‘Tempos anormais’
Vocês vão entender o título no final. Volto ao tema diante
da repercussão da última coluna, que tratava da sessão do STF que julgou o
pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula. Por causa principalmente de um
termo muito usado pelos ministros — “teratológico” —, poucas vezes recebi
tantas mensagens, inclusive de colegas, a começar por minha diretora, que se
referiu criticamente “ao uso vaidoso e pretensioso de nosso idioma”.
De Brasília, a também jornalista Patricia Pinheiro mandou
uma divertida crônica que termina assim: “muito obrigada por me fazer saber o
que é teratológico e por me lembrar que temos dicionário em casa!”. Gerson
Camarotti, que estava no plenário da Corte cobrindo a sessão, conta que
perguntou para todos os companheiros o que era teratologia.
“Só fiquei mais tranquilo depois de perceber que eles também
desconheciam aquela palavra da moda no Supremo. Você esclareceu a minha
dúvida”. Então, digamos, foi uma retribuição a quem várias vezes por semana, no
“Em pauta”, da GloboNews, esclarece as minhas dúvidas políticas.
Houve quem me gozasse: “Vai dizer que na Academia vocês
também não usam termos difíceis?” Como outras instituições, temos os nossos
códigos e usamos, sim, mas internamente, entre os pares, não em sessões
televisionadas. A propósito, o poeta e acadêmico Geraldo Carneiro comentou que
os juízes — “com exceção do Barroso e às vezes da Cármen Lúcia — têm a mania
teratológica de falar difícil”.
Inclemente, ele lembrou os personagens que Molière chamou de
“preciosas ridículas”. “Jamais usam o gerúndio, ao contrário de Camões, Vieira,
Eça, Machado etc. Têm horror à fala das ruas, assim como têm horror ao cidadão
comum”.
Dos inúmeros comentários recebidos, o mais surpreendente foi
um, por sinal bem-humorado, transmitido através do WhatsApp de meu amigo
Roberto D’Avila, porque o remetente não tinha meu endereço. Adivinhem de quem?
Do ministro Luís Roberto Barroso, confessando ter apreendido o sentido de “mal
secreto” lendo meu livro sobre a inveja com esse título. Ele usou a expressão
contra o seu desafeto no famoso bate-boca da véspera (ainda bem que não citou o
autor. Já imaginaram eu metido nessa briga como que tomando o partido contra um
dos lados?. E que lado! Tremo só de pensar).
Barroso se disse “triste” com o episódio, acrescentando, que
“ainda assim o humor ajuda”. E terminou com um exemplo para ajudar na definição
do polêmico adjetivo: “teratológicos são os nossos tempos. Completamente
anormais”.
Quanto a isso, não há dúvida.
O Globo, 28/03/2018
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Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL,
foi eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano
Suassuna, e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice
Berardinelli.
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