Os gringos
Transcorreram semanas sem incidentes maiores à exceção do tiroteio no
Caga-Fumo, no qual morreram duas
mulheres e três homens, briga ordinária de jagunços em casa de putas, e do
assassinato do doutor Felício de Carvalho, advogado das partes contrárias ao
coronel Amílcar Teles no caxixe da Pedra
Branca, ajuste de antigas contas: balanço medíocre para uma temporada de mês e
meio – estaria a animação de Itabuna entrando em decadência? Então, num
daqueles fins de tarde de gamão cantado,
durante os quais Raduan Murad permanecia solitário no bar a degustar o último
cálice de araque de anis, falsificado pela família Mohana, delicioso, superior
ao importado. Adib aproximou-se:
- Dá licença,
professor? O senhor se lembra daquela conversa do outro dia?
-
Conversa? Qual? – Raduan fez-se de inocente.
- Sobre
casamento e etecétara e tal. O professor disse...
- Já me lembro.
- Sou
órfão de pai e mãe, o senhor sabe. Queria que o professor falasse com seu Ibrahim como se fosse meu pai. Quero
casar com a filha dele.
- Quer
casar com Adma? – Conteve-se para não demonstrar espanto; atônito, guardou silêncio durante um momento e encarou
Adib com evidente admiração:
- E Adma,
está a par de suas intenções?
- A gente
está namorando vai pra dois meses.
-
Namorando? Como? Ela em cima, na janela,
você na rua, embaixo? Por meio de bilhetinhos?
- Bilhetinhos, professor? Comigo não! É
mesmo no quintal. Quando saio daqui, às dez da noite, ela está me esperando,
deixa a porta aberta. – Estalou a língua em obsceno ruído de satisfação,
idêntico ao que emitira meses atrás recordando Procópia, a do juiz do cível.
- Quer
dizer...
- Isso que
o senhor está pensando, professor. O senhor sabe como é: a gente começa
brincando, pega aqui, bole ali, quando se dá conta já é tarde, já chamou às
ordens.
Espantoso
indivíduo! Querendo talvez esclarecê-lo, terminada por deixar Raduan envolto em
treva e confusão quando garantiu:
- O senhor
pode até não acreditar, mas ela é supimpa, professor.
Sorriu
contente e bem disposto; Raduan Murad estava fascinado.
- Diga a seu Ibrahim que deixe o armarinho por minha conta. Nas minhas
mãos vai virar um bazar de primeiríssima.
De quem
Raduan ouvira afirmativa exatamente igual?
- Vou me
ocupar do assunto – disse, aceitando a prebenda; concedendo-lhe a merecida
importância acrescentou: - O pedido há
de ter festa e discurso, não é todos os
dias que acontece um noivado tão... – buscou o adjetivo -... Tão auspicioso.
Permaneceu
um instante pensativo, voltou a encarar Adib:
- Supimpa!
Foi assim que você disse, Adib, meu
rapaz?
- Do
balacobaco! – confirmou o jovem.
Raduan Murad
guardou na memória a expressão que não conhecia: absorto volveu a vista para o
céu se desfazendo em fogo nas cercanias de Itabuna.
(A DESCOBERTA DA AMÉRICA PELOS TURCOS)
Jorge Amado
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