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domingo, 13 de maio de 2018

MÃE E FILHO – Cyro de Mattos


Mãe e Filho
Crônica de Cyro de Mattos

                 Nada era pior do que saber  que a mãe não  voltaria mais a andar. Ficava prostrada na cama, a doença arrancando-lhe o sorriso do rosto na pele sem cor. O momento de alívio era quando conseguia reconciliar o sono. Na rotina do medicamento, a  agulha furava a veia do pulso, por onde o soro era levado para reforçar o sangue enfraquecido no sistema de defesa do corpo.  O  irmão trazia para junto da cama o suporte de aço  com quatro pés com  rodízios,  o soro no tubo pendurado no gancho, descendo  lentamente pela mangueira, gota a gota. Seguia lentamente  para penetrar no corpo da mãe. O tempo enfadonho se repetia no corpo abatido, lambia os minutos demorados no quarto.
   
             A moça que cuidava da mãe mudava seu corpo com cuidado, de um lado para  o outro.  Limpava as feridas com algodão embebido na água oxigenada. Tentava atenuar as dores nas costas por ter o corpo permanecido tanto tempo na mesma posição. A mãe acordava gemendo, as costas queimando, os olhos umedecidos.

            Tentava consolá-la, não perdesse a fé em Deus, todos nós estávamos  esperançosos de que um dia ela voltasse a  andar com as suas pernas incansáveis,  os passos seguros, dando vida ao corpo.
Os dias voltariam ao ritmo  normal, sua voz esbanjando afeto pelo apartamento, de suas mãos,  até certo ponto divinas,   chegariam até à mesa  as comidas deliciosas,  doces e bolos com confeito,  como  ela gostava de fazer para os dois filhos.
  
             Como não lembrar os ensinamentos que na infância a mãe tanto lhe dera?

            “Menino, já para dentro   Que vem o vento ventoso   Levado, levando cisco! Menino, já para  dentro! Boa romaria faz quem em sua casa está em paz. E essas  adivinhas: O que é,  o que é, o ano todo no deserto o mais quente é?   Responda certo, menino esperto. Como esquecer essa de pura carícia: Da noite o beijo. A melhor sombra de dia. Quem é?

             Em tudo os dias tinham  suas mãos zelosas.  Colocava nos vasos aquelas  rosas, como sonho na manhã  esbanjavam  pelos ares  ternura. Davam vida à máquina de costura suas  pernas ativas. Os bordados, beleza tecida por dedos cativantes,  sempre admirados por quem visse.
   
            Nada era pior do que saber  que a mãe não  voltaria mais a andar.  O tempo usurpava sem dó a beleza da vida, embora não houvesse revolta enquanto durava a agonia. O amor por ela dobrava porque como filho ele  sabia disso.


Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo das Academias de Letras da Bahia, de Itabuna e de  Ilhéus. Doutor Honoris  Causa pela Universidade  Estadual de Santa Cruz. 

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