Cyro de Mattos com a esposa Mariza e o poeta Telmo Padilha, no Grapiúna Tênis Clube, em tempo de carnaval.
O Voo de Telmo Padilha
O romancista Jorge Amado nasceu em Ferradas, lugarejo que
naquele tempo da conquista da terra era um
distrito do município de Itabuna, no Sul da Bahia. Lá, naquele pedaço das terras do sem
fim, também nasceu Telmo Padilha ( 1930-1977), poeta das
questões profundas, que morreu em
acidente automobilístico. O poeta compadre de Jorge Amado está presente em
antologias no Brasil e no exterior. Tem livros de poesia publicados na
Inglaterra, Japão, Itália, Suíça e Uruguai. Ganhou prêmios literários
importantes.
De sua poesia, disse Manuel Bandeira que “é rica de símbolos
e metáforas”, enquanto Carlos Drummond de Andrade observou que “ se faz sentir e amar pela concentração e o
poder de síntese.” Adonias Filho destaca
que “os valores constantes são humanos e, em consequência, universais e
eternos: a morte, o medo, o tempo, o nada, a memória. Circunscrita a esses
valores, invulnerável a qualquer exterioridade, a poesia de Telmo Padilha pode
converter-se em um marco que
congregue toda a sua geração.”
Encontra-se nessa poesia
a constituição de um discurso reflexivo, que informa proposições doloridas na clave das indagações
existenciais. Perguntas sem resposta que
se manifestam sobre essa difícil e enigmática travessia do viver, exposta aos
olhos como difícil de aceitar, com sua problemática impregnada da vida, morte,
solidão, incomunicabilidade e infância sem retorno. Essa poesia de
aparência fácil resiste dentro de muros
em que a criatura humana se vê cercada
de angústia em função de circunstâncias matizadas pela fugacidade do tempo. Nessa travessia que
aloja nos ouvidos cantos roucos
ritmados de absurdos, o poeta procura sempre se mover dentro de
atitudes críticas. Dessa atmosfera vertiginosa, na aventura que comporta abismos e enigmas, pobreza, sofrimento,
insônia, apresenta-se com esse poder de
tocar nos seres e coisas com profundidades e larguras. Retira sensibilidades e
reflexões entre cortinas espessas da existência, densidade na insensatez do mundo,
riqueza na metáfora dolorida sempre
hóspede de assombro, que faz de Telmo
Padilha um poeta
com todas as essencialidades de que são dotados os bons poetas. Não preciso mais dizer que é um dos poetas
de minha predileção.
Com a tristeza que molha meus olhos agora, tento quebrar a saudade, conversando e
cantando com o poeta e amigo:
- Ah,
Telmo Padilha/ Fale-me que sem a poesia/ o sol não pinta os desertos/ Com as
cores da manhã./ O dia não entardece/ Nos braços do ocaso./ Com a razão e a
emoção/ Não se estende a palavra/ Pelo vazio do vasto mundo./ A vida é mais
pobre/ Sem esse canto agudo/ que em ti é feito exausto/ Como vamos perceber/
Teus passos de agonia, / que ao vento estremecem/ e te escutas nos desvãos?/
Ah, Telmo Padilha/ Fale-me de tua cidade, / A nossa querida Itabuna,/ De todos
nós em teu grito,/ De Hélio, Valdelice,/ Firmino, Florisvaldo, / Cada um no seu
canto/ Remoendo o seu tanto/ Fale-me
dessas ruas,/ De fato não são ruas, /É uma mesma rua /Que começa solitária/ E
termina solitária / Nas vestes de teu
ódio,/ Medos e incertezas/ Conquanto
seja abrigo,/ Música cortante da paixão./
No teu dia cor de sombras/ Só podemos amar com dor,/ na forma autêntica da dor/
Onde há setembros/ Que vêm e somem/ Sem saber para onde vão./ Fale-me de teu
voo/ Nessa viagem duvidosa/ Que nos oprime de aflição.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Vários livros publicados
no exterior. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário