Caro Sidarta Ribeiro, nem imagina como foi bom participar de
uma live com você. Há instantes em nossa vida em que, se estivermos abertos,
descobrimos que algo se passou e continuamos a viver um pouco diferentes. Ao
longo da vida, criamos cracas, assim como as antigas caravelas viviam cheias
delas agarradas ao casco e que diminuem a velocidade na navegação. É preciso
limpeza de tempos em tempos. Você, de cara, me conquistou ao contar que meu
romance Não Verás País Nenhum te abalou aos 12 anos. Pronto, me
entreguei. Conversar contigo durante hora e meia, na live promovida pelo
Fernando Quintino e pelo Daniel Brandão, meu filho, foi um upgrade para mim.
Sabia quem você era quando me convidaram, te vi no Roda
Viva, um dos melhores dos últimos anos. Minha falha foi ainda não ter lido seu
livro O Oráculo da Noite, mas já encomendei. Mas veja que curioso. Tenho
83 anos e você 49. Portanto 34 anos nos separam, o que é bastante nestes tempos
em que tudo gira em velocidade. Durante nossa conversa deveria ter dito uma
coisa, não disse. Mas teríamos tido mais assunto. Quando você nasceu em 1971 eu
tinha 35 anos e começava a preparar a edição brasileira da revista Planeta,
cujos direitos Luis Carta tinha comprado da França. A Planète foi
criação de Louis Pauwels e Jacques Bergier, que criaram o realismo fantástico
em um livro que viralizou no mundo, O Despertar dos Mágicos.
Do que se ocupava a revista? O poder da mente dos povos
primitivos, a transmissão pelo pensamento, a neurociência, o movimento do
pensamento alquímico, as civilizações desaparecidas, o universo paralelo, o
poder dos raios, os extraterrestres, a existência das fadas, alucinógenos, LSD,
o poder da plantas, xamãs, religiões orientais, as medicinas alternativas, a
mescalina, as portas da percepção (Huxley), a expansão da consciência, câmeras
que fotografavam o passado, a vida artificial, mistérios da água. Durante sete
anos editei a revista que foi um assombro, porque tratava de assuntos
insólitos, alguns proibidos. Lembre-se, era plena ditadura Médici.
Nunca me esqueço do artigo O Homem Vai Sobreviver?, de
José Maria Domènech, publicado em 1973, quando você tinha 2 anos. Ele indagava:
O homem vai conseguir chegar ao terceiro milênio? Respondia que sim, com a
ciência, a expansão dos microscópios e telescópios cada vez mais potentes, a
descoberta das chaves dos códigos genéticos, as ondas sonoras nas frequências
de hiperciclagem, as futuras descobertas científicas e as tecnológicas trazidas
pelas pesquisas cada vez mais amplas com recursos colossais poderão mudar o
panorama. Quase 50 anos depois, as perguntas continuam a ser feitas. A live da
qual participamos ligou uma chave entre passado e futuro para mim. E me fez
perguntar: e agora, Ignácio?
Este fui eu, Sidarta. E veja você. O primeiro Sidarta – ou
Buda – que me fez a cabeça foi o do Herman Hesse. Éramos muito jovens quando
lemos Hesse, Sidarta, Demian, O Lobo da Estepe. Depois, parece
que fiquei meio parado, quando devia ter continuado. Agora nos encontramos e
você me dá uma sacudida semelhante à que tive quando fiz Planeta e li
Hesse, Krishnamurti, Blavatsky e descobri planetas novos no conhecimento.
Aquela pergunta de 1973 na Planeta está sendo respondida. E o meu
descrédito no futuro do homem me deixou constrangido. Pessimista não sou. Mas
tinha pouca fé. Também lembro de uma frase de Curt-Meyer Clason, meu tradutor
para o alemão, quando me dizia que o “pessimista é um otimista com
experiência”.
Passo rápido pela velha discussão sobre acasos ou
coincidências – ou conectividades – sempre levantados. Neste momento, terminei
de escrever um longuíssimo depoimento que me fez refletir sobre nosso tempo e a
vida que levamos. É biografia de Hiroshi Ushikusa, psicoterapeuta que foi
cirurgião gastro e descobriu que mais eficaz do que o seu bisturi eram as
conversas e o entendimento de que as doenças de seus pacientes não eram físicas
e, sim, estavam no íntimo, na profundidade do espírito. Hiroshi é o quê? Um espiritualista,
praticante da Mahikari.
Na pergunta de nossos âncoras no final da live, você me
alertou, ou ensinou, que há novas ciências, novos processos de pesquisas, novas
mentalidades e possibilidades ao nosso alcance, com elementos tirados da
natureza, destinados à expansão do conhecimento e da consciência. Uma ciência
natural que pode afastar o homem dos caminhos a que ele está sendo conduzido
até agora, um tempo de depressões, traumas, aflições, medo, pesadelos,
martírios. Ciências e técnicas que nos afastarão do torpor a que estamos sendo
conduzidos por drogas sintéticas que nos escravizam, anestesiam e nada
resolvem. Sem falar dos sistemas políticos. Você me deu um grito: acorde. Você
vem dando esse grito: acordemos todos.
PS: Você percebeu que nem um minuto, um segundo, falamos de
política?
O Estado de S. Paulo, 19/06/2020
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Ignácio
de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11 da ABL, eleito em 14 de
março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.
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