SABE-SE QUE UMA CRISE atingiu sua gravidade máxima quando,
nas discussões que ocorrem de norte a sul do país, as duas palavras mais
pronunciadas são “renúncia” e “impeachment”. Em todas as rodas de deputados,
senadores, empresários, juristas e jornalistas, fala-se na possibilidade de uma
ou outra saída – e assim tem sido desde que o jornal O Globo revelou o conteúdo
da delação do empresário Joesley Batista, dono da JBS. Numa conversa gravada,
Temer dá a impressão de aprovar a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo
Cunha, preso há sete meses. Em outra conversa, Temer inicia uma negociação com
seu interlocutor, que resultou mais tarde no pagamento de 500 000 reais em
dinheiro vivo.
A crise
deflagrada pela denúncia se desdobra em duas esferas. No plano jurídico, a
situação é clara: o presidente Michel Temer é inocente até que se prove o
contrário – e, para que o contrário seja provado, é preciso que se percorra,
com rigor e serenidade, o caminho previsto nas leis e nos códigos. Desde
quinta-feira, assim que saiu a autorização para a abertura de um inquérito,
Temer está formalmente sob investigação da Lava-Jato. Tem direito a ampla
defesa.
As névoas
estão no plano político. Com uma suspeita séria, o presidente fragilizou-se. É
nesse contexto, emoldurado por um estado de perplexidade nacional, que aparecem
as palavras “renúncia” e “impeachment”. Discute-se se alguma das duas
alternativas poderia oferecer uma saída para o caos em que o país foi jogado
por suas altas esferas. A que o presidente Michel Temer está buscando não é
nenhuma delas: é permanecer no Palácio do Planalto.
Na mesma
quinta-feira, Temer fez um pronunciamento de menos de cinco minutos no qual foi
categórico: “Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos”,
disse, com tom de voz peremptório, olhar um tanto abatido e dedo em riste. A
renúncia é um ato pessoal e intransferível, mas não se materializa inteiramente
por moto próprio: decorre, sobretudo, da pressão e do peso das circunstâncias.
O impeachment, a outra opção aventada, dispensa explicações. Os brasileiros são
o povo mais versado no assunto no planeta e, portanto, conhecem bem suas dores
e seus dramas.
Seja qual
for a saída encontrada, nesta hora grave é preciso grandeza – e não apenas do
presidente. Grandeza dos homens públicos que ocupam os postos centrais do poder
nacional. Grandeza para que, em busca de uma solução para o delicado momento
que o país vive, sejam capazes de pôr os interesses do Brasil acima dos
interesses pessoais, de modo que o país possa seguir em frente, superar as
dificuldades, romper as amarras da recessão, aprovar as reformas estruturais,
cumprir a caminhada rumo à modernidade, libertar-se da mediocridade econômica e
– enfim – dar ao povo brasileiro a oportunidade de construir uma vida justa e
digna.
Para que
esse sonho, ao mesmo tempo grande e singelo, possa se realizar, os homens
públicos devem pensar mais no país do que em seu próprio destino. Os fatos
mostram que, hoje em dia, talvez não
haja pregação mais inútil do que pedir gestos de desprendimento aos políticos
brasileiros, eles que têm dado provas tão contundentes de desprezo à ética e à
decência. Mas o Brasil precisa perseverar, precisa de serenidade para encontrar
a saída que pareça menos traumática e mais correta. Os milhões, os múltiplos
milhões de brasileiros que lutam honestamente por uma vida decente não merecem
ser punidos pela incompetência política e pela mesquinharia dos poderosos.
Carta ao Leitor
Revista VEJA, edição 2531 – 24 de maio de 2017
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