(Rio de Janeiro, 1939 – os dez mais)
A Revista
Acadêmica, nascida órgão estudantil na Faculdade de Direito, transformada em magazine
de cultura, ganha-pão de Murilo Miranda*, literato por analogia e
parentesco, era de periodicidade
irregular, saía quando Murilo arranjava anúncios ou patrocínio, realizou em
cinco ou seis números um concurso para saber quais os dez melhores romances
brasileiros. Votavam apenas escritores, a relação dos votantes fora publicada
na revista, cada qual compunha uma lista de dez romances de sua preferência, as
listas eram divulgadas nas páginas da Acadêmica.
A apuração
final considerou os dez autores mais votados e de cada um deles o livro com
maior número de sufrágios, se tivesse considerado os dez livros teriam entrado
na relação dois romances de Machado, Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás
Cubas. Se não me falha a memória os dez mais foram – não estão em ordem de
votação, já não as relembro: Dom Casmurro, Iracema, de Alencar, Memórias de um
Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, O Cortiço, de Aluísio, os
Corumbas, de Amando Fontes, Angústia, de Graciliano, Banguê, de Zé Lins,
Caminhos Cruzados, de Érico, Macunaíma, de Mário de Andrade, Jubiabá, de minha
autoria – vale lembrar que o concurso aconteceu em 1939.
Graciliano
deixou para votar na última apuração, mostrou-me sua escolha, dois fatos
chamaram-me a atenção. O velho – não completara ainda cinquenta anos, por que o
tratávamos de velho? – votava apenas em nove títulos, deixava um lugar vago,
não lhe perguntei a razão, desconfiei que, por modéstia, falsa modéstia, não
colocava na relação romance seu. Perguntei-lhe, porém, por que não votara em Os
Corumbas: romance de Amando Fontes, considerado na época o máximo, recolhia
quase unanimidade dos sufrágios. Graça bebeu um gole de café, puxou a fumaça do
cigarro Selma, estávamos no café Mourisco, esquina da rua do Rosário com a
avenida Rio Branco:
- Esse
filho da puta não votou em mim. – Passou a outro assunto, a seu ver de maior
valia: - Tu pensas que daqui a vinte anos ainda haverá quem nos leia?
O concurso
foi acompanhado com interesse pelos escritores, agitou os meios literários,
provocou debates na Livraria José Olympio, no consultório de Jorge de Lima, na
redação de Dom Casmurro, mas ninguém contestou o resultado. Não sei tampouco de
romancista que tenha cabalado voto, se o
concurso dos dez mais acontecesse hoje ia ser um deus-nos-acuda com cabo
eleitoral e leilão de sufrágios. Um detalhe para que se saiba como era
malvista, na época, a literatura de Oswaldo de Andrade: o rebelde paulista só
obteve um voto, dado por mim a Serafim Ponte Grande, meu e único.
*Murilo Miranda, ensaísta.
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"Desistir
agora, não – disse eu a Paloma quando, machucada, ela pensou em pedir o boné e ir embora. Estamos numa briga, vamos
brigar até o fim. Depois farás o que quiseres, o que te parecer melhor. Não agora.
Perdi muitas brigas em minha vida, paciência, mas não fugi de nenhuma, fui
sempre até o fim."
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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Jorge Amado - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL,
eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo
Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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