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sexta-feira, 10 de novembro de 2017

TERRAS DE ITABUNA: As filarmônicas - Carlos Pereira Filho

As filarmônicas


           Na porta da farmácia “Sul Baiana”, Tourinho atacava a homeopatia do Moura Teixeira. Dizia entre chicanista e irritado, a Carlos Sousa, que não acreditava nas gotas de água do Moura, nem nos espíritos que invocava. Ele não acreditava em nada dessas coisas, puras invenções de cérebros alucinados, que não tinham o que fazer. O pior, acrescentava, é que muita gente estava frequentando as sessões e invocando os guias espirituais até para decidirem os seus negócios. Com ele era diferente, usava a alopatia, acreditava na ciência. Curava com os seus remédios, as suas fórmulas. “Tinha fórmulas para tudo, desde o xarope da vida, que curava tosse em 24 horas, “o elétrico”, que matava a dor em 5 minutos, até o “creme misterioso” para fazer desaparecer catingas, frieiras, feridas, e amores perniciosos.

            Nesta época, Itabuna colhia mais de seiscentas mil arrobas de cacau. Suas terras boas para o cacaueiro estavam plantadas. As de pecuária começavam a ser visitadas  até Má Dormida, na boca da mata. Havia um grupo numeroso de fazendeiros e um comércio em desenvolvimento espetacular. Entre os maiores lavradores se apontavam José Firmino Alves, Ramiro Nunes, Paulino Vieira do Nascimento, Tertuliano Guedes de Pinho, Antônio da Silva Botelho,  Antônio Gonçalves Brandão,  Cherubim José de Oliveira, Henrique Félix, João Pedro de Sousa Leão, Henrique Alves dos Reis, Pedro Fernandes da Rosa, Abdias Lúcio de Carvalho, José Zacarias de Sousa Freire, José Kruschewsky, Anacleto Alves da Silva e muitos outros espalhados nos cacauais, trabalhando sem cessar, na ânsia de melhores colheitas.

            No comércio também labutava muita gente boa como Quintino Meneses, Francisco Benício dos Santos, João Ribeiro Filho, Benigno Azevedo, Filadelfo Almeida, Camilo Diógenes, José Dória Filho, Francisco Briglia, Maron & Irmão, Francisco Magno Batista.

            Ainda nos anos anteriores, o município havia arrecadado, em 1909, 124 contos de réis e em 1910 a importância de 130 contos.

            A Filarmônica Lira Popular e a Minerva alegravam as festas. Não podiam encontrar-se, porque o desafio começava, dobrado atrás de dobrado, vivas de um lado, vivas do outro lado,  exaltação da Lira, reação da Minerva, e, no final, o barulho, que podia ir de um simples insulto a um tiroteio, como acontecera na noite das festas da quermesse, em benefício da “Sociedade União Beneficente Caixeiral” que Manuel Urbino e Quintino Meneses dirigiam e que nunca fez um só benefício a um caixeiro sequer.

            No domínio da intelectualidade, o que mais se salientava era o “Clube Lítero Recreativo 25 de Junho”.

            Nesse clube o farmacêutico Nilo Santana liderava, fazia discursos em todas as reuniões e discutia com o presidente Lafayette Borborema, de política adversa. Duas correntes dominavam o “Litero Recreativo” a dos poetas, e a dos prosadores e entrem poesias e prosas as sessões principiavam e terminavam.

            Numa delas, Mares de Sousa leu os versos “A glória”.

            <<Estátuas há que exprimem vã justiça,
            Monumentos que atestam só vaidade
            Umas se erguem aos gritos da injustiça
            Outras cospem injúrias à verdade

            Nem sempre do saber na grande liça
            Pode-se conquistar com equidade
            Essa glória imortal que se cobiça
            E passa do presente à eternidade

            Glória não é falso monumento
            Nem é a estátua falsa do longe erguida
            Numa praça ou diante de algum templo

            É sim, do justo o nobre pensamento           
            À prática do bem! É sim, a vida
            De que lega ao porvir o bom exemplo.>>

            O soneto foi interpretado como bajulice a um chefe político dominante na função de prefeito, contra um seu adversário que falava sempre em belezas das estátuas.

            A coisa no “Lítero Recreativo” esteve preta, tão exaltada que Filadelfo Almeida não pôde ler a nota que havia preparado com o título “Saudades” e que assim  principiava: “Nem tudo morre. Morrer é desaparecer para sempre no ocaso do esquecimento, é ver tudo findo, a esperança, a fé. A morte é um renascimento.” E seguindo influência da corrente espiritualista do Moura Teixeira continuava: “Nem tudo morre. Morre a matéria, a forma, enquanto a essência vive para sempre”. E num arrebatamento final: “Acrisola-se a dor na seiva da fé. A alma é infinita como o próprio Deus”.

            No particular, o farmacêutico Nilo Santana não gostava muito desses arrebatamentos. Tolerava como membro do “Lítero Recreativo”. Ouvia tudo aquilo, como arroubos de literatura. Mas cientificamente pensava de forma diferente, um tanto materialista, como havia aprendido nos livros que estudara, na Academia de Farmácia.


(TERRAS DE ITABUNA - Cap. XIII)

Carlos Pereira Filho

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