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sábado, 8 de julho de 2017

REMINISCÊNCIA DA ROÇA – Helena Borborema

Reminiscência da Roça


          Como era gostoso, tranquilizador, um dia passado numa fazenda de cacau, daquelas de antigamente, que não tinham conhecido ainda os horrores da praga que as atingiria mais tarde, quando ainda se estendiam verdejantes, pujantes de vida vegetal. A quietude reinante acalmava o espírito, a paisagem bucólica despertava um quê de doce nostalgia, mesmo no espírito simplório de uma criança. Na propriedade grande de um fazendeiro,  a  visão era a da casa ampla, de construção simples, porém sólida, cheia de janelas, telhado à vista, tendo de frente uma comprida varanda onde a brisa da tarde bafejava a família reunida no ajuntamento feliz de um entardecer.
        
          Mais à frente as barcaças, repletas de sementes de cacau secando ao sol, revelavam riqueza. Aves de criação ciscando aqui e acolá em volta da casa, as árvores do pomar ao lado balançadas  pela brisa, quase sempre o murmúrio  de um rio ou riacho mais além completavam a beleza da paisagem.
  
          Homens de pele morena, tostada pelo sol, outros de pele negra lustrosa, mostrando nos braços nus a força musculosa da raça, entregues à sua faina diária, circulavam dando mais vida ao conjunto. Eram os trabalhadores, barcaceiros, às vezes vaqueiros, empregados, enfim, que no dia-a-dia afanoso ajudavam o proprietário a manter em funcionamento o seu grande império de cacaueiros. Aqueles cacaueiros robustos e carregados de frutos representavam a força do trabalho, a fertilidade da terra, a bonança do clima, e eram a garantia da riqueza de uma vasta região.
         
          Tanto ao nascer do dia, anunciado pelo canto dos galos e chilrear dos passarinhos no seu despertar, como à tardinha, quando uma paz tristonha descia sobre tudo, homens e natureza, a fazenda na sua quietude se transformava  em imensa tela pintada pelas mãos de um artista invisível. A beleza pictórica da fazenda, o cheiro do cacau secando nas barcaças ou vindo de longe, dos cochos de fermentação, trazido pelo vento, impregnando o ar, não podiam deixar de se  transformar em lembranças indeléveis para quem os viu e sentiu.

          Assim, são relembrados dias passados entre os cacaueiros, quer fossem de fazenda grande, quer fossem de uma simples burara. A quietude era sempre a mesma. Na pequena fazenda ou roça, o silêncio, a nostalgia do cair da tarde, eram os mesmos. O romper da madrugada era também anunciado pelo canto das aves, o mugir de uma vaca no pasto ou o ranger de uma cancela. A mesma sensação de felicidade nunca deixava de invadir a alma, num despertar aquecido pelos raios do sol que se infiltravam mansamente pelas frestas das telhas vãs, trazendo um acordar gostoso, alegre, como sacudido docemente por um afago materno.
  
          Na roça de cacau, pisar aquele chão ensombreado pelas copas dos cacaueiros, coberto de folhas que farfalhavam sob os pés, ouvir o zumbido das abelhas na laranjeira em flor, o pio triste de um pássaro num galho de árvore, nos davam a sensação de sons emitidos pelo mato, só escutados naquele silêncio. Sons que se gravariam na lembrança e que nunca se apagariam. São eles, hoje, ruídos do passado e da saudade que nunca vão embora, vivem sempre ao nosso lado. Nós é que, à medida que caminhamos, os vamos deixando para trás, mas um dia eles sempre voltam e nos alcançam.

(RETALHOS)
Helena  Borborema
          
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Helena Borborema - Conhecida professora itabunense, filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra’. (Cyro de Mattos)

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