O Grapiúna Jorge Amado
Cyro de Mattos
Em O Menino grapiúna (1981), pequeno
livro de memórias, Jorge Amado destaca:
Desbravador
de terras, meu pai erguera sua casa mais além de Ferradas, povoado do jovem
município de Itabuna, plantara cacau, a riqueza do mundo. Na época das grandes
lutas.
Mais adiante afirma:
“Eu nasci em agosto de 1912 naquela mesma
roça de cacau, de nome Auricídia”.
Nascera em
10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, um povoado do jovem
município de Itabuna, que aparece com o seu comércio ativo no romance Terras
de sem fim como um dos domínios do coronel Horácio. Neste romance, no
capítulo Gestação de Cidades, quando se refere a Tabocas, Jorge Amado conta que
o povoado pertencia ao município de São Jorge dos Ilhéus.
Mas já muita gente quando
escrevia cartas, não as datava mais de Tabocas e, sim, de Itabuna. E quando
perguntavam a um morador dali, que estivesse de passeio em Ilhéus, de onde ele
era, o homem respondia cheio de orgulho:
- Sou
de Itabuna.
Antigos fazendeiros, sobreviventes
da fase heroica da conquista da terra, como Maneca Dantas e o coronel Horácio,
personagens de Terras do sem fim, voltam no romance São Jorge dos
Ilhéus a receber a empatia do ficcionista humaníssimo que é Jorge Amado. A
figuração do Coronel Horácio já velho, quase cego, solitário, no meio dos cacaueiros,
que plantara com muito sacrifício, alcança rica significação no romance.
A
recriação literária da civilização do cacau na Bahia tem sequência em Jorge
Amado com o pequeno romance A descoberta da América pelos turcos ou de como
o árabe Jamil Bichara, desbravador de florestas, de visita à cidade de Itabuna
para dar abasto ao corpo, ali lhe ofereceram fortuna e casamento ou ainda os
esponsais de Adma. Neste romance publicado em 1994, Jorge Amado volta a
apresentar as marcas inconfundíveis de sua arte: fluência na escrita,
facilidade de fabular e gozo pela vida. Recorre ao riso para contar a saga de
sírios e libaneses no Sul da Bahia quando tinha início o plantio das roças de
cacau e a construção de casas em vilarejos e pequenas cidades.
Situações
engraçadas predominam em A descoberta da América pelos turcos, romancinho
armado com desventura e premonição de felicidade em seus episódios extraídos da
vida real. Passagens com humor árabe acontecem na pequena cidade de Itabuna,
agora aparecendo pela primeira vez com destaque na saga da civilização
cacaueira baiana, definido como um dos filões ricos da novelística amadiana.
Com o seu comercinho novo, o burburinho na estação do trem, igreja e capela.
Hotel dos Lordes, cabarés, botequins, pensões de prostituta, fuxicaria na
política, desmando dos jagunços armados, tropas carregadas de cacau nas ruas. A
recente cidade de Itabuna como um burgo de penetração exibe-se sem retoques e
ilusionismo, marca sua presença num cenário divertido da vidinha movimentada e
turbulenta.
Traduzido
em mais de 40 idiomas, Jorge Amado é o escritor brasileiro que mais dá voz aos
excluídos, os marginalizados pelo sistema organizado. Sua prosa é prazerosa, sua mensagem de
liberdade está expressa com a esperança na escrita irreverente, que faz pensar
e, a um só tempo, rir. Esse grapiúna Jorge Amado, que nasceu numa fazenda de
cacau, no Sul da Bahia, para se tornar um dos mais criativos contadores de
histórias no mundo.
Faleceu
aos 6 de agosto de 2001, em Salvador.
Cyro de Mattos é poeta e ficcionista. Autor muitas
vezes premiado, publicado também no estrangeiro. É membro das Academias de
Letras da Bahia, Ilhéus e Itabuna. Na Academia de Letras de Itabuna ocupa a
cadeira 6, que tem como patrono Jorge Amado.* * *
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