“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
“Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vagalume?”
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Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis
Biografia
Poeta, romancista, novelista, contista, cronista,
dramaturgo, ensaísta e crítico, nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro,
respectivamente, em 21/06/1839 e 29/09/1908. Sua obra tem raízes nas tradições
da cultura europeia e transcende a influência das escolas literárias nacionais.
Filho de um pintor de casas mestiço de negro e português,
após a morte da mãe foi criado pela madrasta, também mestiça. Adoentado,
epiléptico, gago e de figura trivial, encontrou emprego como aprendiz de
tipógrafo aos 17 anos de idade, começando a escrever durante seu tempo livre.
Em breve, começou a publicar obras românticas. Colaborou regularmente na
imprensa carioca.
Sua obra divide-se em duas fases, uma romântica e outra
parnasiano-realista, quando desenvolveu seu inconfundível estilo desiludido, sarcástico
e amargo. O domínio da linguagem é sutil e o estilo é preciso, reticente. O
humor pessimista e a complexidade do pensamento, além da desconfiança na razão
(no seu sentido cartesiano e iluminista), fazem com que se afaste de seus
contemporâneos. A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como
um mestre da observação psicológica.
Em 1869 Machado era um típico homem de letras brasileiro bem
sucedido, confortavelmente amparado por um cargo público e num feliz casamento
com uma culta senhora, Carolina Augusta Xavier de Novais. Naquele ano, a doença
fê-lo afastar-se temporariamente de suas atividades e, na sua volta, publica um
livro extremamente original, pouco convencional para o estilo da época —
"Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881) —, que, juntamente com
"O Mulato" (de Aluísio de Azevedo), constitui o marco do realismo na
literatura brasileira. Das "Memórias" provém aquele pensamento do
personagem que julga-se feliz por não ter deixado descendentes que perpetuassem
o legado da miséria humana.
Publicou ainda mais dois romances de sua famosa tríade,
"Quincas Borba" (1891) e "Dom Casmurro" (1899). Estes
livros, ao lado de suas histórias curtas ("Histórias da Meia Noite",
"Papéis Avulsos", "Histórias Românticas", "Histórias
sem Data", "Várias Histórias", "Páginas Recolhidas",
"Relíquias de Casa Velha", "Contos Fluminenses",
"Crônicas") fizeram sua fama como escritor.
Urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico,
ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da
escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histórias
sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar. O mundo natural virtualmente
inexiste em seu trabalho. Escreve com profundo pessimismo e desilusão que
seriam insuportáveis se não estivessem disfarçados sob o manto da ironia e do
humor inteligente. Foi o principal responsável pela fundação da Academia
Brasileira de Letras e seu primeiro presidente; permaneceu nesta qualidade até
sua morte.
O Machado poeta é menos conhecido e apreciado, apesar de sua
primeira manifestação literária ter sido feita justamente com uma poesia
("Ela", publicado na "Marmota Fluminense"), aos 16 anos de
idade.
Publicou quatro livros de poesia. "Crisálidas"
(1864) e "Falenas" (1870) mostram nítida influência de Castro Alves,
com alguma pregação dos ideais de liberdade. Em "Americanas" (1875)
as influências alencarinas são patentes, e o próprio Machado vale-se do recurso
da metalinguagem externa em uma importante advertência inicial de que o assunto
do livro não era unicamente os aborígenes brasileiros. "Ocidentais"
(1901) já mostra elementos do realismo: ironia, niilismo, recuperação do tempo
perdido.
É a referência clássica da literatura brasileira,
considerado o maior escritor do país e um mestre da língua.
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