(Bahia, 1964 – língua portuguesa)
Em Lisboa
disseram a Luís Forjaz Trigueiros que na
Bahia o calor, além de tórrido, é constante, jamais faz frio. Luís viaja ao
Brasil em missão cultural, pede a Maria
Helena que coloque na mala apenas roupas leves. Assim desembarcou desvestido
com elegância para o verão feroz.
Ora, em
lugar de calor senegalês, uma onda fria abateu-se sobre a cidade, frio ainda
mais difícil de suportar devido à umidade, o escritor sentiu-se enregelar. Dado
que o inverno se manteve, não lhe coube opção senão ir à compra de agasalho.
Luís se informou, rumou para a Rua Chile, a de comércio fino e caro de prendas
de vestir cavalheiros e senhoras. Deteve-se ante uma loja: ali se exibia a peça
exata que buscava para com ela resguardar o peito, evitar o resfriado, a gripe,
a pneumonia: Luís Forjaz pretende-se chegado a enfermidades nos brônquios e pulmões,
o perigo da gripe o horroriza. De lã, chique,
discreta, na cor preferida, estava à sua espera. Luís adentrou o
estabelecimento, o vendedor acolheu solícito, colocou-se a seu serviço.
- Desejo
comprar uma camisola – informou o literato luso, sorrindo com a delicadeza que
o caracteriza.
Não menos
delicado o balconista:
O
cavalheiro se enganou, aqui só vendemos artigos masculinos, mas na loja em
frente, de artigos para senhoras, o
senhor encontrará variado estoque de camisolas...
Não tendo
entendido, algum engano havia, Luís insistiu:
- Eu disse
camisola...
- Já lhe
disse que não temos. – O caixeiro elevou a voz, desconfiado que o simpático freguês fosse
surdo de nascença.
- Como não
tem, se acabo de ver na montra uma camisola castanha na medida própria?
- Onde
disse ter visto camisola?
O
balconista sentiu-se perdido, além de surto o freguês falava língua
desconhecida, nem espanhol, nem francês, menos ainda inglês, dialeto que o
rapaz identificava, familiar de sotaques e pronúncias. Não sabendo o que dizer,
riu e coçou a cabeça. Um parvo, persuadiu-se Luís Trigueiros, e, sem mais
delongas, tomando-o gentilmente pelo braço – aos parvos deve-se tratar com
firmeza sem, no entanto abandonar a cortesia -, levou-o até a porta de onde,
triunfante, mostrou-lhe na montra a
camisola castanha.
- Ali está
ela, a camisola, quanto vale?
A risada
do rapaz não era mal-educada, mas continha uma ponta de deboche:
- Ilustre
cavalheiro, fique sabendo que em bom português o senhor quer comprar um pulôver
marrom igual ao que está na vitrine, não é isso? Por que não disse logo? Um
suéter porreta e o preço de arrasar...
Encontrei
Luís no hotel envergando a camisola castanha, ou seja, o pulôver marrom, não
sendo ainda o brasileiro competente que viria a ser anos depois devido aos
azares da política, o escritor estava indignado:
- O gajo
diz-me duas palavras em francês, uma em inglês e afirma estar falando em
português, em bom português.
- Em nosso
bom português, Luís, o do Brasil.
Hoje Luís
Forjaz Trigueiros traça na maciota nosso misturado português de mestiços, mas,
para escrever sua prosa escorreita, forte, terna e colorida, conserva-se fiel
ao português de Portugal, à língua de Camões.
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
..........
JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário