Maravilhoso Trovador Minelvino
Cyro de Mattos
Sertanejo autêntico, nascido no município de Mundo Novo,
Bahia, em 29 de novembro de 1924, o trovador Minelvino Francisco Silva primeiro
foi garimpeiro em Jacobina onde se criou. Depois passou a vendedor de coisas
miúdas na feira da cidade sertaneja: pente, espelho, escova, pasta dental,
agulha, carretel de linha, sabonete, livrinho de cordel.
Depois dos 15 anos de idade, lembra que comprou um ABC e
teve apenas um mês de aula. Aprendeu a escrever o nome. Daí em diante, com
esforço, sacrifício e persistência, procurou conhecer o mundo através da
leitura. Resolveu escrever uma história em versos populares, aos vinte e dois
anos de idade. A primeira motivação que teve para contar uma estória com apelo
popular veio da enchente de Miguel Calmon, lugar próximo a Jacobina. Compôs o
livrinho e foi um sucesso.
Tornou-se em pouco tempo poeta afinado com o verso popular,
do jeito que o povo gosta. Atento aos acontecidos, de natureza social,
política, façanhas e desastres, colocava na estória do cordel maravilhas do
imaginário, humor do real, invenções do divino, notícias do amor e da dor,
gente e bichos, conselhos e saberes, tudo bem alinhavado na rima certa e
espontânea.
Escreveu mais de quinhentos folhetos de cordel. Sua arte
ultrapassou as fronteiras regionais, passou a ser estudada em teses defendidas
na universidade. Foi publicado em São Paulo pela Hedra, editora de circuito
nacional, que em sua coleção Cordel, dirigida pelo professor Josep M. Luyten,
Doutor em Comunicação pela USP, já divulgou alguns dos mais relevantes e
autênticos representantes da poesia popular brasileira. Recebeu os estudos da
professora doutora Edilene Matos em O imaginário na literatura do cordel
(1986), que reconheceu seu valor na condição de porta-voz da comunidade,
correspondendo a uma necessidade social, pois é através de seus versos que as
notícias do cotidiano alcançam com rapidez uma enorme faixa de leitores.
Em Minelvino – Trovador Apóstolo (2015), alentado volume
exemplar de ensaio, calcado em interpretações lúcidas, capacidade de
investigação minuciosa, análise convincente sobre a estilística e a temática
diversa capturada por Minelvino no imaginário coletivo e na experiência de
vida, Jorge de Sousa Araújo ressalta na obra desse esplêndido trovador uma
permanente sintonia com as raízes da cultura coletiva brasileira,
notadamente da poesia popular legitimada por grandes
cultores, além de ser versado em valores cristãos.
Trovador de senso devocionário, comparecia sempre às
romarias de Bom Jesus da Lapa, Nossa Senhora das Candeias e do Padre Cícero, a
cada ano. Conhecedor da História Sagrada, autor de inúmeros benditos, que
divulgava na procissão como romeiro. Era seu costume dirigir seus temas com a
consciência dos valores cristãos, intenções católicas e místicas, daí ser
alcunhado como o Trovador Apóstolo.
Homem bom, simples, querido pelo povo, de voz mansa. Dono do
ofício desde os primeiros momentos quando já mostra habilidade e espontaneidade
na construção do cordel, cuja história ou relato conectados com o imaginário
coletivo prende até o fim, agrada na escrita espontânea, imaginação cativante,
No cordel O Encontro do Poeta com a Natureza conta que
deparou com a dama de translúcida beleza, rosto formoso, dentes de marfim,
cabelos de ouro e quase perde os sentidos. Acabara de saber de seu lindo nome:
NATUREZA. Inspirado com a musa Natureza denuncia sem esforço a riqueza de seu
imaginário, a capacidade admirável de inventar heróis e personagens,
reinventá-los com espontaneidade, tecer com cenas e gestos atraentes as figuras
emblemáticas dos poetas Castro Alves, Zé Pacheco, João Athayde, do mártir Tiradentes,
inventor Santos Dumont, descobridor Pedro Alves Cabral e tantos outros
personagens ilustres, que foram desenhados com a mestria do excelente trovador.
Nos folhetos de disputa, peleja ou desafio entre cantadores
muitos vieram para ficar na mente popular do leitor. Destaca-se Os Repentes e
Proesas de Bocage, um herói picaresco que lembra o personagem Zé Grilo,
reinventado por Ariano Suassuna na comédia nordestina. Bocage ganhou do rei
todos os desafios que lhe foram impostos. Apareceu no palácio vestido numa
tarrafa, montado em uma porca, às seis horas, com o povo sorrindo com a sua
aparição estranha, que driblava a morte prometida pelo rei se não vencesse o
desafio.
Quantidade e qualidade são inseparáveis na produção
maravilhosa do cordelista Minelvino. Radicado em Itabuna durante grande parte
de sua vida, criou família na cidade de importante papel para a formação e
desenvolvimento da civilização cacaueira baiana. Não se esqueceu de relatar as
agruras da cidade e da região em seus momentos de crise. A Greve de Itabuna e A
Vassoura de Bruxa no Sul da Bahia atestam a solidariedade de um cordelista
autêntico no momento crítico atravessado por determinado contexto.
A vida sabe que ficou mais pobre com a morte do cordelista.
Ele sempre rezava o terço. Rogava a seus santos protetores, Jesus e Virgem
Maria, que “queria morrer junto a eles quando chegar este dia”.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro Titular da
Academia de Letras da Bahia e do Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris
Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Um dos idealizadores da Academia
de Letras de Itabuna (ALITA).
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