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sábado, 29 de agosto de 2020

O TRABALHO – Gibran Khalil Gibran


 

O Trabalho

 

            Então um lavrador disse: “Fala-nos do trabalho”.

            E ele respondeu dizendo:

            “Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra. E da alma da terra.

            Porque ser indolente é tornar-se um estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.

 

            Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.

            Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?

            Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição: e o labor, uma desgraça.

            Mas eu vos digo que, quando trabalhais, realizais parte do sonho mais longínquo da terra, desempenhando assim uma missão que vos foi designada quando esse sonho nasceu.

            E, apegando-vos ao trabalho, estais na verdade amando a vida. E quem ama a vida através do trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.

            Mas se, em vossas dores, chamais o nascimento uma aflição e a necessidade de suportar a carne, uma maldição inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor da vossa fronte lavará esse estigma.

 

            Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.

            E eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.

            E todo impulso é cego, exceto quando há saber.

            E todo saber é vão, exceto quando há trabalho.

            E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.

            E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios e uns aos outros e a Deus.

            E que é trabalhar com amor?

            É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado tivesse que usar esse tecido.

            É construir uma casa com afeição, como se vosso bem-amado tivesse que habitar essa casa.

            É semear as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem-amado fosse comer-lhe os frutos.

            É por em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma.

            E saber que todos os abençoados mortos vos rodeiam e vos observam.

 

            Muitas vezes ouvi-vos dizer como se estivésseis falando em sonho: “Aquele que trabalha no mármore e encontra na pedra a forma de sua alma, é mais nobre do que aquele que lavra a terra.

            E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela em formas humanas, é superior àquele que confecciona sandálias para os nossos pés”.

             Porém eu vos digo, não em sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com maior doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das folhas de relva;

             E grande é somente aquele que transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pelo seu próprio amor.

 

            O trabalho é o amor feito visível.

            E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.

            Pois se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente à metade da fome do homem.

            E se espremerdes a uva de má vontade, vossa má vontade se destilará no vinho como veneno.

            E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia e às vozes da noite.”

           

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

 

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NÃO O HEROÍSMO, MAS A GRANDEZA

 

            Para além do pensamento e da forma, O Profeta seduz pela filosofia da vida nele contida. Gibran não era propriamente um filósofo, mas um pensador e um sábio: era um guia espiritual que ambicionava definir um ideal de vida para si mesmo e para todos os homens.

            O ideal que propõe em O Profeta é tanto prático como espiritual: convence e exalta ao mesmo passo. Porque, baseado nas atividades mais comuns da existência, dá a essas atividades um sentido que as transfigura. Casamento, conversação, trabalho, prazer, amor, comprar e vender, beber e comer, todas as nossas atividades são aceitas e aprovadas; mas, ao mesmo tempo, embelezadas e elevadas. Gibran não nos propõe o heroísmo, mas a grandeza. Não nos convida a renunciar à vida, mas a sermos dignos dela. Não procura fazer de nós super-homens, mas homens completos.

            E como todos nós amamos a elevação, mas recuamos perante o heroísmo, sentimo-nos irresistivelmente atraídos por um ideal que põe a elevação ao nosso alcance – embora nem sempre façamos o esforço necessário para alcançá-la.

            Esta capacidade de conciliar assim o ideal e a realidade, deve-a Gibran ao fato de ter sido um sábio e um místico que viveu em Beirute, Boston, Paris, Nova Iorque, e não numa cela isolada de alguma montanha inacessível. Frequentou os homens e conhece suas limitações. E procura guiá-los rumo a um mundo superior, porém não diferente, ao contrário do místico hindu, por exemplo, que, quando prega o nirvana, nos fala de algo que não podemos experimentar sem o treino de longos anos.

           

APRESENTAÇÃO

Mansour Chalita

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