Cyro de Mattos .
Enviei o primeiro livro que escrevi para Jorge Amado, seguindo conselho do
amigo João Ubaldo Ribeiro, companheiro de geração. Não esperava que viesse
alguma opinião dele sobre o meu pequeno volume de contos, riscado anos depois
de minha bibliografia por ter sido escrito por autor imaturo. O texto
envelheceu cedo. Fiquei surpreso por ver um livro de autor desconhecido ser
apresentado à Academia Brasileira de Letras com palavras favoráveis do
consagrado romancista Jorge Amado.
Outros
livros meus foram merecedores de artigos com elogio por parte de Jorge Amado.
Eram opiniões impressionistas, mas abonadas com a sensibilidade de quem mais conhece
os caminhos do fazer literário na recriação da vida. E mais: ele publicava os
artigos que escrevia sobre meus livros em jornais importantes como A Tarde,
Jornal de Letras (Rio), Suplemento do Jornal do Brasil, Jornal do Comércio
(Rio) e Suplemento Literário de Minas Gerais.
Esses
gestos do criador de Tocaia Grande (Record,1984) aconteceram com outros
escritores, emergentes, com obra em andamento, consagrados, baianos ou não. Ele
sempre enriquecia o companheiro de letras com suas opiniões, sem esperar nada
em troca. Prefácios, orelhas, artigos, depoimentos, apresentações à Academia
Brasileira de Letras, um legado literário da melhor qualidade está aí espalhado
com o abono do escritor tão lido e traduzido em língua portuguesa sobre livros
de nossos escritores. Textos que formam um valioso legado, se coligidos, servindo
como importante contribuição à nossa
literatura.
Com João Ubaldo Ribeiro era diferente. Certa vez, o autor
maiúsculo do romance Viva o povo brasileiro (Nova Fronteira, 1984), disse-me
que não escrevia prefácio ou artigo para quem recorresse aos seus
préstimos porque podia não gostar do livro e aí o suplicante, que certamente
queria receber elogio, poderia com a sua sinceridade se tornar um inimigo dele.
Além disso, não queria se desconcentrar de seu ofício, sempre estava escrevendo
um livro ou texto, não ia deixar de lado o que estava escrevendo e centrar-se
sobre quem devia abrir seus próprios caminhos com suas ferramentas e crenças,
sem se apegar na muleta alheia, mas acreditando nas suas qualidades.
Neste
sentido, sempre concordei e respeitei as atitudes de João Ubaldo. Ele se tornou
um dos meus amigos prediletos, criatura do bem, espírito alegre, colega
inesquecível da turma de 1962, na Faculdade de Direito da UFBA. Nunca quis me
aproveitar de meu bom relacionamento com o consagrado ficcionista e receber
dele a opinião favorável de meus escritos. Fiz minha carreira literária com os
meus textos publicados em livros, meus prêmios relevantes, que tornaram minha
obra com mais visibilidade. Enviei em vários casos os originais de meus livros
para as editoras, sem temer que fossem aprovados ou não para publicação, depois
da leitura crítica do conselho editorial.
Ao escrever sobre Palhaço
Bom de Briga (L&PM Editores, 1993), um dos meus livros para as crianças, em
artigo publicado em forma de missiva, dirigida ao romancista Josué Montelo,
então presidente da Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado chegou ao ponto
de lembrar meu nome para fazer parte daquela importante instituição das letras
brasileiras. Houve exagero. Só mesmo Jorge, com o seu coração doce como mel de
cacau, podia distinguir assim meu nome, em gesto que comovia, servia como
incentivo para que eu nunca desistisse em minha jornada literária. Embora eu já
fosse autor nessa época de mais de vinte livros, entre volumes de contos,
poesia e literatura infantojuvenil. Havia conquistado alguns prêmios literários
importantes e, entre eles, o Prêmio Nacional Afonso Arinos da Academia
Brasileira de Letras, por unanimidade, para o meu livro Os Brabos (Civilização
Brasileira, 1979), o da Associação Paulista dos Críticos de Artes para O Menino
Camelô (Atual Editora, 1992, 12ª. Edição), Menção Honrosa do Jabuti para Os
Recuados (Editora Tchê!1987) e várias vezes fui agraciado com o primeiro lugar
nos certames promovidos pela União Brasileira de Escritores
(RJ).
Jorge
Amado exercia a amizade como uma coisa nata, tão dele. E me mostrava sempre que
com as mãos nas mãos, o gesto desprovido de interesses pessoais, desligado da
religião do egoísmo, tudo fica mais fácil. Com ele não entravam no exercício da
vida a inveja e a intriga. Dava-me conta por isso que existia ainda o homem
simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida o artista vaidoso
e invejoso como o homem.
Dizia-se
ateu, ele que era cristão porque fraterno, solidário, sincero, humaníssimo. Que
coisa muito triste, a vida física de Jorge ter acabado. E tanta gente ruim
existe neste mundo velho agindo sempre para fazer o mal porque habita nos lados
escuros da vida. Gente com a alma venenosa, às vezes quando tem o poder da
mídia nas mãos gosta de fazer o outro como seu refém por puro prazer ou para
infundir medo ou para, excluindo as qualidades do ofendido, se afirmar com seus
ressentimentos
Ainda bem
que Jorge Amado deixou para milhares não o irracional como norma de
comportamento, a perseguição canina das negações que infunde o medo, mas a
esperança nas narrativas que mostram as verdades essenciais dos excluídos
ligados à comédia da vida. Esse que nasceu numa pequena fazenda em Ferradas,
bairro mãe de Itabuna, passou a infância e juventude em Ilhéus para ser um
bem-amado cidadão do mundo com seus belos romances, em inacreditável peripécia
porque assim devia ser.
Que
privilégio ter sido amigo de Jorge Amado.
Cyro de Mattos -Escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris
Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de
Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia
de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
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