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segunda-feira, 27 de maio de 2019

A IGREJINHA DE SANTO ANTÔNIO - Carlos Pereira Filho


            Tabocas foi aumentando, com o tempo. Cada dia que se passava crescia a sua população e as suas roças de cacau ampliavam-se. Os plantadores de cacau se embrenhavam para as matas no rastro dos bons terrenos, para os lados da Boa Lembrança, Preguiças, Virotes, Mutuns, Outeiro da Palha, Ribeirão de Areia, Boqueirão, Ribeirão da Lama, Jacaré, até Macuco. Os moradores locais começaram a dizer que Tabocas necessitada de uma igreja, porque terra sem Deus não andava para a frente. E citavam fatos, que comprovavam a influência do “capeta” solto nas ruas do povoado.

            Reuniram-se os maios graduados da localidade. Falaram sobre religião, discutiram sobre a construção da igreja. Firmino Alves, que era chefe, iniciou o trabalho de uma igreja grande, que não concluiu, mas Joaquim Batista de Oliveira edificou a capelinha de Santo Antônio, na qual o visitador, cônego Moisés Gonçalves do Couto rezava missa, batizava o povo e pregava os seus sermões, ensinando ao povo o temor de Deus e o amor ao próximo.

            Todavia, se o povo se tornava devoto, se as plantações cresciam, e as áreas do cacau se alargavam, se os fazendeiros melhoravam de sorte, a tranquilidade pública piorava, passava por graves agitações. Raro era o dia em que não se matava um cidadão. Raro era o dia em que não se registrava uma arrelia.

            Num dia de abril, Tabocas foi, de surpresa, atacada por um grupo de clavinoteiros procedentes de Conquista e de Belmonte. Morreram dois indivíduos e quatro ficaram feridos. Mas o povo não correu, o povo lutou, até os clavinoteiros recuarem. Naquele tempo o povo não corria, nem mesmo havia para onde correr, desde quando as matas se apresentavam ainda mais terríveis, com o domínio dos bandidos.

            As providências pedidas para a Capital davam melhor ideia doa que se passava em Tabocas: “Manuel Bomfim Neto, indivíduo sem profissão decente, à frente a força pública Tabocas cometendo depredações toda ordem, comércio fechado, população horrorizada. Homens ordeiros trabalhadores e até fazendeiros barbaramente espancados, no tronco. Minha residência, negócio, fazendas, sofrendo grandes prejuízos, com vida arriscada. Peçam Governo providências. Tabocas em paz antes chegada destacamento pedido para desabafo paixões Manuel Bonfim criminoso morte é quem dirige polícia”. E terminava: “Tabocas não precisa soldados, quais devem retirar-se bem da ordem progresso lugar”.

            Dias depois, um outro despacho explicava: “Os abaixo assinados, negociantes Tabocas, protestam contra a revoltante calúnia publicada jornal dia 19 em que diz que a força pública tem cometido absurdos. Ela é garantia ordem pública. O sargento comandante procede corretamente. Pedimos conservação destacamento em bem da ordem pública”.

            As cenas de sangue, entretanto, prosseguiam ao ponto de os cronistas registrarem que o distrito “continuava a ser palco de arbitrariedades das autoridades policiais, de saques de estabelecimentos comerciais, de assassínios, espancamentos, prisões, indo e vindo os jagunços à vontade por toda a parte, sob a proteção dos mandões da terra”.

            E, aliviando o alarma sobre tais desmandos, os mesmos cronistas escreviam: “Esta é um fenômeno familiar das paragens recentemente exploradas, que pela abundância das suas riquezas naturais atraem forasteiros de todas as condições sociais”. Assim, aconteceu no Acre, no Amazonas, nas zonas diamantíferas das Lavras, do Salobro e no rio das Garças”.

            Tabocas não podia fugir à regra. No seio fecundo das suas ubérrimas terras, o sangue dos heróis anônimos sacrificados pelo ideal do trabalho tinha de ser o resgate da opulência, que hoje resplandece nos cacauais e na riqueza do seu povo progressista.

           
(Capítulo VI do livro TERRAS de ITABUNA)
 Carlos Pereira Filho.


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