Entre Meninos no Internato
Cyro de Mattos
A turma dos menores
era a que tinha mais meninos no internato do colégio Irmãos Maristas, em
Salvador. A menor
de todas as turmas era a dos maiores. Havia
dezenas de meninos na turma dos médios. Em todas as turmas havia meninos e adolescentes gordos,
magros, altos, troncudos,
roliços, brancos, morenos,
mulatos e uns poucos de cor preta. Alguns alunos eram barulhentos, outros
recatados. Poucos alunos internos
procediam de cidades do Nordeste, a
maioria vinha dos municípios do interior baiano, dos quais alguns se destacavam em razão do tamanho, população até certo ponto grande e riqueza produzida por uma economia de bases
rurais, como Feira de Santana, Vitória
da conquista, Ilhéus e Itabuna. Outros meninos procediam de cidades do interior
baiano de porte médio, como Jequié, Alagoinhas, Juazeiro, Santo Amaro, Santo
Antonio, Nazaré das Farinhas, Cachoeira e São Félix. Havia menino nascido em cidade da qual nunca se tinha ouvido falar, como Xique-Xique.
Rodolfo, que tinha traços de índio, havia nascido em
Xique-Xique. Era o primeiro aluno da classe e o melhor atacante
do time. Garoto simples, de
origens humildes, muito comunicativo.
Achei graça e fiquei intrigado quando soube que ele tinha nascido em Xique-Xique, cidade de
nome esquisito. O que queria dizer Xique-Xique?
Havia algo de pejorativo colocado no significado desse nome, que só em
pronunciá-lo os garotos ficavam sorrindo? Rodolfo não ligava com as caras de
riso que os meninos faziam quando era
pronunciado o nome da sua cidade. Ele também ficava sorrindo. Mas era fácil perceber que ele amava a sua cidade natal, dizendo que ela
tinha um nome estranho, mas era muito atraente.Ficava em uma das margens do Rio
São Francisco. Tinha um povo hospitaleiro, alegre e trabalhador, vivendo da
pesca, criatório de gado e artesanato.
Perguntei:
- E por que sua
cidade tem esse nome estranho de Xique-Xique?
Rodolfo:
- Os primeiros
povoadores que por lá chegaram no começo do Brasil encontraram no lugar um
cacto em abundância, conhecido como xique-xique. Essa gente pioneira de tanto
se referir ao local onde existia muito dessa planta feito uma palma com espinho
terminou fazendo com que o lugar passasse a ser chamado de Xique-Xique.
Perguntei mais:
- Alguém já quis
mudar esse nome estranho pra outro que não provoque riso?
Rodolfo:
- Não sei, mas esse nome já está enraizado
no coração de cada xiquense-xiquense –
ele mesmo começou a sorrir com a expressão difícil que acabou de pronunciar –, o
que sei é que a terra onde nasci é um lugar cheio de belezas naturais, a começar pelo
rio São Francisco com suas dunas , um bom local para passeios. Tem um porto onde
atracam muitos barcos.
O recreio estava
aproximando-se do fim, mas antes que isso acontecesse, Rodolfo ainda teve tempo
para dizer que achava muito engraçado o nome Itabuna, “cidade onde você nasceu
e mora, não é mesmo?” Disse que esse
nome sempre lhe soou estranho.
Quis saber:
- O que
quer dizer Itabuna?
- A
professora de minha cidade disse que é um nome de origem indígena. Ita quer
dizer pedra e una, preta. Itabuna quer dizer lugar de pedras pretas. O b entre
o ita e o una ocorreu para que o nome Itabuna tivesse uma pronúncia melhor.
- E onde fica esse lugar de pedras pretas?
- Em vários trechos do Cachoeira, o rio que corta minha c
idade em duas bandas.
- É um rio grande?
- Não, mas para
nós, filhos de Itabuna, é o maior e o melhor rio do mundo, chamado pelo povo de
pai dos pobres.
- Sua cidade fica
onde? E tem o quê lá, além desse rio? -
insistiu.
- Fica no Sul da Bahia, região de muita roça de cacau. Tem o comércio maior e mais movimentado da
região. No
campo, ela produz muito cacau. Seu povo
é trabalhador e progressista, gosta de abrigar os forasteiros.
Antes de se despedir e se dirigir para o banho no pavimento
superior, Rodolfo convidou-me para conhecer Xique-Xique, demonstrando que seria
um prazer para ele se isso acontecesse um dia. Em retribuição disse que ficaria
também alegre quando ele quisesse passar uma parte de suas férias comigo em
Itabuna.
Cyro de Mattos é
ficcionista e poeta. Da Academia de Letras da Bahia. Possui prêmios importantes
no Brasil e exterior. Publicado também por várias editoras europeias. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade
Estadual de Santa Cruz.
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