Ainda do Dr. Lafayette de Borborema é o seguinte relato:
“Estava eu um dia fazendo a refeição com o juiz preparador na pensão, quando
entrou na sala, montado em uma bonita besta, um dos valentões da terra; após
nos cumprimentar, pediu, sem desmontar, um conhaque, e mais um e mais outro, e
a seguir esporeou o animal que saiu, depois de derrubar mesas e cadeiras.”
"De
outra feita, uma noite, da nossa casa ouvi gritos de socorro de alguém que
apanhava no então beco onde está o prédio da Maçonaria; indignado,
saí e fui até a esquina; tudo escuro; os gritos de socorro continuavam e ouvi
movimentos violentos de luta; não reconheci ninguém mas protestei fortemente, e
quando assim o fiz, ouvi a detonação de dois tiros e os passos de pessoas que,
correndo, se afastavam do local. Foram dois açougueiros que, à força, queriam
fazer o fiscal do Município engolir uma bola de estriquinina, porque havia
matado naquele dia o cachorro de um deles com o mesmo veneno. Com a minha
intervenção o fiscal não chegou a engolir a “bola”, mas recebeu dois tiros.”
“Era
motivo de festa pública qualquer melhoramento que aqui se fizesse, até uma
pinguela armada sobre um ribeirão ou riacho. E quando se fez a mudança de uns
pranchões sobre o ribeirão que cortava a Rua Miguel Calmon, houve uma dessas
festas à qual compareci como convidado. Após os discursos de estilo, foram
todos à casa que lhe ficava perto, para servir-se de um copo de cerveja.
Cerveja ao natural, pois, naqueles tempos, não havia gelo por aqui. Quando a
cerveja estava nos copos sobre a mesa, um dos festeiros meteu um cacete em cima
dos copos e das garrafas, espatifando tudo. Foi caco de vidro por todos
os lados; e como isso fizesse parte da festa, houve tiros para o ar e nova
cerveja foi servida.“
“Mas
muita coisa pitoresca havia; uma delas foi uma festa que se realizou em casa de
uma família, onde eram servidos às pessoas presentes doces e xícaras de chá em
bandejas; eis que surge um cavalheiro trazendo uma bandeja com alguns copos de
cerveja e oferece às senhoras presentes, dizendo muito gentil a cada uma que
agradecia: - A senhora pode servir-se, essa bebida é muito diurética”.
“Uma
ocasião, em dia de eleição aparatosa (feita a bico de pena, em casa dos chefes)
fui à pensão um pouco mais cedo para almoçar. Lá chegando, vi uma grande mesa
posta, toalha muito alva e, no centro, dois bonitos perus bem assados; fiquei
satisfeito; e quando procurava sentar-me no lugar de costume, apareceu o meu
hoteleiro muito amável e foi logo dizendo: ‘O doutor vai hoje me desculpar, vai
passar mal; essa mesa o coronel mandou preparar para os nossos eleitores’. E
conduziu-me para um canto da sala, onde me deu para almoçar uma lata de sardinhas
no azeite doce e um prato de farofa. O homem era meu adversário político.”
Ainda desses primeiros tempos de Itabuna, ele contaria:
“O
Correio, cuja primeira mala foi recebida em meio do caminho com muita música e
grande manifestação popular, era uma vez por semana. As malas vinham às quintas
feiras e aqui chegavam do Banco da Vitória à tarde; quando era ouvido o
chocalho da madrinha da tropa que as conduzia, os interessados iam para a
agência postal; abertos os sacos, o encarregado da distribuição passava a
chamar os destinatários um a um.”
“Era
um sábado de Aleluia, um certo chefe de bandidos fez um judas e, nas costas,
colocou um papelão com o nome da autoridade policial; como o referido policial
tivesse uma cicatriz no pescoço, o chefe do bando colocou uma casca de mandioca
para imitá-la. O Judas suspenso num pau, foi posto em frente do Quartel e
crivado de balas, em vez de queimado, sob grande algazarra em ostensiva
provocação.”
“Contaram-me que um facínora foi à fazenda de um compadre para assassiná-lo.
Como o compadre tivesse viajado, eliminou outro homem seu desconhecido, ‘para
não perder a viagem’, segundo confessou à autoridade policial.”
Apesar das violências, o progresso era inevitável. Se havia bandidos, havia
também os homens de bem, que cada vez mais iam engrossando as fileiras daqueles
que batalhavam pela grandeza de Itabuna no comércio, nas oficinas, na lavoura,
nas atividades liberais. E no meio desses obreiros estava o moço Lafayette,
iluminado pelo seu ideal de servir à causa da Justiça e se integrando nos
interesses da terra.
“Em
1908 foi realizada a primeira reunião para a fundação da Associação Comercial
de Itabuna, então com o nome de ‘União Comercial de Itabuna’. A primeira Diretoria
foi empossada em solenidade presidida pelo Bacharel Lafayette de Borborema”.
“Em
1909 organiza Lafayette de Borborema, juntamente com o farmacêutico Artur Nilo
de Santana, o médico João Batista Soares Lopes, José Joaquim da Silva e Antonio
Matos, um grêmio literário e uma rudimentar tipografia sob a direção do
Guarda-Livros Diocleciano Grota”.
Chega
1910. Itabuna deixa de ser vila e torna-se Cidade. Vem a estrada de ferro, que
rasga grande trecho ligando a nova cidade a Ilhéus, ruas são calçadas, é
inaugurada a iluminação a acetileno. É uma evolução dinâmica, não só no campo
econômico como, também, intelectual e espiritual.
Com o
tempo, importantes acontecimentos vão se sucedendo na jovem cidade e aquele
advogado, sempre fiel à advocacia, sempre independente no seu modo de pensar e
de agir, atravessa os anos.
Em
1919, entre outros acontecimentos, é criado o Monte Pio dos Artistas e
Lafayette de Borborema elabora os seus estatutos.
Em
1920 ele funda o “JORNAL DE ITABUNA”, do qual é diretor e redator. Através
desse jornal ele fez política e se bateu pelos interesses da terra. Esse jornal
funcionou até 1938, quando foi destruído por um incêndio numa casa vizinha.
(Lafayette de Borborema – UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena Borborema
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