Brasil 22.03.2017
Confiram a íntegra do duro discurso de Rodrigo Janot em
defesa da Lava Jato em evento da Escola Superior do MPU:
"Colegas,
A Lava Jato completou neste mês de março três anos de
profícuos trabalhos. Do que se revelou no curso das investigações, é possível concluir
que existem basicamente duas formas de corrupção no país: a econômica e a
política. Elas não se excluem e, em certa medida, tocam-se e interagem.
A primeira, sempre combatida e bem conhecida do Ministério
Público, tem fundamentalmente uma finalidade financeira: o corrupto busca o
enriquecimento com a venda de facilidades. Normalmente, esse tipo de corrupção
encontra-se em profusão nas camadas inferiores da estrutura burocrática do
Estado.
A segunda, até então mais intuída do que propriamente
conhecida, é ambiciosa e mais lesiva. O proveito econômico não está na sua
alçada principal, mas antes o poder.
Enriquecer pela corrupção política é mais
uma consequência do que propriamente um objetivo. Busca-se o poder, porque o
dinheiro e suas facilidades chegam de arrasto. O mérito da Lava Jato foi haver
encontrado o veio principal da corrupção política. Esse tipo de corrupção, como
disse, é de altíssima lesividade social porque frauda a democracia
representativa, movimenta bilhões de reais na clandestinidade e debilita o
senso de solidariedade e de coesão, essenciais a uma sociedade saudável.
Escolhas para altos postos na estrutura do Estado, nas suas
autarquias e empresas passam a não considerar a competência técnica do
candidato, mas sua disposição para trabalhar na engrenagem arrecadadora de
recursos espúrios destinados à máquina partidária que o apadrinhou. Desde o
mensalão, essa realidade já começava a revelar seus contornos com mais nitidez.
No entanto, foi nesses últimos três anos que a dura e inocultável verdade se
mostrou por completo: nosso sistema político-partidário foi conspurcado e
precisa urgentemente de reformas.
É necessário abrir espaço para a renovação o quanto antes,
pois a política não pode continuar a ser uma custosa atividade de risco propícia
para aventureiros sem escrúpulos. Certamente, essa crise política há de
encontrar o devido equacionamento no âmbito do próprio sistema democrático.
Serão as forças políticas da sociedade, dentro da institucionalidade, que, após
debate e reflexão, devem apontar caminhos para que levem à quebra do círculo
vicioso em que o país se encontra.
A nós do Ministério Público cabe um papel modesto nesse
processo, mas de grande relevância social. Devemos dar combate, sem tréguas, ao
crime, à corrupção e às tentativas de fraudar-se a lisura do processo
eleitoral. É nesse contexto que o papel dos senhores, Procuradores Regionais
Eleitorais, avulta em importância institucional. Muitos dos desvios do poder
político podem e devem ser prevenidos e reprimidos, quando for o caso, já no
processo eleitoral.
Precisamos intensificar, assim, a fiscalização do
financiamento das campanhas, combater firmemente o caixa 2 e promover
obstinadamente a responsabilização de quem não respeita o fair play do jogo
democrático e abusa do poder econômico e político para vencer ilegitimamente
eleições. O filtro do processo eleitoral, do qual o Ministério Público é
importante componente, é fundamental para melhorar a qualidade de nossa
política. Não é fácil a nossa missão, bem o sei. Para mim, já se vão 32 anos de
árdua labuta nesta Casa.Tenho afirmado reiteradamente que o Ministério Público
não engana a ninguém e não costuma vender ilusões ou fantasias. Quem busca
atalhos e facilidades, de fato, não terá aqui o melhor lugar para encontrá-los.
Digo isso porque, mesmo quando exercemos nossas funções
dentro da mais absoluta legalidade,estamos sujeitos a severas e, muitas vezes,
injustas críticas de quem teve interesses contrariados por nossas ações. A
maledicência e a má-fé são verdugos constantes e insolentes.Não quero deter-me
no fato específico, mas não posso deixar de repudiar com toda veemência a
aleivosia que tem sido disseminada para o público nos últimos dias: é uma
mentira, que beira a irresponsabilidade, afirmar que realizamos, na Procuradoria-Geral
da República, coletiva de imprensa para “vazar” nomes da Odebrecht.
Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a
devaneios, mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e desvirtuar
instrumentos legítimos de comunicação institucional. Refutei pessoalmente o
fato para os próprios representantes do veículo de comunicação que publicou a
matéria inverídica. Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos
dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder político. E
repudiamos a relação promíscua com a imprensa.
Ainda assim, meus amigos, em projeção mental, alguns tentam
nivelar a todos à sua decrepitude moral, e para isso acusam-nos de condutas que
lhes são próprias, socorrendo-se não raras vezes da aparente intangibilidade
proporcionada pela posição que ocupam no Estado.
Infelizmente, precisamos reconhecer que sempre houve, na
história da humanidade, homens dispostos a sacrificar seus compromissos éticos
no altar da vaidade desmedida e da ambição sem freios. Esses não hesitam em
violar o dever de imparcialidade ou em macular o decoro do cargo que exercem;
na sofreguidão por reconhecimento e afago dos poderosos de plantão, perdem o
referencial de decência e de retidão. Não se impressionem com a importância que
parecem transitoriamente ostentar.
No fundo, são apenas difamadores e para eles, ouvidos moucos
é o que cabe e, no limite, a lei. Não somos um deles, e isso já nos
basta.Para encerrar, compartilho com os senhores a advertência do mestre
Montesquieu que sempre tive presente comigo: o homem público deve buscar sempre
a aprovação, mas nunca o aplauso. E, se o busca, espera-se, ao menos, que seja
pelo cumprimento do seu dever para com as leis; jamais por servilismo ou
compadrio."
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário