Lirismo do contista Aleilton Fonseca
Cyro de Mattos*
Baiano nascido em Firmino Alves (1959), município do Sul da
Bahia, criado em Ilhéus, Aleilton
Fonseca reside há anos na cidade de
Salvador. Graduado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, fez mestrado na Universidade Federal da
Paraíba e Doutorado na Universidade de São Paulo. É professor
titular Pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana, onde leciona
Literatura Brasileira. Já publicou 25 livros, entre volumes de poesia, ensaio, conto e romance. Na galeria
de suas criações figuram os romances Nhô
Guimarães (2006), O pêndulo de Euclides (2009) e o livro de ensaio O arlequim da pauliceia (2012), entre outros. Faz parte de várias antologias do
conto, poesia e ensaio, no Brasil e exterior.
Entre outras premiações, obteve o Terceiro Lugar no Prêmio da Fundação
Cultural do Estado da Bahia, com Jaú dos bois e outros contos, em 1977, e o Prêmio
Nacional Herberto Sales, da
Academia de Letras da Bahia, com O canto de Alvorada, em 2001.
Um de seus
volumes de contos, O desterro dos mortos
(2001), apresenta doze histórias
escritas revestidas de calor humano, que oferecem uma leitura prazerosa
pontuada com uma linguagem simples e plena de camadas líricas no seu
conteúdo “Nhô Guimarães”, a primeira
delas, embrião do romance homônimo,
conta a história de “um homem de sobejas
importâncias. Um distinto doutor, do sertão e da cidade, duas vezes lugareiro,
muito conhecedor das estradas gerais.”
Fica visível que a narrativa, de apelos aos falares da gente rural no
interior mineiro, retrabalhada em sua entonação cantante, foi motivada pelo propósito de homenagear o estupendo escritor e ficcionista Guimarães
Rosa. A figura do escritor mineiro vai sendo erguida pouco a pouco com sua
humanidade no texto que flui com sabores
na fala, usando para isso o contista das lembranças e entre tantos que afloram do personagem Manu
e sua mulher, amigos do homenageado. As histórias “O sorriso da estrela”, “O
avô e o rio” e “Jaú dos Bois” reaparecem
em O desterro dos mortos, vindas do pequeno volume Jaú dos bois e outros contos.
Não é preciso
ser íntimo das questões estéticas, crítico com
formação acadêmica, para perceber que os contos de Aleilton Fonseca
possuem como singularidades a marca da simplicidade na escrita para externar a
emoção, qualidades que se aderem ao
texto infiltradas de esperança e ternura. Essa relação inseparável entre o discurso
simples, sem experimentalismos, penetrado de afetividades, é
posta com sabedoria pelo
contista na escrita para que se faça a
leitura da vida tocada com rapidez e visibilidade, impregnada de emoção causada
pela cena.
Na relação
inseparável de que se vive e morre, sempre, aflições e solidões são ultrapassadas, ternuras
nos ritos de passagem informam
como as estações amadurecem a
infância, existem noutras terras
conduzidas pela morte sob o peso do
enigma. Histórias urdidas pela chama do
amor em
adolescentes irrompem para o voo
de anjos terrenos alçados às nuvens, paixões de adultos resvalam por entre fissuras e rupturas em
suas verdades pungentes, impondo a separação amarga sem volta.
Afirma-se
que literatura é a matéria verbal que expõe
uma experiência de vida. Esse conceito ajusta-se aos contos de Aleilton
Fonseca de maneira eficaz e sóbria. Em O
desterro dos mortos, a matéria verbal disposta para dizer do imaginário configura
significados colhidos através de uma
experiência colhida pelo contista no teatro da vida. Expressa histórias que nos remetem ao real
imaginado, em alguns momentos com
sensações semelhantes a que se tem nos contos tradicionais de reis, tanto é
o encantamento provindo do estado
psicológico dos personagens, o surgimento da paz no final sempre bem
achado, indicativo de uma janela que se abre para a
luminosidade da vida.
De outro viés, entre a dor e o amor, a paz que irá emergir
de momentos agudos mostra como a vida é um sofrido aprendizado.
O personagem depara-se com as incompreensões absurdas da morte, como é
visto nos contos “O sorriso da estrela”, “Para sempre” e “O
desterro dos mortos”, nas relações
passionais que atritam e
separam, na fumaça que ativa a doce
lembrança da infância, para que saiba quanto
a dor é capaz de reverter momentos contrários em sonos serenos
sob luares de relva.
Nota-se que o
instrumental teórico de base acadêmica não interfere na luminosidade que se
espraia nas criações do contista. Não força
a prosa que apresenta
maneiras suaves de horizontes
longínquos e próximos em seu dizer cativante.
Há um modo sempre oportuno
de o contista dizer o drama, uma solidariedade que dignifica o
comportamento marcado para designar
os quadros da morte, da solidão que o tempo impõe em rigor de atitude que
comanda.
Vale ressaltar que
uma harmonia, a porejar sensibilidades e
cargas emotivas na escrita, decorre de
situações vividas pelo personagem sob o choque das descobertas,
relevâncias existenciais, cortes extraídos
no difícil gesto de viver. Olhares lançados pelo contista sobre os personagens buscam desvendar
para o mundo estados interiores, incompreensões do tangível e do que não
se explica, aclarar a situação
conflituosa no drama. E uma conversa ao pé do ouvido que puxa o leitor
para dentro do texto remete ao contista
Machado de Assis, mestre nessa
atitude de aproximar a história de quem
a lê para assim torná-la mais verossímil na sua dinâmica.
O contista
sabe dosar com medidas certas o necessário para que o leitor seja
envolvido com ternuras e esperanças no
assunto crítico vivido pelo personagem.
Em suas reações tristes,
situações de tormento, o personagem
desterra pensamentos quando se vê com
dificuldade para entender a vida. Certa
melodia, que acompanha a altura, a
intensidade e a dimensão dos gestos, em perfeito equilíbrio enquanto
duram, não dá chance para que o vulgar e a pieguice descaracterizem a escrita conduzida com simplicidade e
emoção.
O proseado
que escorre do discurso enunciado com afetividades contagia no seu ritmo, torna o leitor
íntimo da problemática existencial do indivíduo. Na escrita
apoiada em medidas rítmicas harmoniosas,
os significados e significantes formam unidades cadenciadas pelos toques poéticos da vida sob os olhares
líricos do narrador. Cenas marcadas de controvérsias, contrapontos dos conflitos são
construídos com pausas e respirações, breves e oportunas, para evitar
que o vulgar nos fluxos e refluxos circule nas zonas do coração.
As
histórias de Aleilton Fonseca fornecem a
sensação de que entram pelos ouvidos e ficam com seriedade ritmadas dentro de nós sob puro
lirismo. Assim são construídas
com seus tremores e amores, como
feixes acesos de humanidades
múltiplas, determinam simpatia entre o real e o sonho. Não precisam de
questionamentos profundos nas razões de ser dos outros no mundo, e porque dotadas de puro lirismo simplesmente o coração as aceita, pulsam
amores em atitudes e sentimentos.
Referência
FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos, contos, Relume
Dumará, Rio de Janeiro, 2001.
*Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta,
romancista, organizador de antologia,
autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo da Academia de
Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa
Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em
Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Prêmio Internacional
de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o livro
“Cancioneiro do Cacau”, para obra
publicada, e “Poemas escolhidos/poesie scelte”, para obra inédita, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de
Letras, com “Os Brabos”, contos,
Associação Paulista de Críticos de Arte com “O Menino Camelô”,
infantil, e o Prêmio Nacional Pen Clube
do Brasil com o romance “Os Ventos Gemedores”.
Finalista do Jabuti três vezes. Um dos quatro finalistas do Prêmio
Internacional da Revista Plural, México, com a novela “Coronel, cacaueiro e travessia”. Distinguido com a
Ordem do Mérito da Bahia. Pertence às Academias de Letras de Ilhéus e de
Itabuna.
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Uma leitura sensível, leve e percuciente. O autor se sente recompensado ao dispor de um leitor que, além de grande ficcionista - e, portanto, sabe muito bem do que fala - tem a fina sensibilidade do crítico literário. Fico contente e agradecido pelo texto e, sobretudo, por merecer a leitura e a atenção de Cyro de Mattos.
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