Conversas de ½ MINUTO (31) ‒ Médicos
Mais conversas, hoje só com médicos, em livro que estou
escrevendo (título da coluna). ANA VASCONCELOS, advogada. O médico olhou para
ela com olhos de pena
‒ Você tem câncer, Ana.
‒ Qual o tratamento?
‒ Nenhum, infelizmente.
Decidiu ir a São Paulo e junta, com mais quatro médicos,
confirmou esse diagnóstico. Melhor voltar e morrer no Recife. Só que não
conseguia suportar essa espera e decidiu abreviar sua história. Melhor o fim do
espanto que um espanto sem fim. Como não tinha coragem para se jogar de um
edifício, ou dar tiro na cabeça, escolheu fazer isso dentro de seu carro. Entre
segunda e terça, madrugada (sem ninguém na rua para ser atropelado), em reta
que começava na Ponte Giratória e findava em muro de concreto, grosso, da
Marinha, no Porto do Recife. Lugar perfeito para um acidente automobilístico.
Acelerou o velho Gol até chegar a velocidade máxima. Os braços, ao segurar o
volante que tremia, estavam já dormentes (foi quando percebeu que morreria sem
dores). E viu aquele muro se aproximar. Faltava pouco. Só que um pneu voou e o
carro começou a dar voltas. Sem capotar, sorte dela. Até que parou. Saiu, era
inacreditável, estava de frente para o tal muro. A menos de um palmo. Então
pensou
‒ É coisa de Deus. Ele não quer que eu morra e me trouxe
aqui para dizer qual missão reservou para mim. Olhou em volta e viu que, ali,
havia só marinheiros e mulheres tentando sobreviver. Seu público não seriam
aqueles marinheiros, com certeza. Decidiu criar uma instituição memorável, a
Casa de Passagem – dedicada a abrigar, proteger e ensinar ofícios dignos a
prostitutas que eram depois colocadas no mercado de trabalho. E Ana bem, sem
mais notícias do tal câncer. Enquanto começaram a morrer os médicos que deram
aquele diagnóstico. Na última vez que a vi disse, brincando,
‒ Ainda não morreu?, amiga.
‒ Que nada, Zé Paulo, e já decidi, só morro depois de
enterrar os cinco médicos que me condenaram.
‒ Até agora... ‒ Quatro já foram. Só falta um.
CARLOS ROBERTO MORAES, cirurgião cardíaco. Pierre Gondim, em
Londres, lembrou
‒ Há dois tipos de cirurgiões: os que bebem e os que já
beberam o suficiente.
* * *
Me perguntou
– Quantos charutos você fuma?, por dia.
– Só um. Mas todo charuteiro mente muito.
ELIAS SULTANUM, santeiro. Comprou casa velha junto ao
Mercado da Ribeira (Olinda). Já morando nela, começou uma reforma. Só que
passou a ouvir uma barulheira que não tinha fim. Na quarta noite sem dormir,
foi até o meio da escada e anunciou
– Atenção, senhores fantasmas, acabaram as reformas. A casa
fica do jeito que está.
Em seguida, foi para o quarto e dormiu bem. Fim das
reformas, fim dos barulhos. E ninguém, até hoje, conseguiu explicar o que
aconteceu.
Dona JOANINHA, doméstica. Quinta-feira. Maria Lectícia
informou que acabou bem uma operação de minha mãe. No ombro, sem riscos. Disse
que estava no quarto 405 do Hospital Santa Joana e completou lembrando que já
recebia visitas. Tradução, era para ir. Logo. Manda quem pode (ela), obedece
quem tem juízo (eu). Ou pensa que tem, o que dá no mesmo. Não sei como, entendi
Hospital Português. Errado, claro. Parei longe, calor danado, enfrentei fila no
elevador, até que cheguei no quarto andar. Quando abri a porta do 405 lá estava
mulher, com certeza cliente do SUS, que me olhou assustada. Ao perceber o
endereço errado, e para não perder a viagem, disse
– Mamãe!!!
– Eu não sou sua mãe, não.
– Mãe desnaturada, que não reconhece o filho.
– Tenha calma, senhor. Vamos conversar. O que lhe faz
acreditar que sou sua mãe?
– É simples. Minha mulher disse que mamãe estava no quarto
405. É esse. Logo, a senhora é minha mãe.
– Está errado. Pode acreditar que não sou sua mãe.
Ficamos conversando por bom tempo. Disse que podia lhe
chamar de Joaninha. Contou sua vida simples, sem eventos notáveis, igual à de
tantas. No fim, desejei melhoras e fui saindo. Quase na porta, ela gritou
– Meu filho!!!
Achei graça e respondi – O que é?, mamãe.
– Volte amanhã para conversar que vivo aqui tão sozinha.
Dia seguinte, sexta-feira, mandei uma cesta com frutas. E,
segunda, retornei ao hospital. Para conversar, como pediu. Abri a porta, o
quarto estava já vazio. Não tive coragem de perguntar o que havia acontecido
com ela e fui embora, rezando que estivesse em casa. Beijos, dona Joaninha.
JOEL DATZ, um dos "irmãos eventos" –
conhecidos, no Recife, por irem a todas as recepções, de batizados a
conferências. Vinha caminhando pela Manuel Borba quando sentiu dores típicas de
um enfarte. Como estava bem perto de unidade do SAMU, em frente ao antigo Cine
Boa Vista, foi andando até lá
– Estou tendo um enfarte e preciso que me levem, de
ambulância, para o Procape (onde acabaria morrendo, só que muitos anos depois).
– Impossível, senhor. Que, segundo nossos regulamentos, só
podemos atender casos por telefone. E fica tudo gravado. – Mas vou morrer aqui,
na sua frente?
– Infelizmente, vai. Foi quando viu, do outro lado da rua,
um orelhão. E seus bolsos viviam cheios de fichas (num tempo em que ainda não
havia celulares). Foi até lá e ligou.
– É do SAMU?
– Sim.
– Estou tendo um enfarte. Podem me levar para o Procape?
– Claro, senhor, onde está?
– Bem na sua frente.
LUZILÁ GONÇALVES, escritora. Madrugada, ligou amiga pedindo
ajuda que o marido estava quase morto. Luzilá teve que ir a colégio de freiras
que acolhiam padres. Encontrou um, já bem velhinho, e disse que precisava dele
para dar a Unção dos Enfermos. Tudo acertado, inclusive o preço. Mas o velho
quis tomar café, antes de partir. A freirinha que lhe atendeu, com toda paz do
mundo, preparou tapioca e cuscuz que ele comia com prazer. Sem pressa. E o
tempo ia passando.
– Padre, queria lembrar que o homem está se acabando.
– Tenha calma, filha, Deus é paciente.
– Deus eu sei que é, padre. Só não estou certa é que o
doente queira esperar tanto tempo.
Afinal, chegaram no apartamento. O padre leu Breviário e
belo Ofício aos Mortos. Diante de um paciente largado na cama, lívido, com os
olhos fechados. E todos rezando. Ocorre que, de repente, o quase defunto deu um
pulo
– Que merda é essa?! A gente nem pode mais dormir em paz?!!,
porra!!!
Em resumo, o homem estava era de porre. Coma alcoólico. Foi
só engano da quase viúva.
MARIA DE JESUS ALVES, cirurgiã. Começou a operar, no
Hospital Getúlio Vargas, criança com a perna quebrada por conta de um
atropelamento. A avó chegou apreensiva, na portaria, e pediu informações de
como estava seu neto William. O médico Octávio (filho de Geninha e Baby) Rosa
Borges respondeu
– Está lá em cima (no quinto andar, onde ficava o bloco
cirúrgico), nas mãos de (Maria de) Jesus.
E a velha quase morreu do susto.
MIGUEL SOUZA TAVARES, escritor. Seu bisavô, Thomás de Mello
Breyner, 4º Conde de Mafra, Catedrático de Medicina e médico pessoal do rei,
era diretor do Hospital São José. E, lá, enfermeiras formalizaram uma
reclamação
‒ Os estudantes ficam passando a mão em nossas bundas.
Exigimos providências.
‒ Perdão, mas não vejo solução possível para o problema,
enquanto os estudantes tiverem mão e vocês tiverem bunda.
OSCAR COUTINHO, clínico geral. Provocando, me disse
– Está pensando que Medicina é fácil como Direito?
– Pode até não ser, amigo. Mas tem uma vantagem, e grande.
Erro de advogado fica no processo; enquanto, o do médico, a terra come.
Jornal do Commercio de Pernambuco, 28/09/2023
https://www.academia.org.br/artigos/conversas-de-12-minuto-31-medicos
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José Paulo Cavalcanti - Nono ocupante da Cadeira nº 39,
eleito em 25 de novembro de 2021, na sucessão de Marco Maciel e recebido em 10
de junho de 2022 pelo Acadêmico Domício Proença Filho.
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