Em uma conjuntura eleitoral em que a retórica irresponsável
insinua fraudes e ameaças de golpe, e se soma a mentiras em cascata, repete-se
a pergunta: como chegamos a este ponto?
É que as coisas têm consequências concretas. É claro que
escolhas levianas causam efeitos desastrosos. A falta da reforma política
impede a renovação. O Congresso votou absurdo atrás de absurdo. O STF
desencavou firula após firula para não deixar mudar nem punir poderosos.
Inevitavelmente, de erro em erro, aquilo lá atrás deu nisto aqui.
Veja-se o incêndio do Museu Nacional. Não se trata de
apontar culpados e crucificar o reitor ou propor a privatização das universidades,
como os melindres distorceram as análises frias. Mas é impossível não atentar
para prioridades equivocadas quando, como calculou a BBC, toda a verba aplicada
este ano no museu daria para cobrir os gastos de 15 minutos do Congresso
Nacional — ainda que ninguém esteja propondo seu fechamento. Alguma coisa está
errada nisso. Que tal comparar? Que percentual coube a todos os nossos museus,
em relação ao que o BNDES deu a Joesley Batista? Como não perceber que tantas
carências fundamentais têm a ver com a desastrosa “nova matriz econômica” de
Dilma e Mantega?
A corrupção pesa, sem dó: só o que o ex-diretor da Petrobras
Pedro Barusco devolveu, como parte do acordo de delação premiada, daria para
cobrir os gastos de 640 anos do museu, baseado no que recebeu em 2017.
E o atentado a Bolsonaro? Somou-se a tiros no ônibus de
Lula, pedradas, truculência com manifestantes. Como se alimentou essa exacerbação
das discordâncias, em nível tão hostil e raivoso? A escalada verbal corrói a
política. Qualquer eleito precisa ser capaz de negociar com os perdedores, de
modo a poder governar. Não é possível que cada aceno ao entendimento seja
demonizado. Ou cada ideia divergente na busca de saídas gere xingamento e
fúria.
Um clima desses tem consequências nefastas. Nele todos irão
perder, mesmo os aparentes vencedores.
O Globo, 01/10/2018
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Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL,
eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida
em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
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