4.5 Os batismos e o amadurecimento da fé
Finalmente, a plenitude dos tempos havia chegado para Boqueirão. No dia
26/3/1918, numa terça-feira, depois de muita lama e três horas de caminhada, o
colportor e obreiro Zacharias Martins Rodrigues chegava e gentilmente foi hospedado
na casa de João Roberto Ramos. Mesmo local onde eram realizadas as reuniões
sabáticas. Sem demores, iniciou estudos bíblicos acompanhados por 70 pessoas.
No sábado seguinte, 30/3/1918, estabeleceu a primeira Escola Sabatina com a
presença de 35 adultos e 12 crianças. Todos ávidos por ouvir a mensagem
bíblica. Imagino que o tema do sermão no culto divino tenha tratado da Paixão
de Cristo, pois o dia anterior foi sexta-feira santa. Todas essas atividades foram possíveis de
serem efetivadas por Zacharias, mesmo não sendo ele portador de curso teológico
ou ter recebido ordenação de ministro. A administração do batismo e da Santa
Ceia somente poderia ser concretizada por um pastor ordenado.
O pastor
Ricardo J. Wilfart veio de Pernambuco, onde morava, para visitar o Estado da
Bahia, e Boqueirão, em hipótese alguma, ficaria de fora da sua agenda. A festa
batismal, envolvendo doze almas, ocorreu em oito de abril de 1918 à beira do
ribeirão do mesmo nome e foi sucedida por celebração da Santa Ceia, no local
das reuniões já rotineiras. Wilfart narra da seguinte forma o acontecido: “No
dia 8, fomos [de trem de ferro – provenientes de Ilhéus] para Itabuna e de lá
dirigimo-nos a pé para uma fazenda de cacau, denominada Boqueirão que fica a
distância de três léguas de Itabuna. Era essa a primeira vez que aquele povo
recebeu a visita dum ministro do
Evangelho, e batizaram-se ali 12 pessoas”. O oficiante admirou-se com o
conhecimento que possuíam da Bíblia e disse que “com grande surpresa minha,
notei que havia ali um grande número de pessoas já bem instruídas”.
O obreiro Zacharias Martins Rodrigues conta o
ocorrido assim: “Este irmão [Pr Wifart] chegou no dia 5, e no dia 8 tornamos a
Boqueirão, onde 12 almas receberam o batismo onde também celebramos a Santa
Ceia”.
A sede
daqueles camponeses pela Água Viva (João4:14) não ficaria por aí. Outros
rurícolas ansiavam pela mesma decisão. Wilfart continua seu relato dizendo que
“há ainda muitos outros naquele lugar que desejam dar esse passo, mas não o
fizeram nessa ocasião por motivos diversos. Se Deus nos ajudar, teremos daqui a
pouco um excelente grupo de testemunhas do poder do Evangelho naquela zona”.
Em julho
do mesmo ano de 1918, o ministro retorna ao Boqueirão quando mais seis pessoas
selam sua fé com Jesus por intermédio do batismo.
Pronto! Eis estabelecido o Adventismo nestas
terras! Estava constituída a segunda igreja mais antiga da Bahia. O pastor
Gustavo S. Storch, quando morou neste Estado, por volta de 1922, reconheceu o
pioneirismo desse centro de adoração quando o classifica dentre os povos
existentes, registro incluso em seu livro Venturas e Aventuras de um Pioneiro:
“já existiam alguns adventistas na Capital, no Pontal de Ilhéus, no Boqueirão
(perto de Itabuna) e no alto sertão do Estado”.
No início,
a igreja consistia de parte de componentes de cinco ou seis famílias. Dentre os
primeiros a receberem o batismo do Rio do Boqueirão, entre os anos de 1918 e
1919, podemos citar: João Roberto Ramos, Senhorinha Oliveira Ramos (esposa de
João Roberto), Maria Ramos Lins (filha mais velha de João Roberto), Horácio
Alves Lins (esposo de Maria Ramos), José Roberto Ramos (filho de João Roberto),
Ana Oliveira Ramos (estudou no CAB – filha de João Roberto), Antonia Oliveira
Ramos (filha de João Roberto), Genoveva França Jacó, Joaquim Alves de Melo,
Rosa de Melo, Delfim Bastos, Matilde
Bastos, Lúcio França Batista, Pedro França Batista, Ernestina França Batista
(esposa de Pedro França), José Francisco Araújo, Jovina França Batista (esposa
de José Francisco), Josefina Jacó Ramos (filha de Genoveva e esposa de José
Ramos), Francina Evangelista dos Santos e seu esposo, Vitória Preta e Maria
Gracinda de Góes Melo (filha de Joaquim de Melo e Rosa de Melo).
A
congregação cresceu. O pastor Frederico W. Spies, mesmo como presidente da
União Sul Brasileira dos ASD, mencionou o crescimento da obra no Nordeste,
fazendo alusão ao batismo do Boqueirão assim: “Do mesmo modo que em Pernambuco,
progride também a obra na Bahia. Há pouco foi batizado um número de crentes em
Itabuna, no Sul deste Estado”. Já Wilfart, responsável local pelas missões, em
1918, lança loas à congregação local:
“Muito trabalho tem sido feito por
esses fiéis irmãos, e
agora se estão
preparando para edificar uma casa
decente para cultos, e uma
escola
paroquial; tudo isto como resultado de
umas poucas páginas dadas, que
continham a verdade para este tempo.
Irmãos, espalhemos mais literatura,
para
que a seu tempo ceifemos”
No mesmo
ano. Boqueirão já aparece no quadro do relatório de dízimos do segundo semestre
de União este Brasileira, juntamente com as igrejas de Pontal (Ilhéus),
Genipapo, Plataforma (Salvador) e Maceió/Al.
A
membresia de Boqueirão cresceu a ponto de sua quantidade ser destaque na Missão
Este Brasileira (Bahia, Sergipe e Alagoas) e, logo q seguir, Missão do Estado
da Bahia (Bahia e Sergipe). O Relatório da Escola Sabatina do terceiro
trimestre de 1918 acusa 33 membros assistentes. No último trimestre de 1918, o
relatório já indicava 51 membros na congregação, configurando assim a maior
quantidade de membros da Missão Este Brasileira, feito repetido em todo o ano
de 1919, já com a criação da Missão Bahia, aumentando o número de membros para
54, mais do que o dobro da igreja seguinte, Pontal de Ilhéus, que possuía 24.
Depois das primeiras cerimônias
batismais, as atividades denominacionais foram estabelecidas de forma a se
perpetuar a comunidade adventista e garantir a organização nas liturgias. Como
todos eram neófitos, alguém teria que assumir a liderança da comunidade. A
assistência pastoral era por demais dificultada pela ausência de ministros
ordenados, bem como pela geografia avantajada do campo baiano.
Nos anos
subsequentes, até 1920, por escolha unânime, João Roberto Ramos sempre era
escolhido como diretor dos cultos. Até que um fato estranho ocorre!
Era
costume se escrever, previamente, sermões doutrinários ou admoestativos em casa
que, depois, seriam lidos perante a corporação nos dias de culto; ou mesmo
produzir-se artigo que seria posteriormente encaminhado para publicação na
Revista Adventista. Uma dessas anotações da lavra de João Roberto foi
preservada, na íntegra, onde podemos hoje ter uma noção das preocupações que
rondavam a mente do patriarca quando objetivava edificar sua congregação. O
escrito é datado de 22 de março de 1920, o qual ele pretendia que fosse
conhecido em momento oportuno, conforme se constata em suas linhas finais.
Ele
iniciou a alocução informando ao leitor da escolha dele para ficar à frente das
reuniões. Em seguida, advertiu sobre os perigos de se conhecer doutrinas
espúrias por meio da leitura de literatura não adventista. Certamente,
pretendia manter intactos os ensinos arduamente apreendidos naquele lugar.
Contou de sua ida aos Correios de Itabuna em busca de correspondências, tendo
sido surpreendido por uma encomenda que não pediu, ou seja, um livro a ele
endereçado. Surpreso, leu-o e refletiu sobre seu conteúdo, tomando de imediato
uma decisão: “depois de ler e meditar um pouco resolvi coloca-lo no mesmo
invólucro, riscar meu nome e aplicar a palavra ‘devolvido’ e tornar a colocar
nos Correios onde recebi”. Vê-se aí a convicção depositada nos ensinos bíblicos
por ele aceitos! Entendeu que o teor contido da
publicação poderia manchar seu cristianismo e posteriormente desviá-lo
da fé, tão alegremente e persuadidamente recebida.
No sábado
seguinte, 20 de março de 1920, tornou os fatos narrados acima conhecidos por
todos os seus irmãos. Pelo contexto explanado, entendeu ele que a literatura
que lhe seria comprometedora lhe foi enviada exatamente numa tentativa de
incutir em seu intelecto ensinos contrários àqueles que lhes seriam importantes
para o exercício da liderança da congregação do Boqueirão. À igreja fez
advertências quanto aos perigos de se conhecer outro evangelho senão o do
Cristo Vivo: “Reunindo-se toda a congregação fiz saber a todos os irmãos estas
ocorrências e aconselhei a todos que de agora em diante estivessem
precavidos...”.
O conteúdo
da obra atormentou sua mente! Na madrugada de segunda-feira viveu um mau sonho.
Muito atormentador foi o pesadelo! Talvez por isso deixou registrado para a
posteridade. No final do seu texto ele exclama: “Caro leitor, necessitamos é
orar sem cessar”!!
Faço
minhas as palavras de João Roberto! Reitero seu desejo! O que fica de
aprendizado para nós, que vivemos num mundo no limiar da eternidade, é a preocupação
do pioneiro em manter incólume sua vida espiritual e de sua igreja! Seu rogo refletia sua vontade de participar
de uma igreja militante, vitoriosa e preparada para se encontrar com Jesus!
A
publicação norte-americana The Youth’s Instructor de 16/11/1926, em artigo
intitulado Vislumbres do leste do Brasil – Ilhéus e o cacau, assinado por H. U.
Stevens, que conhecera pessoalmente a região Sul baiana, fez uma radiografia
profunda da região cacaueira, não deixando de mencionar a igreja de Boqueirão.
“A maior igreja de adventistas do
sétimo dia nesta parte da
Bahia está
localizada no Boqueirão, cerca de sete
milhas de Itabuna, uma cidade
no
interior várias horas de passeio de
trem
de Ilhéus. Ali temos uma igreja
de cerca de cinquenta membros, os
quais
estão envolvidos no lucrativo
negócio de cultivar cacau”.
Os cultos
eram realizados na residência de João Roberto e seguiam, quase em sua
totalidade, os mesmos ritos atuais. Aos sábados, as crianças começavam a
adoração em conjunto com os adultos até o momento do estudo da lição, quando se
separavam para uma atividade paralela que lhes fosse compatível. Um único
professor ministrava a lição, que na maioria das vezes estava encartada na
Revista Adventista. Depois, foi ela publicada independentemente e em tamanho
reduzido de 18 por 12 cm. A capa não era cartolinada, o que exigia do leitor um
cuidado especial para não a danificar. As apostilas dedicadas aos infantis eram
ilustradas, compostas de rolos grandes e coloridos, porém, com os versos áureos
em inglês, provavelmente material ,advindo dos Estados Unidos. Cultos eram
realizados, também, às quartas-feiras.
Os
sermões, alguns lidos na totalidade, cujos textos tinham sido previamente
preparados em casa, eram proferidos somente pelos homens, uns cinco ou seis
pregadores, o que era um número bastante significativo para o período.
As
atividades denominacionais destinadas às mulheres estavam relacionadas com a
santa ceia (preparo do pão e das toalhas do lava-pés) e coparticipação na
programação da Escola Sabatina e lição
dos menores. A atuação da ala feminina era maior em ações transdenominacionais,
como na visitação missionária e atendimento aos doentes e carentes.
(A GÊNESE DO ADVENTISMO GRAPIÚNA Cap. 4.5.)
Clóvis Silveira Góis Júnior
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