A vitória do menino
Cyro de Mattos
A mãe dizia que aqui na vida tudo tem sua hora para
acontecer e seu lugar para ser ocupado pelos seres e as coisas. Estava perto de
receber o resultado do exame de admissão quando saberia então se seria
aprovado. A expressão de confiança no rosto do menino denunciava uma esperança
inabalável, motivada por tudo que veio sendo construído durante o ano inteiro,
com os seus pensamentos direcionando-se para a realização da conquista tão
desejada. Chegava a sorrir de contente,
da certeza que tinha agora da vitória prestes a acontecer, só pensando em
chegar logo à sua casa para dividir a expectativa da vitória com os pais. A
autoconfiança tomava conta da expressão do rosto, os contornos nítidos formando
um desenho vibrante da vida, na medida em que apressava os passos, o corpo como
se fosse de um passarinho, voando no chão. Sentia-se leve, imune a qualquer
tipo de dúvida ou preocupação que pudesse surgir entre as noites tranquilas,
horas de entrega na preparação. Tudo o que era desafio, incentivando-o sempre,
parecia prestes a ser superado, enquanto esperava o resultado do exame de
admissão.
Mas à medida que o dia avançava na manhã clara, um
sentimento desconhecido começou a se infiltrar em sua alma. A sombra da dúvida
começou a se espalhar, confundindo aquela certeza inicial. O sorriso que antes
brilhava em seu rosto agora se contorcia em uma expressão de insegurança. A
lembrança da exigência de seu pai e o medo de decepcioná-lo começaram a pesar
em seus ombros, transformando a alegria da manhã em uma tarde sombria.
Nunca o domingo fora tão ambíguo para ele como no começo
desse mês de dezembro. O brilho do sol, que antes envolvia as coisas com um
toque de magia, leveza e graça, agora lançava sombras que se confundiam com
seus sentimentos conflitantes. E, nesse momento conflituoso, que o fazia
oscilar nas ondas da dúvida, a vida se mostrava complicada e imprevisível,
fazendo-o temer ante ao que antes considerava inquestionável. A reação do pai, uma vez pilar de apoio que o
fazia seguro, agora se transformava em um espectro amedrontador, e o medo da
reprovação tornava o desejo de saber o resultado um grande tormento.
Da pequena balaustrada de onde se via o pátio do colégio, a
diretora tocou o pequeno sino várias
vezes, chamando os meninos e as meninas para tomar conhecimento do resultado no
exame de admissão. Observara que só ia chamar o nome do candidato que tivesse
sido aprovado. Os candidatos eram
muitos, vários vieram das roças onde moravam com os pais, de vilarejos perto ou
de cidades vizinhas, menores do que a sua, dividida em duas partes pelo rio
manso na descida quando era tempo de estio.
Meninos e meninas aglomeravam-se no pátio do colégio, alguns
estavam acompanhados da mãe. Todos em silêncio, aguardando, ansiosos, o
resultado do exame de admissão, vários com aquela cor de medo no rosto, presos
ao que daqui a instante seria anunciado pela voz da diretora do ginásio.
Fez um
esforço para que as pernas não tremessem, mas não conseguia dominar o friozinho
que dava na barriga. De repente, o que
era uma nebulosa dentro dele, num lance feito de emoção indescritível,
transformou-se numa luz forte que clareou tudo dentro, repercutiu na alma como
uma vibrante canção salpicada de notas alegres. E notas dessa canção, que
chegava em boa hora, cheia de felicidade, envolveram o peito de menino
franzino, abalando, em sua mensagem venturosa, seu pequeno coração. A diretora
havia chamado o seu nome como um dos aprovados no exame de admissão.
(Capítulo do romance inédito Do menino se faz o homem)
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Editado no exterior.
Membro da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade
Estadual de Santa Cruz -Uesc.
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