COM A DIVULGAÇÃO dos primeiros inquéritos decorrentes da
maior delação da história do Brasil, ressurge uma discussão que, em sua
essência, mais esconde do que revela: o
que é mais insultuoso, trapacear para enriquecer ou para vencer as eleições?
Coube ao juiz Sergio Moro, o comandante da Lava- Jato, em Curitiba, abordar a
questão em termos cristalinos. Em uma palestra
na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o juiz disse o seguinte:
- Temos de
falar a verdade, o caixa dois nas eleições é trapaça, é um crime contra a
democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a
corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de
financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento
de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina
e a coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá,
não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu o utilizo
para ganhar uma eleição, para trapacear em uma eleição, isso para mim é
terrível.
O
raciocínio do juiz está fincado na melhor lógica democrática. Os políticos
enrolados querem fazer crer que o caixa dois é um ilícito menor, quase
desprezível, e, portanto digno de uma anistia geral. Caixa dois é fraude da
vontade popular, é agressão à democracia. O Supremo Tribunal Federal, no qual
correm agora os inquéritos sobre a elite política do país, não tem
interpretação unânime sobre a questão. Mas há sinais alentadores. A ministra
Cármen Lúcia, presidente do STF, já disse, mais de uma vez, em entrevistas e em votos na corte, que “caixa dois é um
ilícito”. O ministro Luís Roberto Barroso também tocou no assunto e jogou luz
no debate: “Caixa dois e corrupção podem ser coisas diferentes, mas ambos são
crimes”.
Não se tem
notícias de um país democrático que tenha conseguido eliminar a corrupção
eleitoral, mas a questão do caixa dois, se enfrentada com leniência
excessiva, só adiará a moralização das
campanhas eleitorais. E moralizá-las é um dado essencial para que a democracia
brasileira possa robustecer-se e subir de patamar.
Revista VEJA
Carta ao Leitor - Edição 2526, 19 de abril de 2017
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