03/ago/18
No Brasil, o processo de transição do regime militar para a
democracia adquiriu formas absolutamente originais, sem qualquer paralelo com
os países do Cone Sul. Vale destacar também que os governos desses países
desenvolveram políticas que os distinguiram em relação ao Brasil, no mesmo
momento histórico. Ou seja, não é possível jogar no mesmo saco — como se diz
popularmente — regimes tão díspares. Não custa ressaltar que a marca ideológica
da presença dos militares na cena política nacional, desde a Proclamação da
República, foi o positivismo — e a referência prática, concreta, teve no
castilhismo gaúcho a sua matriz.
É de conhecimento geral que tivemos um longo processo de
transição que teve início com a distensão, ainda na presidência Ernesto Geisel.
Mas os passos mais ousados foram dados no governo Figueiredo. A aprovação da
anistia, em agosto de 1979, foi um importante marco. Permitiu realizar a
transição de uma forma mais rápida, eficaz e sem traumas.
De tempos em tempos é recolocada a questão de revogar a lei
de anistia. O argumento é que crimes teriam de ser apurados e punidos. A
leitura passa pela ação dos órgãos de repressão e pelas graves violações dos
direitos humanos contra centenas de brasileiros. Isso é fato, não se discute.
Porém, deve ser também analisada a atuação dos grupos terroristas que mataram
muitos brasileiros em atentados, assaltos a bancos e nos “justiçamentos.” Se é
para judicializar a história, isso deve ocorrer para os dois lados.
A questão central é que não tivemos, no momento adequado,
quando da passagem do governo para os civis (1985), um processo que enfrentasse
o passado recente de forma a construir valores democráticos. Um bom exemplo
ocorreu na África do Sul com a criação, por Nélson Mandela, da Comissão
Nacional da Verdade e da Reconciliação. Apresentar os fatos, discutí-los, ouvir
as diferentes versões e a partir daí, com as lições da história, edificar uma
sociedade democrática. Infelizmente, isso não ocorreu no Brasil. Ao invés de um
Mandela, tivemos José Sarney, um presidente fraco e temeroso de enfrentar os
dilemas da época.
Buscar em organismos internacionais uma muleta jurídica para
revogar a lei de anistia poderá gerar ainda mais tensão política. É muito mais
eficaz discutir abertamente aquele momento histórico. E demonstrar que a urna é
o caminho das mudanças e não um pau-de-arara ou uma bomba.
Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista
da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos
(1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993).
É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia
(USP) e Doutor em História (USP
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