Luis Dufaur
Quando videoconferências, teletrabalho e sistemas
semelhantes de home office substituem o relacionamento humano, as
pessoas sofrem de exaustão e até de esquizofrenia. Sobretudo com o uso
intensivo e cotidiano de tais sistemas, como acontece nesses dias de confinamento,
segundo se deduz do artigo da psicóloga e pesquisadora da PUC-SP, Katty Zúñiga,
publicado numa reportagem da “Folha de Pernambuco”: “Cada vez mais as
pessoas se queixam de se sentirem cansadas ou esgotadas nessa nova realidade em
que a casa se tornou o local para se fazer tudo”.
A fadiga do ‘zoom’
‘Zoom fatigue’ é
a denominação atribuída recentemente à fadiga causada pelo Zoom, uma
plataforma muito usada nos encontros virtuais ou ‘lives’. O mosaico de muitas
caras de pessoas conectadas sobrecarrega o cérebro. Explica a psicóloga: “Presencialmente,
as reuniões de trabalho, ou mesmo as salas de aula, são permeadas por momentos
de distração, descontração. Já no online, não há isso, e a parte cognitiva fica
em constante estado de atenção”. O fato de não seguir os padrões humanos da
convivência exige uma hipervigilância, que no fim do dia se revela devastadora.
O atraso entre a fala e a
escuta na transmissão de dados, e a falta de liberdade de movimentos que a
câmera ligada induz, aumentam o desgaste, afirma Marcos Oreste Colpo, psicólogo
e professor da PUC-SP: “Quando você está conversando presencialmente, o
corpo também fala, mostra inquietações. Nesses sinais, você aprende sobre o
outro, percebe aprovação ou reprovação”.
Quando ele ministra aulas
remotas, os alunos desligam as câmeras, morrendo o relacionamento no grupo, que
fica sem reações afetivas. Isto é devastador para a psique humana, que não
funciona como circuitos eletrônicos, mas é um espírito vivo.
Problemas na visão
Danilo Soriano, doutor em
oftalmologia da USP, explica que a longa exposição à luz da tela do computador
tem efeitos oculares que acentuam a exaustão: “Prestar atenção nas
telas por horas seguidas faz que a gente fique muito tempo sem piscar”,
aumentando a chance de ressecamento ocular e de presbiopia, ou ‘vista cansada’.
Soriano recomenda soluções paliativas: uma pausa caso os olhos fiquem
irritados, ardendo ou lacrimejando; lubrificá-los para evitar um cansaço
excessivo; ou usar um protetor de tela.
“Os smartphones já
tinham nos colocado numa tensão constante”, afirma Zúñiga. Mas não se
revelou verdadeira a ideia de que permanecer no lar é melhor: “Ao
contrário, as pessoas estão ainda mais sobrecarregadas nas suas casas”. A
psicóloga recomenda conferir se é o caso de deixar a conversa para depois, ou
então marcar um horário: “A melhor coisa é ser sincero e dizer que não
pode falar naquele momento, sem rodeios”.
Fim do relacionamento
O especialista em
comportamento André Spicer afirma que as videochamadas tornam irreais os
contatos. Diante da tela perdemos muitos sinais indispensáveis na vida real,
como o cheiro da sala ou detalhes em nossa visão periférica. Esses dados
adicionais nos ajudam a entender o que se passa. Quando eles inexistem, nosso
cérebro multiplica o trabalho para entender, e às vezes chega a uma conclusão
errada. Por exemplo, um estudo do desempenho virtual de candidatos em
entrevistas de emprego mostrou resultados piores que quando entrevistados
presencialmente.
Outro estudo descobriu que
num seminário virtual os médicos se concentravam no apresentador, e só no
comparecimento presencial focavam a razão de ser do encontro. Os juízes que
deviam julgar casos de refugiados por asilo mostravam-se inseguros nas
entrevistas por vídeo, além de seu entendimento ser pior. Descobertas as
fraquezas do método, as partes são propensas a enganar os juízes, que ficam
menos capazes de detectar as falsidades.
Na conversa online se
perde o contato com a personalidade, porque “não há espaço para um
papinho paralelo, um comentário baixinho para um amigo que está no bar com
você, ou um olhar atravessado para um colega de trabalho que vai lhe entender
do outro lado da mesa. Quando você chega numa reunião no escritório, tem aquele
papo no café, tem um tititi antes. Esse tititi, em geral, nós perdemos [no
online]. Não tem um social que envolve o trabalho, não tem como olhar na
expressão das pessoas se aquilo causou algum incômodo ou tédio. Com tanta
gente, você perde a individualidade”. É o que explica a psicóloga Maluh
Duprat, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da
Informação e Comunicação da PUC-SP. Também diminui nossa capacidade de ‘medir a
temperatura’ do ambiente da conversa. Sem uma leitura corporal, é difícil saber
se a fala é bem-vinda, quando encerrá-la ou outras decisões ditadas pela
percepção das atitudes psicológicas.
No contato virtual, os
colegas de trabalho ou os alunos de um curso perdem a sensação de pertencerem a
um grupo. Estudos observaram que assim os mestres não podem ‘ler’ a sala de
aula ou a equipe de estudo; isso é danoso para a interação aluno-professor; e
gera piores desempenhos. Para os chefes o dano é maior, pois não podem julgar a
acolhida dos empregados ou dependentes, não conseguem encontrar expressões de
concordância, desacordo ou tédio.
Quem modera uma ‘live’
fica facilmente perdido, diz Duprat. Pode ser que o outro desligue a câmera
porque tinha uma necessidade, ou foi embora por desgosto: “Você não tem
como saber se o sujeito foi fazer outra coisa, ou o quanto dele está ali”.
Funcionária do Capitólio da Virgínia, nos EUA, monitora
uma reunião de Zoom entre membros da Casa.
Presença, papel e caneta levam a melhor
Os intérpretes da ONU e da
União Europeia sentem-se escravizados pelo sistema. E os terapeutas dizem
que “perdem a conexão” com seus pacientes nas consultas por
vídeo (telemedicina). Outra análise verificou que os funcionários remotos
padecem uma forma de exílio, pois se sentem esquecidos. Spicer recomenda
arranjar outras atividades durante uma ‘live’: fazer pausas; afastar-se da tela
para refletir e se recuperar; desligar a câmera; considerar que há formas de
comunicação mais eficientes que as videoconferências.
Há momentos em que funciona
melhor não ter comunicação e permanecer em silêncio. Até papel e caneta levam
vantagem, pois constatou-se que um agradecimento escrito manualmente deixa os
destinatários muito mais felizes.
Sedentarismo danoso
Longas horas em ‘lives’
levam a um nível prejudicial de sedentarismo. Mesmo as pessoas não ativas
sofrem agora com a falta de pausas para alongamentos, beber água, até para ir
ao banheiro. Os intervalos para o cafezinho são escassos, e o tempo para fazer
algum exercício é quase nulo. Por isso o Prof. Jeremy Bailenson, que liderou
estudo da Universidade Stanford, julga necessário fazer pausas periódicas para
refrescar o corpo e a mente. Segundo a neurocientista Thaís Gameiro, doutora
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enquanto funcionarem
plataformas como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams,
alertas de exaustão estarão sendo enviados para o seu cérebro.
De todas as empresas
procuradas pela reportagem do caderno LINK do jornal “Estado de S.
Paulo” (abaixo citada), apenas o Google não se pronunciou.
A Zoom acolheu conselhos para moderar o uso de sua plataforma.
A Microsoft pesquisa desde o ano passado os danos das ‘lives’
aos usuários. Mas parece pouco. Pelo jeito, a única saída é adotar pausas para
caminhar, ir ao banheiro e beber água periodicamente; e, sempre que possível,
ficar com a câmera desligada. Reservar um local de trabalho para as chamadas
virtuais também pode ajudar o corpo a entender quando é hora de descanso e
quando é hora de trabalho.
A memória rateando
Ronald Fischer, psicólogo e
pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) da Victoria
University de Wellington, Nova Zelândia, afirma: “No Zoom, Teams, Skype
ou outro, muita informação visual é cognitivamente cansativa. […] Estudos
demonstram que a memória funciona melhor quando se liga a ambientes
específicos. Quando voltamos àquele ambiente, ele nos ajuda a recordar a
experiência. Sem ambiente fica mais difícil para o nosso cérebro guardar todas
essas reuniões”.
Pequenos atrasos na conexão
afetam negativamente a forma como vemos uns aos outros. Um delay de
1,2 segundos traz ao nosso subconsciente a impressão enganosa de que a outra
pessoa é menos amigável. Afinal, o outro pode montar um ambiente artificial, ou
introduzir um fundo de tela que não tem nada a ver com o local em que está, e
mudá-lo como preferir. Outro estudo mostrou que o distanciamento reduz a
empatia pelo próximo. “A esquisitice aumenta se as pessoas não estão
familiarizadas umas com as outras. Elas não têm conhecimento prévio da
personalidade do outro ou como ele fala”, afirma a pesquisadora Katrin
Schoenenberg.
Por que é cansativa a tela virtual
No site TAB Reporteres na rua, Luiza Pollo chegou a uma conclusão mais direta: “Todo mundo está exausto de conversar por vídeo”. Já para Fischer, sentir-se extenuado depois de uma longa conversa por vídeo é normal, sendo o estresse diretamente proporcional ao número de participantes da ‘live’. Nosso cérebro fica atento principalmente a pessoas e animais, a seus movimentos ou gesticulações. Nós prestamos sempre atenção às expressões faciais e aos movimentos dos colegas, e até dos pets. Isso é muito “diferente de olhar para uma única pessoa falando por vez; no computador ou no celular, todos estão te encarando” – ou, pelo menos, essa é a sensação.
Elisa Brietzke, psiquiatra e professora da Escola Paulista de Medicina, explica que o cérebro precisa reconhecer sinais corporais que complementam a fala. Mas as ‘lives’ eliminam tudo o qu caracteriza uma conversa presencial: falar, gesticular, fazer
caretas etc., são coisas que compõem a sobrevivência do relacionamento humano.
O caderno LINK, do
“Estado de S. Paulo”, apresenta conclusões análogas. Por exemplo, Gabriela
Costa, 25, professora de inglês e mestranda em Geografia, sofreu utilizando o
sistema Zoom nas suas salas de aula. “A gente fica muito mais
cansada. Quando termina a aula, só me jogo na cama”. A Dra. Thaís Gameiro
explica que a sensação de estar sendo monitorada por muito tempo tira o
conforto do contato presencial. “Diante da tela, ficamos olhando o
tempo todo para o nosso rosto como se a gente estivesse olhando para um
espelho. O usuário pode correr o risco de se desconectar mentalmente do que
está fazendo para se analisar”. Assim o explica Sylvia van Enck,
especialista em dependência de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas. Segundo ela, a nossa própria imagem transmitida na tela
joga contra. A Dra. Thaís completa, dizendo que ficar a maior parte do tempo se
olhando pode entrar na conta da fraqueza extrema.
Conselho dos especialistas: evitar o vídeo
No final de fevereiro de
2020, uma pesquisa da Universidade Stanford mostrou que a exposição excessiva
às videochamadas é prejudicial a curto e longo prazo. Entre os sintomas estão
dores de cabeça, depressão e crises de ansiedade. Por isso, o conselho dos
especialistas é evitar o vídeo.
O Prof. Bailenson liderou a
pesquisa e detectou vários fatores degradantes da percepção. O primeiro é uma
espécie de estresse, por tornar-se o “centro das atenções”. Cada
participante recebe o tempo inteiro os olhares do grupo postos sobre ele, e um
painel de teleconferência pode ter dezenas de olhares diferentes e/ou desconhecidos.
A pesquisa de Stanford vai
além da recomendação, e é categórica: desligue a própria imagem. Bailenson
afirma: “No mundo real, se alguém estivesse seguindo você
constantemente com um espelho, de forma que enquanto estivesse falando com as
pessoas você estivesse se vendo num espelho, isso seria loucura”.
O equilíbrio necessário
No seu conjunto, as
conclusões dos autores citados são válidas e úteis como advertências, pois
abordam as consequências negativas do uso intensivo, muitas vezes abusivo, de
instrumentos desenvolvidos na esteira de uma mentalidade moderna,
superconectada, revolucionária. Evidentemente, tudo isso pode trazer consigo
consequências indesejáveis como as que foram apontadas. No entanto,
considerados em si mesmos, esses instrumentos podem se prestar ao uso útil,
sério, necessário, quando feito moderadamente e sem os abusos aos quais também
se prestam.
Entre os muitos efeitos de
uma guerra, como um exemplo analógico, pode ser destacado o conjunto de ruídos
ensurdecedores produzidos por bombas, aeronaves, canhões, tanques de guerra e
toda a parafernália, que no entanto é indispensável para enfrentar e derrotar o
inimigo. Além das mortes, destruições e outros prejuízos conhecidos, constam
também no campo médico as neuroses de guerra e outros males como endemias,
epidemias e pandemias, muitas das quais surgiram depois das guerras, como suas
consequências diretas ou indiretas. E grandíssima parte dos atingidos nem
sequer participou do esforço de guerra.
O mesmo se pode dizer sobre
outros utensílios aceitos e de uso generalizado, como computadores, celulares,
televisões, rádios, automóveis. A decisão de utilizar ou não tais instrumentos
úteis, mas potencialmente perigosos para os incautos, cabe portanto a cada um.
O sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver,
caraterísticas da sociedade em geral durante a Idade Média
Lucidez e coerência em usar e não usar
Sobre este
assunto, transcrevemos a seguir um comentário esclarecedor do Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira. Como se verá, ele sempre foi adepto incondicional da calma,
de períodos de silêncio, da reclusão voluntária para pensar tranquilamente. Mas
nunca deixou de utilizar – sempre que necessário para combater a Revolução –
instrumentos que também são úteis à Revolução. E o fazia recomendando a mesma
atitude aos seus seguidores, como também o fez no seu livro “Revolução e
Contra-Revolução”:

“Tender para os grandes meios de ação – Em princípio, é
claro, a ação contra-revolucionária merece ter à sua disposição os melhores
meios de televisão, rádio, imprensa de grande porte, propaganda racional,
eficiente e brilhante. O verdadeiro contra-revolucionário deve tender sempre à
utilização de tais meios, vencendo o estado de espírito derrotista de alguns de
seus companheiros que, de antemão, abandonam a esperança de dispor deles porque
os veem sempre na posse dos filhos das trevas” (parte II, cap. VI, 1).
Estas
diretrizes, que Plinio Corrêa de Oliveira praticou eximiamente ao longo de toda
a vida e recomendou aos seus seguidores em sua obra-prima, não contradizem em
nada a vida plácida, pacífica, estável e tranquila que também levou e
recomendou aos seus seguidores em conferência de 28-2-1991:
“Em geral, as
iluminuras da Idade Média representam o operário trabalhando no seu métier,
a dona de casa cozinhando ou costurando, ou o calígrafo desenhando uma letra,
com algo que eu não me farto de admirar: o sossego, a estabilidade, a
tranquilidade e o gosto de viver; fazendo o mesmo trabalho que leva dias,
meses, às vezes anos; sem pressa, contanto que saia perfeito.
“Sem esse estilo de vida,
o mundo enlouqueceria. O pequeno burguês, o operário qualificado ou não, o
pedreiro medieval podiam passar anos cinzelando uma coluna, sem pressa, sem
aflição. Paravam o trabalho na hora de rezar o Ângelus, iam para casa,
encontravam a mulher preparando o jantar. Sentavam-se, os filhos se punham em
torno deles, calçavam uns chinelões e contavam histórias da família, dos
antepassados, da região; liam um trecho da Escritura, da vida dos Santos.
“Essa estabilidade eu
ainda peguei muito, porque em frente de minha casa, na Rua Barão de Limeira,
havia um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores
famílias de São Paulo. Eu achava a vida deles muito mais sossegada do que a
nossa. E eu, que sou amigo do sossego, suspirava: ‘Afinal, eles lá ficaram com
o melhor da vida’.
“O medieval compreendia o
nexo do mais alto e sobrenatural com o menor, com coisas sem importância. Uma
dona de casa preparava as malas para ir passar uma temporada na casa de uma
prima, lembrando de Nossa Senhora indo visitar Santa Isabel, num ambiente
densamente impregnado de aroma sobrenatural”.
Quando concluí a leitura
deste texto de Dr. Plinio, perguntei-me se não estou num mundo insano de
teletrabalho, videoconferências, comunicação digital, pandemias, lockdowns,
políticos corruptos, crises econômicas etc. E pensei: Como seria bom estar
junto a um camponês, um burguês ou um castelão, imerso naquela imensa paz e
perfume sobrenatural da vida medieval. Mas para chegarmos a algo pelo menos
parecido com isso, temos de empreender esforços gigantescos a fim de derrotar a
Revolução gnóstica e igualitária. Sem menosprezar os recursos que a própria
técnica revolucionária coloca ao nosso alcance.
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Notas:
1. https://www.folhape.com.br/noticias/vide[1]oconferencias-e-excesso-de-chamadas-
-causam-exaustao-na-pandemia/143760/
2. https://epocanegocios.globo.com/Carreira/
noticia/2020/06/como-videochama das-podem-te-deixar-emocionalmente-
-exausto.html
3.
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/08/por-que-todo-mundo-esta-exausto-de-conversar-por-video.htm
4. https://link.estadao.com.br/noticias/cultura-digital,videochamadas-sao-uma-usina-
-de-exaustao-e-estudo-mostra-os-motivos,70003646089
5. Plinio Corrêa de Oliveira, conferência em 28-2-91. Sem
revisão do autor.
https://www.abim.inf.br/agitacao-insana-das-lives-contraposta-a-paz-no-convivio-medieval/
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