Onde estiver, agora, o escritor Carlos Heitor Cony deve
estar sorrindo com as trapalhadas cometidas pelo governo de Rondônia, ao mandar
recolher 43 livros, a maioria do autor de “O ato e o fato”. A
determinação, depois revogada, incluída obras de Franz Kafka, Euclides da
Cunha, Ferreira Gullar e Rubem Fonseca, entre outros.
Parece incrível que essas coisas ainda aconteçam em nosso
país. Consequência, é claro, do clima que se armou no atual
governo. A desculpa é de que as obras vetadas contêm “conteúdos inadequados”
quando se referem a leitores como crianças e adolescentes, embora haja
incongruência como o veto a “Macunaíma”, de Mário de Andrade, obra normalmente
muito solicitada em exames vestibulares.
A violência da Secretaria de Educação de Rondônia atingiu
também o escritor Rubem Alves, morto em 2014, que se especializou em escrever
sobre educação. De onde terá saído tamanha barbaridade?
A acusação oficial de que há muita doutrinação nas escolas
brasileiras não justifica a censura aos nossos livros didáticos e
paradidáticos. Para serem distribuídos, foram antes objeto de uma
seleção por parte dos programas oficiais, que certamente não primam pela
coerência.
A essa decisão absurda devemos somar o que houve
recentemente, quando livros foram atirados pela janela de outra Secretaria de
Educação, sob a alegação de que estariam “ultrapassados”. Custa a crer
que exista entre nós tamanho desperdício.
Também é relevante pensar nas pessoas que promovem esse tipo
de censura. Quem são elas? Estudaram até que nível, para achar que livros
como “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, de Machado de Assis, “Mar de História”,
de Aurélio Buarque de Holanda, e “os Sertões da Luta”, de Euclides da Cunha,
são extremamente perigosos e devem por isso ser proibidos. Parece
piada de mau-gosto.
Sinceramente, achamos que isso tudo é resultado de um
descontrole oficial, a partir de posicionamentos dúbios do próprio Ministério
da Educação. O seu programa do livro didático parece uma nau sem rumo,
embora se reconheça a sua indiscutível importância. Não se trata de falta
de recursos financeiros, mas sim da ausência de uma orientação segura.
A Academia Brasileira de Letras protestou contra esse gesto
deplorável. Considerou um desrespeito à Constituição de 1988: “É um
despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de índice de livros
proibidos.”
Tribuna do Sertão , 17/02/2020
..........
Arnaldo Niskier Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL,
eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17
de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos
Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 1998 e 1999.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário