As filarmônicas
Na porta da
farmácia “Sul Baiana”, Tourinho atacava a homeopatia do Moura Teixeira. Dizia entre
chicanista e irritado, a Carlos Sousa, que não acreditava nas gotas de água do
Moura, nem nos espíritos que invocava. Ele não acreditava em nada dessas
coisas, puras invenções de cérebros alucinados, que não tinham o que fazer. O pior,
acrescentava, é que muita gente estava frequentando as sessões e invocando os
guias espirituais até para decidirem os seus negócios. Com ele era diferente,
usava a alopatia, acreditava na ciência. Curava com os seus remédios, as suas fórmulas.
“Tinha fórmulas para tudo, desde o xarope da vida, que curava tosse em 24
horas, “o elétrico”, que matava a dor em 5 minutos, até o “creme misterioso”
para fazer desaparecer catingas, frieiras, feridas, e amores perniciosos.”
Nesta época,
Itabuna colhia mais de seiscentas mil arrobas de cacau. Suas terras boas para o
cacaueiro estavam plantadas. As de pecuária começavam a ser visitadas até Má Dormida, na boca da mata. Havia um
grupo numeroso de fazendeiros e um comércio em desenvolvimento espetacular. Entre
os maiores lavradores se apontavam José Firmino Alves, Ramiro Nunes, Paulino
Vieira do Nascimento, Tertuliano Guedes de Pinho, Antônio da Silva Botelho, Antônio Gonçalves Brandão, Cherubim José de Oliveira, Henrique Félix,
João Pedro de Sousa Leão, Henrique Alves dos Reis, Pedro Fernandes da Rosa,
Abdias Lúcio de Carvalho, José Zacarias de Sousa Freire, José Kruschewsky,
Anacleto Alves da Silva e muitos outros espalhados nos cacauais, trabalhando
sem cessar, na ânsia de melhores colheitas.
No comércio
também labutava muita gente boa como Quintino Meneses, Francisco Benício dos
Santos, João Ribeiro Filho, Benigno Azevedo, Filadelfo Almeida, Camilo
Diógenes, José Dória Filho, Francisco Briglia, Maron & Irmão, Francisco
Magno Batista.
Ainda nos
anos anteriores, o município havia arrecadado, em 1909, 124 contos de réis e em
1910 a importância de 130 contos.
A Filarmônica
Lira Popular e a Minerva alegravam as festas. Não podiam encontrar-se, porque o
desafio começava, dobrado atrás de dobrado, vivas de um lado, vivas do outro
lado, exaltação da Lira, reação da
Minerva, e, no final, o barulho, que podia ir de um simples insulto a um
tiroteio, como acontecera na noite das festas da quermesse, em benefício da “Sociedade
União Beneficente Caixeiral” que Manuel Urbino e Quintino Meneses dirigiam e
que nunca fez um só benefício a um caixeiro sequer.
No domínio
da intelectualidade, o que mais se salientava era o “Clube Lítero Recreativo 25
de Junho”.
Nesse clube
o farmacêutico Nilo Santana liderava, fazia discursos em todas as reuniões e
discutia com o presidente Lafayette Borborema, de política adversa. Duas correntes
dominavam o “Litero Recreativo” a dos poetas, e a dos prosadores e entrem
poesias e prosas as sessões principiavam e terminavam.
Numa delas,
Mares de Sousa leu os versos “A glória”.
<<Estátuas
há que exprimem vã justiça,
Monumentos
que atestam só vaidade
Umas se
erguem aos gritos da injustiça
Outras
cospem injúrias à verdade
Nem sempre
do saber na grande liça
Pode-se
conquistar com equidade
Essa glória
imortal que se cobiça
E passa do
presente à eternidade
Glória não
é falso monumento
Nem é a estátua
falsa do longe erguida
Numa praça
ou diante de algum templo
É sim, do
justo o nobre pensamento
À prática do bem! É sim, a vida
De que
lega ao porvir o bom exemplo.>>
O soneto
foi interpretado como bajulice a um chefe político dominante na função de
prefeito, contra um seu adversário que falava sempre em belezas das estátuas.
A coisa no
“Lítero Recreativo” esteve preta, tão exaltada que Filadelfo Almeida não pôde
ler a nota que havia preparado com o título “Saudades” e que assim principiava: “Nem tudo morre. Morrer é
desaparecer para sempre no ocaso do esquecimento, é ver tudo findo, a
esperança, a fé. A morte é um renascimento.” E seguindo influência da corrente
espiritualista do Moura Teixeira continuava: “Nem tudo morre. Morre a matéria,
a forma, enquanto a essência vive para sempre”. E num arrebatamento final: “Acrisola-se
a dor na seiva da fé. A alma é infinita como o próprio Deus”.
No particular,
o farmacêutico Nilo Santana não gostava muito desses arrebatamentos. Tolerava como
membro do “Lítero Recreativo”. Ouvia tudo aquilo, como arroubos de literatura. Mas
cientificamente pensava de forma diferente, um tanto materialista, como havia
aprendido nos livros que estudara, na Academia de Farmácia.
(TERRAS DE ITABUNA - Cap. XIII)
Carlos Pereira Filho
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