6 de fevereiro de 2017
Um ministro da mais alta corte do país deveria ser bastante
discreto, manifestar-se somente pelas decisões por escrito, muito raramente
conceder entrevistas, e, acima de tudo, prezar pela sua função de guardião da
Constituição. A divisão de poderes é essencial para a democracia desde
Montesquieu. O poder executivo existe para executar e administrar, o
legislativo para legislar e o judiciário para fazer cumprir as
leis.
Mas o Brasil tem visto uma grande suruba entre os poderes,
com cada um tentando se meter no papel do outro. Principalmente o poder
judiciário, em seu mais alto grau, tentando legislar, como nos casos de aborto,
casamento gay e outros temas delicados. Não é sua função, e quando o STF banca
o Congresso, sabemos que a democracia corre sérios riscos. Quem julga tais
avanços de poder com base em cada decisão em si, aplaudindo quando de acordo
com suas crenças e condenando quando contrária, ignora o “big picture” e não
tem noção do perigo.
Esse ativismo do STF tem aumentado à medida em que o
Congresso vive uma crise de credibilidade, e também por conta de uma composição
cada vez mais “progressista”, com quase todo ele montado por indicações de Lula
e Dilma, ou seja, do PT. A visão de mundo petista não dá a mínima para a
divisão de poderes ou para valores republicanos que pretendem preservar as
instituições de estado. Governo, partido e estado são a mesma coisa para os
petistas.
Luís Barroso talvez seja o mais “progressista” dos ministros
vermelhos. E quando ele prega, numa entrevista, a legalização das drogas,
inclusive da cocaína, está ultrapassando e muito o limite de seu cargo. Alguns
socialistas e libertários podem vibrar, por acharem que todas as drogas devem
mesmo ser legalizadas. Mas esse não é o ponto-chave aqui. Essa gente erra o
alvo. Não cabe a um ministro do STF dar pitaco sobre esse assunto. É temerário!
É indecente! Não é parte de suas atribuições, simples assim. Eis o que Barroso
disse:
A primeira etapa, ao meu ver, deve ser a descriminalização
da maconha. Mas não é descriminalizar o consumo pessoal, é mais profundo do que
isso. A gente deve legalizar a maconha. Produção, distribuição e consumo.
Tratar como se trata o cigarro, uma atividade comercial. Ou seja: paga imposto,
tem regulação, não pode fazer publicidade, tem contrapropaganda, tem controle.
Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a
ilegalidade. E, se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a
cocaína e quebrar o tráfico mesmo.
O site “Implicante” escreveu um pequeno texto argumentando que, se há espaço para um ministro
que defende a legalização da cocaína no STF, então também há espaço para um que
defenda a família. Refere-se a Ives Gandra Filho, cotado para assumir a vaga de
Teori Zavascki. Ives é da Opus Dei, conservador, assumidamente a favor da
família tradicional. A reação da esquerda à sugestão de seu nome foi de horror.
Fizeram um escarcéu, ficaram em polvorosa, chocados com o “retrocesso” dessa
possibilidade: um cristão ortodoxo no Supremo? Onde já se viu?!
“Se pode haver um membro do STF falando em legalização da
cocaína, precisa haver um que analise a situação do ponto de vista do drama
familiar, cujo o vício em drogas tantas vezes a consome do início ao fim. É
assim que o jogo funciona”, conclui o texto. Mas não está totalmente correto
isso. A visão pessoal de cada um não deveria ser o único fator levado em conta,
ou sequer o mais relevante. Note-se que Ives é totalmente a favor da
flexibilização das leis trabalhistas anacrônicas e fascistas que temos, mas no
Tribunal do Trabalho ele precisa julgar… de acordo com a lei vigente!
Um juiz não está lá para legislar, repito, mas sim para
fazer cumprir as leis. Um conceito básico para republicanos, e ultrapassado
para “progressistas”. Neil Gorsuch, indicado para o lugar de Antonin Scalia
para a Suprema Corte por Trump, disse com clareza que um juiz que gosta de
todas as decisões que toma não é um bom juiz. Exatamente. Mas Barroso não é
capaz de compreender algo tão básico do direito. É um ativista disposto a
vestir o chapéu de deputado. Um absurdo!
Reinaldo Azevedo foi preciso em sua análise, concluindo que
caberia até o impeachment do ministro:
É isto mesmo: acho que ele tem de ser impichado. E por quê?
Porque ele não se conforma com o seu papel de magistrado.
Nota-se o seu desconforto com os limites que lhe são impostos pela
Constituição. Barroso, a gente percebe, quer ser legislador, tem aspirações a
Rasputin do Executivo; vende suas idiossincrasias e heterodoxias como se fossem
um novo umbral do pensamento. Confessadamente — basta ler o que escreveu sobre
novo constitucionalismo, entende que o papel de um magistrado é fazer justiça
com a própria toga, mandando pra tonga da milonga do cabuletê os códigos que
temos.
[…]
É claro que não cabe a um ministro do Supremo dar-se a essas
especulações. Que renuncie à toga e vá disputar eleição, ora essa. Mas não o
fará. Barroso quer precisamente isto: ser um ministro do Supremo, estar
protegido por uma quase intocabilidade e, dentro do aparelho de estado, atuar
para minar as suas bases.
[…]
“Impeachment porque ele quer legalizar as drogas, Reinaldo?”
Não. Essa defesa destrambelhada e burra que fez só expõe a sua natureza. Ele
tem de ser impichado é por seu solene desprezo ao Congresso, já verificado
muitas vezes. Ele tem de ser impichado porque parece entender que seu papel no
Supremo é rasgar os diplomas legais que não estão a seu gosto.
Está certo, nesse caso, Reinaldo Azevedo, de quem tenho
discordado em outras questões recentemente. E notem que ele apresentou os
argumentos pelos quais discorda totalmente do conteúdo em si da entrevista de
Barroso, ou seja, da legalização das drogas (leves ou pesadas). Mas não vou
entrar nessa questão aqui, pois não é o foco. Eu poderia ser a favor da
legalização até do crack, mas isso não faria com que eu aplaudisse um ministro
do STF defendendo tal bandeira por aí. É errado. É perigoso. É
anti-republicano. Impeachment nele!
Rodrigo Constantino
Economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC,
trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros,
entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré
vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do
Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal
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