7 de agosto de 2018
♦ Péricles
Capanema
Vou falar das eleições, enveredando antes — apenas na
aparência — por um desvio. Não é de hoje, para tristeza nossa, o Brasil tem
sociedade enormemente atrofiada, em especial se considerarmos até onde poderia
ter chegado. Um exemplo. Pesquisa recente aponta que mais de 30% dos
brasileiros são analfabetos funcionais, proporção que se mantém estável há 10
anos.
Boa parte do restante não está distante daí, pois só 12% se
comunicam com adequação pela escrita. Imaginem o que essa chaga significa de
exclusão social. Nem falo do Estado, ali existe atrofia, claro, porém o que
choca à primeira vista é a elefantíase. Paquidermes doentes têm membros e
órgãos com movimentos atrofiados.
Estado de espírito preocupante, como nação estamos nos
acostumando à decadência, poucos vêm falando do Brasil como País do futuro,
reflexões antes correntes, carregadas de tons esperançosos e até de ufanismo
por vezes infantil. Exemplo tocante e ingênuo de tal propensão foi o livro do
conde Afonso Celso “Por que me ufano de meu país”. Temos atenuantes,
as decepções repetidas corroeram crenças, as esperas dilatadas exauriram
ânimos. Imaginem, o livro do simpático conde é de 1900!
Enfim, se o ufanismo louvaminheiro era ruim, nunca o foi a
esperança. Não é o que de momento assistimos, repito. O público parece aceitar
resignado um presente cinza e a perspectiva de porvir inexpressivo. E ainda
existe pessoal que brinca com a situação desoladora, destilando fel em
comentários agridoces.
Não é consolação, mas tal apatia dissolvente golpeia ainda
pessoas, famílias, regiões. Aos milhões. Basta olhar ao redor de nós, gente
acomodada, apática, em situações gritantemente inferiores à sua condição
originária. O último imperador da China, Pu Yi (1908-1967) passou seus últimos
anos como funcionário apagado da burocracia maoísta. Deixou escorrer os anos
como jardineiro e bibliotecário. Comenta-se, vivia conformado. Pior. Até mesmo
satisfeitinho!
Terrível exemplo de decadência e demolição de personalidade.
Poderia ser jardineiro e bibliotecário, ocupações dignas, mas o olhar precisava
estar imerso na grandeza que a Providência lhe destinara, esmigalhada pelos
infortúnios. Para todos, para não afundar cada vez mais, a única reação decente
é a inconformidade enérgica (quando possível, o exercício intenso, com norte,
das potencialidades indolentes). Não vislumbro outro caminho para restauração,
prosperidade e felicidade; pelo menos para manter para si e diante dos outros o
respeito devido.
Não houve desvio, fiquei no trilho. Estamos em período
eleitoral, o combate à atrofia deveria ser a prova dos nove, o teste tornassol
de todas propostas; de outro ponto de vista, o substrato dos debates.
Se a proposta nos ajudar a sair do poço da atrofia e escalar
a montanha da plenitude, será aproveitável. Na educação, economia, privatização,
reforma previdenciária, controle fiscal, segurança, saúde pública, ciência e
tecnologia, enfim, em tudo, a simpatia deveria ir para candidatos, cujos
compromissos (e exemplo de vida) estimulem o desenvolvimento de potencialidades
nos campos em que a administração pública tenha condições de influir. Soltar
amarras, desburocratizar, diminuir impostos, aumentar as responsabilidades de
cada pessoa pelo seu próprio destino (condição de autonomia), limitar o poder
do Estado e ampliar o âmbito de ação das forças sociais, destravariam o nosso
potencial. E nos forneceriam recursos para atender aos fracos e desvalidos.
Em suma, a busca da plenitude, perseguida com senso de
proporção e animada pela justiça é caminho real para a inclusão social. Perto
de nós temos exemplos dilacerantes de escolhas que atrofiam, Cuba e Venezuela
no destaque, xodós da esquerda católica e do petismo, de cujos efeitos cruéis
deveríamos fugir como da peste.
Nelson Rodrigues certa vez afirmou: “Aprendi a ser o
máximo possível de mim mesmo”. Conhecimentos e hábitos podem nos levar ao
máximo possível de nós mesmos. No conhecimento estão as percepções. Com auxílio
de Deus, tantas vezes é possível entrever o que a Providência preparou pelo
arranjo de qualidades pessoais e circunstâncias do meio para pessoas e grupos
sociais. São vocações das mais variadas naturezas, divisadas por sintomas de
difícil explicitação. O mesmo vale para o Brasil, tema que transcende campanhas
eleitorais, sei bem, mas substancialmente é o grande assunto subjacente ao
charabiá da ocasião. Queiramos ou não, o substrato de tudo que se debate é a
escolha da plenitude versus atrofia.
Por que intitulei o artigo de observador isolado?
Poucos analisam assim, são hoje uns isolados. Contudo, vista desse mirante, a
paisagem é mais ampla e instrutiva. Meu convite cordial, observem também daqui
o panorama.
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