foi chefe de departamento e
decano da Unirio e diretor, decano e reitor da UGF. Participou da fundação ou
atuou em vários programas de pós-graduação em História, Filosofia e Direito na
UFRJ, Unirio e UGF. Atualmente, é professor de História do Direito do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Sua atividade
intelectual como historiador e ensaísta desenvolve-se preferencialmente nos
campos da epistemologia das ciências humanas/história, da história das ideias
políticas e jurídicas e da história do direito/instituições. Suas pesquisas
concentram-se sobretudo no período colonial brasileiro, em especial do século
XVIII às primeiras décadas do século XIX e nos fundamentos teóricos da produção
historiográfica brasileira.
Wehling é Presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e membro de institutos históricos estaduais, academias
ibero-americanas de História (Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia,
Venezuela, Portugal e Espanha) e da Academia das Ciências de Lisboa. Atuou e
atua como parecerista de entidades de fomento (CNPq, Capes, Fundação Araucária,
Fapesp, Faperj, Conicet), além de ser membro de conselhos editoriais do país e
do exterior e conselheiro do Conselho Técnico da CNC e do IPHAN.
É autor de cerca de duzentos trabalhos nas suas áreas, entre
artigos em periódicos especializados, verbetes em obras de referência,
capítulos de livros, comunicações em anais e livros. Destes, tratam de questões
teóricas e historiografia Os níveis da objetividade histórica (1974), A
invenção da história – estudos sobre o historicismo (1994 e 2001), Estado,
história e memória – Varnhagen e a construção do estado nacional (1999)
e De formigas, aranhas e abelhas – reflexões sobre o IHGB (2010 e
2017). Sobre estruturas de poder, em especial relacionadas ao direito e à
justiça e às ideias políticas, Administração portuguesa no Brasil,
1777-1808 (1986), Pensamento político e elaboração
constitucional (1994) e Direito e Justiça no Brasil Colonial – o
Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (2004), este em colaboração com
Maria José Wehling. Publicou ainda dois livros de síntese, também com Maria
José Wehling, Formação do Brasil colonial (1994; 5ª. edição 2012)
e Documentos Históricos Brasileiros (2000).
11/08/2017
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