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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ITABUNA CENTENÁRIA UM SONETO: Hebreia – Castro Alves

 

Hebreia

                                Flos campi et lilium convallium

                                                   (Cântico dos Cânticos)

 

Pomba de esperança sobre um mar de escolhos,

Lírio do vale oriental, brilhante,

Estrela Vésper do pastor errante,

Ramo de murta a rescender cheirosa!

 

Tu és, ó filha de Israel formosa...

Tu és, ó linda, sedutora hebreia.

 Pálida rosa da infeliz Judéia

Sem ter o orvalho, que do céu deriva!

 

Por que descoras, quando a tarde esquisa

Mira-se triste sobre o azul das vagas?

Serão saudades das infindas plagas

Onde a oliveira no Jordão se inclina?

 

Sonhas acaso, quando o sol declina,

A terra santa do Oriente imenso?

E as caravanas no deserto extenso?

E os pegureiros da palmeira à sombra?!...

 

Sim, fora belo na relvosa alfombra,

Junto da fonte, onde Raquel gemera,

Viver contigo qual Jacó vivera

Guiando escravo teu feliz rebanho...

 

Depois nas águas de cheiroso banho

- Como Suzana a estremecer de frio –

Fitar-te, ó flor do babilônio rio,

 Fitar-te a medo no salgueiro oculto.

 

Vem pois!... Contigo no deserto inculto,

Fugindo às iras de Saul embora,

Davi eu fora se Micol tu foras,

Vibrando na harpa do profeta o canto.

 

Não vês?... Do seio me goteja o pranto

Qual da torrente do Cédron deserto!

Como lutara o patriarca incerto

Lutei, meu anjo, mas caí vencido.

 

Eu sou o lótus para o chão pendido,

Vem ser o orvalho oriental, brilhante!

Ai! Guia o passo ao viajor perdido,

Estrela Vésper do pastor errante!...

 

                                                               Bahia, 1866

(ESPUMAS FLUTUANTES)

Castro Alves

 

......................

CASTRO ALVES

 

          Antônio de Castro Alves nasceu na comarca de Cachoeira, Estado da Bahia, a 14 de abril de 1847, sendo filho do médico Antônio Alves e de sua mulher, D. Clélia Brasília da Silva Castro. Faleceu na cidade do Salvador a 6 de julho de 1871. Na expressão de Afrânio Peixoto Castro Alves “Pôs suas ideias à frente do seu sentimento e, num tempo em que a miséria da escravidão não comovia ninguém,  despertou com os seus poemas arrebatadores, piedosos ou indignados, a sensibilidade humana e patriótica da geração que, vinte anos mais tarde, viria a conseguir a liberdade. Por isso lhe deram o nome invejável de Poeta dos Escravos. Das alturas do seu gênio compreendera que não há grande homem sem uma grande causa social a que tenha servido, e não aspirava a outra glorificação que a dessa obra realizada. A morte, depois, não importaria...

 

De tumba da infâmia erguer um povo

Fazer de um verme – um rei.

Depois morrer... que a vida está completa

- Rei ou tribuno. César ou poeta,

Que mais quereis, depois?

Basta escutar do fundo lá da cova

Dançar em vossa lousa a raça nova

Libertada por vós...”


* * *

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