O Pequeno
Franzino Lua
Cyro de Mattos
O futebol de Itabuna, digno de seu passado amador brilhante,
quando era vencedor constante, dava orgulho à cidade. De uns tempos para cá se
tornara em grande frustração, abatendo o torcedor de gerações passadas,
acostumado a comparecer ao velho Campo da Desportiva para torcer com entusiasmo
pelo seu time do coração. A frustração que esse torcedor saudoso carrega
dentro dele hoje força que acenda o coração no sentimento de amor e saudade. De
grandeza, autoestima. Lembre-se do tempo em que esse futebol amador foi pródigo
em oferecer partidas memoráveis, portadoras da verdade como reflexo da vida,
dizendo que nela existe a alegria dos que vencem, a tristeza dos que perdem,
conformismo ou não dos que empatam em cada batalha.
Eram quatro irmãos, quatro craques do nosso
futebol amador. Os quatro irmãos Riela formaram um capítulo à parte nas
partidas disputadas no Campo da Desportiva. Eram conhecidos como os quatro
mosqueteiros do rei, pois constante era o sentimento de união entre eles no
relacionamento com a vida. Fernando, Carlos, Leto e Lua eram inseparáveis. A
separação somente acontecia quando iam defender as cores de seu clube. Carlos e
Fernando jogaram no Fluminense, Leto no Flamengo e Lua no Janízaros. Quando se
enfrentavam, o sentimento de irmandade ficava de lado, cada um dava o melhor
para defender o seu time. Os quatro eram jogadores dotados de recursos técnicos
invejáveis. Cada um com a sua característica na intimidade com a bola.
Fizeram história no Campo da Desportiva. Fernando como um
ponta-esquerda que driblava numa velocidade espantosa, deixava o marcador para
trás, batido pelo chão, e o torcedor incrédulo ante a investida impetuosa,
fundamental na conclusão da jogada perfeita pela beirada do campo. O
meia-direita Carlos tinha boa visão de jogo, não olhava para a bola, de
cabeça erguida via o companheiro e o campo para o lançamento preciso. Era
um médio armador elegante. Leto jogou no Flamengo e se sagrou campeão pela
seleção de Itabuna, médio-esquerdo implacável na marcação, com
uma eficiência exemplar anulava o ponta-direita, que pouco pegava na bola
durante os lances acirrados da partida.
Lua, o mais
novo, era dos quatro o que mais encantava, fazia o torcedor ficar com a boca
larga, de tanto que sorria com os seus dribles desconcertantes. Parecia flutuar em campo na condução da bola,
um pássaro que se desvencilhava do obstáculo e no chão voava? Gingava,
driblava, enganava, aquele jogador franzino transvestido em um artista que
desenhava a jogada como num sonho. Fazia a tabelinha com o companheiro,
deslizava, bailarino ou vento ligeiro que fazia o espetáculo pontilhado de riso
e gozo?
Os
admiradores de Lua não cansavam de dizer que dos irmãos Riela ele era o melhor,
o que tinha mais recursos técnicos, o pequeno maior. Jogou no Janízaros e na
seleção amadora de Itabuna quando esta começou o declínio para não mais
conquistar o Intermunicipal. O seu futebol era de tão boa qualidade que
foi aproveitado no time profissional do Itabuna. Tinha recursos para jogar em
qualquer time grande do Rio ou São Paulo. Se fosse hoje, não tenho dúvida,
melhor preparado fisicamente, estaria atuando até em equipes europeias de ponta.
Por que não? Quem viu, sabe do que estou falando, não me deixa mentir.
Aquele
jogador franzino, travesso em cada drible que dava, deixou-nos há pouco, está
em outras dimensões fazendo os anjos não parar de sorrir com os seus dribles cheios
de molecagem.
Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta,
romancista, organizador de antologia, autor de livros para crianças e jovens.
Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela
Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e
México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e
Dinamarca. Detentor de prêmios importantes
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