A prova de redação é considerada o bicho-papão pela maioria
dos inscritos no Enem (uma candidata classificou de “um horror”). O motivo é
que não se aprende a escrever de um dia para o outro, é preciso treinamento e
leitura. Ler talvez seja o melhor exercício para se escrever bem. Mas como
fazer isso se as crianças e os jovens não estão mais lendo livros, preferem o
iPad e também videogames e jogos no celular? Baseado numa experiência que
acompanhei de perto, acho que a solução reside no lar e na escola.
Desde muito cedo, meus dois netos — Alice, de 8 anos, e
Eric, de 5 — foram acostumados a dormir embalados por histórias que a mãe lê
para eles. Com o tempo, o costume de ouvir transformou-se para ela no hábito de
ler e, pelo jeito, o irmão vai pelo mesmo caminho, sem abandonarem o tablet.
Alice lê um livro atrás do outro. Quando lhe perguntei quantos havia lido este
ano, não sabia, perdera a conta.
E não é só. Além de leitora, está se tornando também
“escritora”, pois teve a sorte de encontrar a professora Claudia, cuja
pedagogia é fazer da leitura um prazer, não um dever. Conclusão: Alice tem
pressa em terminar de escrever um livro com uma tia para se candidatar à
Academia Brasileira de Letras. Para isso, conta com Marcos Vilaça, ele mesmo, o
grande acadêmico a quem chama de “meu admirador”. Além do voto, ela acha que
ele alimentará sua fantasia conseguindo uma brecha no regimento interno para
lhe garantir o ingresso, apesar da idade.
Um recente episódio ocorrido no seu colégio me remeteu a uma
das maiores emoções de minha vida profissional. Em 1994, participando de um
seminário na Cidade do Cabo, minha mulher e eu tivemos o privilégio não só de
conhecer Nelson Mandela como de visitar na Ilha Robben a prisão onde ele passou
18 dos 27 anos em que esteve encarcerado em condições aviltantes. A cela, de
onde saía apenas para o trabalho forçado numa pedreira, tinha quatro metros
quadrados. Ao ser libertado em 1990, em consequência de uma forte pressão
internacional, não quis vingança nem demonstrou rancor. Militou pela
reconciliação do país, o que lhe valeu, em 93, o Prêmio Nobel da Paz.
Pois bem, vocês podem imaginar o que senti quando soube que
Alice e um colega deram uma aula para a turma sobre ninguém menos que o líder
sul-africano que acabou com o apartheid e, ao morrer, com 95 anos, foi
considerado talvez o maior estadista de um século que deu Churchill, Roosevelt
e De Gaulle. Em outra ocasião, Alice falou sobre “O gato e o escuro”, de Mia
Couto, e agora, para ministrar a próxima aula, está devorando “Malala, a menina
que queria ir para a escola”, de Adriana Carranca.
Do que é capaz uma grande mestra.
O Globo, 08/11/2017
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Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL, eleito
no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna, e
recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinelli.
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