28 de dezembro de 2020
Péricles Capanema
2021 está na esquina. Quantas diferenças em um
ano! Sobre um ponto quero abaixo compartilhar reflexões. Quase mais nada existe
da generalizada atmosfera de superficial otimismo que perpassava dezembro de
2019. Em linhas muito gerais, a economia crescia, Trump tinha a reeleição
provável, a via de novas conquistas parecia aberta para grande parte da
população. O que gerava a sensação de segurança, de rumo e de perspectivas
realizáveis, condições favoráveis ao equilíbrio emocional. Dava para caminhar.
De repente se fechou o carreiro ascensional, o mundo afundou, apareceram
abismos antes encobertos pelo otimismo generalizado. Já em fevereiro a pandemia
do COVID-19 veio forte, logo depois as cidades foram fechadas e as ruas ficaram
desertas. Empresas faliram, explodiu o desemprego, milhões e milhões
despencaram na pobreza. Os governos abriram as burras para auxílios
emergenciais e o déficit fiscal disparou. De outro lado, a pandemia provocou
intensas disputas entre grupos políticos, o choque das opiniões esgarçou ainda
mais a sociedade. A recuperação, se vier, será difícil. E não deveria ser
apenas econômica. Comentarei abaixo a respeito.
Joe Biden ganhou nos Estados Unidos à frente de coligação que inclui
correntes radicalizadas, socialistas e libertárias. Ele terá que satisfazê-las
(e já as está contemplando na alta administração) ao cumprir compromissos
assumidos na campanha. O que virá dali? É ponto que exige atenção e preocupa.
Observei que a recuperação econômica, se vier, será difícil. Como todos sabem,
suporá a aplicação de vacinas seguras, fazendo realidade a imunidade de
rebanho. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, advertiu que os
investimentos em vacinas contra a COVID-19 são muito mais baratos que as
aplicações em auxílios emergenciais. Deseja aplicações maiores e urgentes. É
preocupação do mercado, lembrou ainda: “Há uma disputa por vacinas.
Quem terá a vacina primeiro e como a logística será feita muda todos os dias.
Estamos concentrados nas vacinas e o mercado também”. Na mesma direção,
advertiu Marcelo Pacheco, secretário executivo do ministério da Fazenda: “Com
a vacina a população vai se sentir mais segura e, com isso, a economia vai se
recuperar. Temos feito de tudo para prover os recursos necessários para a
vacinação”.
População protegida, disseminação controlada, é o objetivo. Canadá,
Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra já estão vendo luz na boca do túnel.
Outros países vão no mesmo rumo. Nós também, só que com passos lerdos. Ainda
preparamos a caminhada; brigas, desleixo, obsessões, cegueira, incompetência,
impediram-nos de atender populações expostas, como, por exemplo, agora o fazem
Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros. Quando tal fato se dará no Brasil?
Ninguém sabe ao certo; é triste, chapinamos no pântano dos palpites.
Duas características que provavelmente permanecerão: o “home office” e o
aumento dos pagamentos e compras pela rede. Não tratarei aqui de modificações
psicológicas, morais, políticas, tema muito vasto.
Falei de equilíbrio emocional, sensação de segurança, sensação de rumo,
perspectivas realizáveis. Acabaram, veio a desorientação. E há motivos. Será
dura a recuperação, tempos difíceis pela frente, o déficit fiscal vai pesar por
anos. Empregos melhores e rendas em aumento, se vierem, chegarão em
conta-gotas. Medidas que poderiam ajudar a retomada do crescimento, com o
consequente alívio, em especial para os mais pobres, comportariam enérgico
programa de privatizações, diminuição do tamanho do Estado, cancelar programas
malucos como a reforma agrária. Mas temos tumores de estimação no corpo social,
parece que não podem ser tocados. E aqui se unem pessoas de todas as correntes,
congregadas pelo objetivo de preservar dentro do corpo social os tumores de
estimação. As advertências melancólicas do Dr. Salim Mattar são apenas um
sintoma, significativo embora, de tal realidade desoladora.
Agora, o ponto que pretendo destacar tem relação com o equilíbrio
emocional. Seria trágico repetirmos o que aconteceu nos anos 20 do século
passado, “les années folles”, os anos loucos. O povo, cansado da guerra,
cansado da gripe espanhola, jogou pela janela o sofrimento, não fez dele
pedestal para a formação do caráter e raiz de vida temperante; e lançou-se na
folia, quis esquecer tudo o que havia passado. Poucos anos depois o sofrimento
e as privações voltaram multiplicadas, era a 2ª Guerra Mundial. Não lancemos
nós agora o sofrimento pela janela. Não passou ainda, pode demorar algum tanto
a volta à normalidade e 2021 começa com a sensação de falta de rumos.
Desorientação. Um ponto deveria estar sendo cogitado: não desperdiçar o
confinamento, o sofrimento e as privações, mas fazer desse depósito pedestal
para a formação do caráter. Nutrimento da temperança. Já será grande coisa. Que
Deus nos ajude. Bom Ano Novo a todos.
https://www.abim.inf.br/ano-novo-na-desorientacao/
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