Em nome de quem?
O governo Temer assume uma atitude cada vez mais distante da
realidade. Atribui a si mesmo o papel de novo redentor do Brasil. Pretende-se
ilibado, como seus “apóstolos”, cuja sublime presença seria capaz de romper o
círculo vicioso da crise, de que ele é parte não assumida.
A presidência dita suas leis, num Monte Sinai decadente, não
em tábuas de pedra, mas de cortiça, com uma linguagem vazia a espelhar um
deserto de ideias, marcado por interesses transversais. Aumentou elevadas
faixas salariais, promoveu a mais acintosa compra de votos e emendas, cooptou
muitas almas e perseguiu com furor os adversários. Fatos que contaminam as
relações entre os Poderes, com modo interessado de fazer política, de costas
para a opinião pública e prisioneiro de escassos recursos ideológicos.
O atual governo não possui lentes capazes de enxergar o
Brasil. Sabe, no entanto, com galhardia, como seu aliado, o senhor Eduardo
Cunha, os maquinismos regimentais, as chicanas e obstruções, barganhas e
manobras, e uma engenharia de alianças, marcadas ao fim e ao cabo por um
pragmatismo feroz. Cabe perguntar: até quando a fome de seus aliados será
aplacada?
O inquilino do Planalto traduz um intenso anacronismo. Longe
de representar um tipo sociologicamente original, é o primogênito weberiano da
velha política e se afasta do futuro à velocidade da luz. Pode-se dizer, com
Shakespeare, que ele é o que é, assim como boa parte do Congresso e de certas
camadas do Judiciário que atendem pelo nome e sobrenome. O senhor Temer perdeu
o benefício do anonimato. Seu curriculum poderia brilhar por ausência, coberto
pelo véu de um silêncio benfazejo.
Seu projeto consiste em promover a rápida liquidação dos
bens públicos, com um cardápio indigesto, como fazem os vendedores de rua, no
varejo e no atacado, com a desculpa de “cobrir o déficit”. A presidência atende a lobbies e seus
correligionários, ao arrepio da lei, de que é exemplo flagrante a extinção de
importante reserva amazônica. A bancada
ruralista abateria a floresta sem remorsos.
Não entro no debate do tamanho do estado, sobre o papel das
agências, o alcance da lei eleitoral ou a obrigação firmada em contratos. As
propostas de Governo têm sido impostas sem consenso ou debate, como se fossem a
encarnação da verdade, em prol de uma democracia sem povo, onde a consulta se
mostra inteiramente inútil. Há uma crise de confiança que atinge em cheio o
Planalto e alguns ministros, que pregam com açodada falta de responsabilidade
um programa de privatizações para o qual a chapa do senhor Temer não foi
eleita. Se continuarem a faltar o
colegiado republicano e o debate dentro dos novos canais da democracia,
chegaremos a um fim de linha extremamente perigoso e sem volta.
Precisamos redesenhar o Brasil. O debate é o combustível da
mudança. Longe da famigerada ponte para o futuro, que rompeu a equação
democrática entre o eleitor e o programa de governo. Em nome de quem?
O Globo, 06/09/2017
..........
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL,
eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila , foi
recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário