O aluno e a professora
Conto de Cyro de
Mattos
As batidas na porta soam insistentes.
- Quem está aí?
- Seu aluno.
- Quem mesmo?
- Erinaldo Gazinho.
- A essa hora da noite?
- Abra essa porta e deixe de fazer perguntas.
- Você continua com essa loucura?
- Abra logo e não se faça de rogada.
- Você não vê que isso é impossível de continuar?
- Você gostou desde a primeira noite, não gostou, Marião?
- Você tem idade de ser meu filho.
- Isso não importa.
- Tenho 48
anos de idade e você 16. Tenho idade de ser sua mãe. E você diz que isso não
importa.
- Juramos não ligar para isso.
- O preconceito lá fora fala mais alto.
- Não ligo para o que
falam por aí.
- E como eu fico?
Ele começa a perder a paciência.
- Abra a porra dessa porta antes que eu bote abaixo.
- A diretora ameaçou me despedir do colégio,
se essa loucura entre nós dois continuasse.
- A diretora que vá se meter com a
vida dela. Todo mundo no colégio sabe que ela é uma chata, uma mulher mal
dormida, não vive bem com o marido.
- Seus
pais não aceitam. Os vizinhos também não. Ninguém aceita este tipo de
relacionamento que temos. O mundo não perdoa.
- Meus pais não podem fazer nada. Desistiram
de aconselhar para que eu deixe você.
- É complicado enfrentar essa onda toda contra nós dois.
- É não ligar. O que vale somos eu e você.
- Essa cidade é muito pequena. Todo mundo conhece todo
mundo.
- E daí?
- É uma vergonha,
disse a moça do caixa na farmácia, depois que paguei o remédio que comprei para
curar uma dor no ouvido, saindo de lá apressada e nervosa.
- Vergonhoso é
quem não faz o que gosta e não enfrenta os que são do contra.
- Vá embora, meu menino, os vizinhos estão ouvindo tudo.
- Pode até a
cidade toda saber que estou aqui do lado de fora implorando para entrar e nunca
mais sair de junto de você.
A garoa dá lugar a uma chuva grossa. Ela começa a ficar
preocupada.
- Essa chuva pode lhe
fazer mal, meu menino. Vá embora e não insista.
O primeiro pontapé na
porta faz trincar a fechadura,
- Vai abrir ou não
vai essa porta?
- Tenha juízo, meu menino. Vá pra casa.
Vários
pontapés seguidos fazem estremecer a porta. Agora relâmpagos e trovoadas cortam
a chuva grossa, que cai do céu escuro sem parar. Numa fúria incontrolável, ele
começa a bater na porta e desferir mais pontapés.
Ela tem pena. E
resolve socorrê-lo.
- Entre, meu menino. Não precisa se
zangar mais. Vou lhe enxugar. Tire essa roupa molhada.
Em pouco
instante eles estão debaixo da coberta de lã. Os corpos conversam com juras de
amor. Soltam gemidos. Gritos estridentes, Os relâmpagos e as trovoadas não
conseguem abafar esses gemidos intensos dela. Esses gritos mais fortes dele.
Semanas
depois, ela vai morar numa cidade distante. Nunca mais ele teve notícias dela.
Quando soube, ele foi ficando cada vez mais triste. Deixou de ser um aluno
aplicado. Não se acostumou com a nova professora de geografia. Ela tem pouco
mais de 23 anos de idade. Quando olha para ele, mostra-se com aquele ar de
piedade no rosto rosado. Não entende como a vida gosta de armar situações
difíceis de aceitar. Embora alguns achem que o amor não tem limite, quando
aceso seu fogo pode virar fogueira e incendeia de cada centelha.
Cyro de Mattos é autor de 67 livros pessoais, de diversos gêneros. Publicado também em Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Rússia, México e Estados Unidos. Conquistou com Os Brabos, novelas, 1978, o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, Menção Honrosa do Jabuti, 1988, com Os Recuados, contos, o Prêmio de Romance do Pen Clube do Brasil, com Os Ventos Gemedores, 2017, e o Prêmio Internacional Casa de las América, 2023, para Infância com Bicho e Pesadelo e Outras Histórias. Membro das Academias de Letras da Bahia, de Itabuna e de Ilhéus. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Sul da Bahia). Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador e Comenda Dois de Julho da Assembleia Legislativa da Bahia.
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