Festa Literária Internacional de Paraty começou nesta
quarta-feira (25) e vai até domingo (29).
Compositora Jocy de Oliveira também
participou da sessão que inaugurou a 16ª edição.
Por Cauê Muraro, G1, Paraty
25/07/2018
Fernanda Montenegro lê Hilda Hilst na abertura da Flip 2018
(Foto: Walter Craveiro/Divulgação)
Foi com uma apresentação emocionada a de Fernanda Montenegro
lendo trechos da obra da escritora
Hilda Hilst (1930-2004), homenageada desta edição do evento, que a 16ª
Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começou na noite desta
quarta-feira (25).
Com direção de cena de Felipe Hirsch, a atriz de 88 anos
esteve por cerca de meia hora no palco. Passou a maior parte do tempo sentada
diante de uma mesa.
Mas, nos minutos finais, levantou-se. A última palavra que
declamou foi "delicadeza". Fez, então, um gesto indicando um abraço,
e as luzes se apagaram.
Quando se acenderam de novo, Fernanda
foi ovacionada e
aplaudida de pé pelo
auditório de 500 lugares, todos ocupados.
Com voz
embargada, disse: "Maravilhosa
Hilda Hilst. Inesgotável Hilda Hilst. Amada
Hilda Hilst".
Fernanda Montenegro é aplaudida na abertura da Flip 2018
(Foto: Walter Craveiro/Divulgação)
No geral, a abertura teve seus momentos (sutis, mas
aprovados) de política, pornografia e poesia, como era de se esperar num
tributo a Hilda Hilst.
Mesmo com a chuva (e o barulho) forte que caiu bem na hora
da sessão, a Praça da Matriz ficou lotada. Tinha muita gente dentro e fora da
tenda que exibe de graça, num telão, os debates.
Fernanda Montenegro leu trechos como estes, todos da poesia,
da prosa ou de entrevistas da homenageada:
"Quero ser lida em profundidade, e não como distração,
porque não leio os outros para me distrair, mas para compreender, para me
comunicar, não quero ser distraída";
"Eu sempre tentei me aproximar do outro, ainda que no
decorrer da vida eu tenha tido medo dessa proximidade";
"Não é todo mundo que consegue entrar no mundo da
poesia";
"Gente, eu já estou uma fúria e para ficar mais calma
proponho algumas coisas mais sutis, por exemplo: o Esquadrão Geriátrico de
Extermínio, a sigla óbvia seria EGE. Arregimentaríamos várias senhoras da
terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalinhas em ponta, uma
ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até
os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos
palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o
distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas,
e assim ninguém nos notaria, como ninguém nunca nota a velhice".
Mas o tom não foi só de reverência. Teve risos na plateia
(como quando Fernanda leu um pedaço da tal crônica "E.G.E.") e
risinhos envergonhados (como quando leu passagens da conhecida vertente
pornográfica da produção de Hilda, no caso de "A obscena Senhora D").
'Mulheres que mudaram a identidade brasileira'
A curadora Joselia Aguiar na abertura da Flip 2018 (Foto:
Divulgação/Walter Craveiro)
Fernanda Montenegro subiu no palco após falas do arquiteto
Mauro Munhoz, diretor-presidente da Associação Casa Azul, responsável pela
Flip; da fundadora da Flip, Liz Calder; e de Joselia Aguiar, curadora da festa
pelo segundo ano seguido.
Munhoz lembrou que a sessão de abertura da Flip 2018 junta
teatro, música e literatura e tem dois atos: primeiro, com Fernanda Montenegro;
depois, com a compositora Jocy de Oliveira. Ele lembrou que ambas são da mesma
geração de Hilda.
"Em sua atuação artística e política, as
mulheres dessa
geração mudaram a
identidade brasileira", afirmou ele.
Já Joselia disse que a homengeada da Flip experimentou
vários gêneros literários (poesia, prosa, teatro), publicou por editoras pequenas
e era conhecida por público restrito. Mas atualmente, uma década e meia após a
morte, tem sido cada vez mais assunto de trabalhos acadêmicos e críticas.
A curadora citou casos de pessoas que agora tatuam no corpo
versos da autora, falando em "níveis de popularidade inéditos sem deixar
de desafiar o leitor".
'Nós, mulheres, somos todas Hilda'
Jocy de Oliveira no segundo ato da abertura da Flip 2018
(Foto: Walter Craveiro/Divulgação)
A abertura da Flip 2018 foi encerrada com dois números
musicais compostos da maestrina, compositora e pianista Jocy de Oliveira.
Entre as apresentações, ela também falou sobre as relações
entre sua obra e a de Hilda Hilst (agora, parte do público se dispersou pouco).
Jocy tratou, especificamente, da importância do tema
"morte" na poesia e na ficção da homenageada da Flip. A autora em
certa fase da vida espalhou gravadores pela chácara onde morava em Campinas
(SP), a famosa Casa do Sol, para tentar gravar sons de espíritos.
"Ao tentar se comunicar com outro mundo, Hilda dizia
que conseguia algumas interferências de vozes desconhecidas, algumas bastante
nítidas, outras bastante fracas", contou Jocy.
"O segundo tema que me chama atenção [na obra de Hilda]
é a 'transgressão'. Hilda foi sem dúvida uma mulher transgressora, além de seu
tempo. Enfrentou paradigmas de sua época, enfrentou a mídia, seus críticos,
lançou seus textos pornográficos pelo desejo de ser lida."
A compositora completou: "Ela nunca precisou se
preocupar em ser uma mulher à frente de seu tempo, porque ela foi além de seu
tempo".
Ao falar sobre o poder dos textos da
homenageada
especialmente entre as
leitoras, Jocy de Oliveira declarou: "Nós,
mulheres, somos todas Hilda".
No auditório da Praça, onde as mesas da Flip são
transmitidas gratuitamente, a compositora foi bastante aplaudida após esta
última frase.
Em seguida, foi mostrada uma versão de sua ópera "Medea
solo". De acordo com a compositora, o mito é mostrado na obra a partir
"de um ponto de vista político" e retrata "questões extremamente
pertinentes no mundo atual".
Esta volta da política foi talvez o único ponto em comum
entre este segundo ato e aquele bom início com Fernanda Montenegro, na leitura
da crônica do Esquadrão Geriátrico de Extermínio.
Apesar da chuva bem na hora da sessão de abertura da Flip 2018,
ficou lotada a área externa do auditório que exibe num telão de graça a
programação do evento (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)
Veja, abaixo, a programação da Flip 2018
20h – Mesa 1 (Sessão de abertura), com Fernanda Montenegro e
Jocy de Oliveira – A atriz e a pioneira na música de vanguarda, que hoje
se dedica à ópera multimídia, fazem homagenagem a Hilda Hilst.
Quinta-feira (26 de julho)
10h – Mesa 2 (Perfomance Sonora), com Gabriela Greeb e Vasco
Pimentel – A voz, a escuta e as divagações literárias e existenciais de
Hilda Hilst registradas em fitas magnéticas na década de 1970 são apresentadas
pela cineasta brasileira e pelo sound designer português.
12h – Mesa 3 (Barco com Asas), com Júlia de Carvalho Hansen,
Laura Erber e Maria Teresa Horta (em vídeo) – Esse diálogo inusitado
reúne, por vídeo, um grande nome da poesia de Portugal do último meio século e,
em Paraty, duas poetas brasileiras influenciadas pela lírica portuguesa que têm
pontos em comum com Hilda Hilst.
15h30 – Mesa 4 (Encontro com livros notáveis), com
Christopher de Hamel – A religião, a magia, a luxúria e a leitura na época
medieval se apresentam nas páginas do "Evangelho de Santo Agostinho",
do "Livro de Kells" e de "Carmina Burana", comentadas pelo
maior especialista do mundo nesses manuscritos.
17h30 – Mesa 5 (Amada vida), com Djamila Ribeiro e Selva
Almada – Uma ficcionista argentina que escreveu sobre histórias reais de
feminicídio e uma feminista negra à frente de uma coleção de livros conversam
sobre como fazer da literatura um modo de resistir à violência.
20h – Mesa 6 (Animal Agonizante), com Gustavo Pacheco e Sérgio Sant'anna – Um grande mestre da literatura brasileira que abordou o
desejo, a solidão e a morte relembra sua trajetória ao lado de um leitor seu e
autor estreante elogiado pela crítica portuguesa com histórias de humanos e
outros primatas.
Sexta-feira (27 de julho)
10h – Mesa 7 (Poeta na torre de capim), com Lígia Ferreira e
Ricardo Domeneck – A falta de leitores e o silêncio da crítica, como
reclamava Hilda Hilst: para esse debate, encontram-se a grande especialista no
poeta negro Luiz Gama e um poeta e editor atento a nomes ainda fora do cânone,
como Hilda Machado, que morreu inédita em livro.
12h – Mesa 8 (Minha Casa), com Fabio Pusteria e Igiaba Scego
–Fazer literatura tendo uma língua comum – o italiano – e diferentes aportes,
fronteiras e paisagens geográficas e literárias: nesse diálogo, reúnem-se o
poeta de um país poliglota, que é tradutor do português, e uma romancista filha
de imigrantes da Somália, que escreveu sobre Caetano Veloso.
15h30 – Mesa 9 (Memórias de porco-espinho), com Alain
Mabanckou – O absurdo e o riso, Beckett,culturas africanas, escrita
criativa e crítica da razão negra: a trajetória e o pensamento de um poeta e romancista
franco-congolês premiado se revelam nessa conversa com dois entrevistadores.
17h30 – Mesa 10 (Interdito), com André Aciman e Leila
Slimani – O exercício da liberdade de escrever e a escolha de temas tabu
ou proibidos – a exemplo do homoerotismo, da sexualidade feminina e da religião
—são as questões tratadas nesse diálogo entre dois romancistas, um judeu
americano de origem egípcia e uma francesa de origem marroquina.
20h – Mesa 11 (A Santa e a Serpente), com Eliane Robert
Moraes e Iara Jamra – A obra de Hilda Hilst em poesia e prosa é vista
tanto em sua dimensão corpórea quanto mística por uma ensaísta que atua na
fronteira entre a literatura e a filosofia, enquanto são feitas leituras por
uma atriz que encarnou a sua personagem mais famosa – Lori Lamby.
Sábado (28 de julho)
10h – Mesa 12 (Som e Fúria), com Jocy de Oliveira e Vasco
Pimentel – A escuta e a criação de universos sonoros: para esse diálogo,
encontram-se uma das pioneiras da música de vanguarda no país, hoje dedicada à
ópera multimídia, e um sound designer português – os dois conhecidos pelo rigor
e pelo preciosismo.
12h – Mesa 13 (O poder na alcova), com Simon Sebag
Montefiore –Historiador britânico best-seller que publicou biografias de
Stálin, dos Romanov e, agora, de Catarina, a Grande, conta, nessa conversa com
dois entrevistadores, como faz para retratar figuras centrais da política em
seus pormenores mais íntimos.
15h30 – Mesa 14 (Obscena, de tão lúcida), com Juliano Garcia
Pessanha – Uma romancista portuguesa nascida em Moçambique que tratou de
temas como o racismo e a gordofobia se encontra com um narrador de gênero
híbrido e filosófico para discutir a escrita de si, os diários e as memórias, o
corpo e o desnudamento.
17h30 – Mesa 15 (Atravessar o sol), com Colson Whitehead e
Geovani Martins – O americano vencedor do Pulitzer com um romance
histórico sobre escravizados que construíram sua rota de fuga se encontra com
um estreante que, da favela do Vidigal, inventa com liberdade seu jeito de
narrar e usar as palavras.
20h – Mesa 16 (No par do incomum), com Liudmila
Petruchévskaia – Um dos grandes nomes da literatura russa moderna,
comparada a Gogol e Poe por seus contos de horror e fantasia que não dispensam
o teor político, relembra sua trajetória proibida por décadas no regime stalinista,
hoje aclamada de Moscou a Nova York.
Domingo (29 de julho)
10h – Mesa Zé Kleber (De Malassombros), com Franklin
Carvalho e Thereza Maia – Um narrador do sertão baiano que abordou a
mitologia da morte em seu premiado romance de estreia se encontra com uma
folclorista que recolheu histórias orais de Paraty, em um diálogo sobre o
território e seus encantados.
12h – Mesa 17 (Sessão de encerramento 'O escritor seus
múltiplos'), com Eder Chiodetto, Iara Jamra e Zeca Baleiro – Uma atriz, um
compositor e um fotógrafo que fizeram obras baseadas em Hilda Hilst relembram
os encontros com a autora, o processo de criação e as marcas que a experiência
deixou em suas trajetórias.
15h30 – Mesa 18 (Livro de cabeceira): convidados leem
trechos de livros marcantes.
Flip 2018
Quando: de 25 a 29 de julho
Onde: Paraty (RJ)
Ingressos: R$ 55 para cada mesa (com meia-entrada)
Onde comprar: durante a Flip, a venda acontece só em
Paraty, na bilheteria oficial localizada na Praça da Matriz, no Centro
Histórico.
Como assistir pela internet: as mesas vão ser
transmitidas ao vivo por streaming no canal oficial da Flip no YouTube (clique
aqui), pelo Facebook (clique aqui), pelo Instagram (clique aqui) e
pelo Twitter (clique aqui).
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário