A Vila (Parte II)
Recém-chegado, o advogado Lafayette
de Borborema logo iniciou suas atividades profissionais. Contaria ele muitos
anos depois:
“Devido ao ambiente hostil que a
política lhe criara, o Dr. Unapetinga deixara o cargo de Juiz e fora embora da
Vila poucos meses depois da minha chegada, deixando o campo forense para mim e
o provisionado Laudelino Lorens. O meio era revolto; não recuei, disposto a
advogar e, junto a Firmino Alves e seus amigos enfrentar as lutas também trabalhar
em benefício do meio social."
“O meu primeiro trabalho como
advogado foi o preparo dos papéis de habilitação para um casamento civil pelo
qual recebi trinta e cinco mil reis; o segundo foi uma defesa no Júri, por
trezentos mil reis."
“A primeira reunião do júri, cujos
processos haviam sido feitos pela Justiça de Ilhéus, foi um marcante
acontecimento social. Tive que funcionar como Promotor ad-hoc no mais
importante dos processos, cujos acusados eram protegidos da situação contrária
a Firmino Alves, interessada que se achava na absolvição dos acusados. Quando
estava fazendo a acusação, entregaram-me um bilhete; parei e fiz a leitura do
mesmo; estava assinado. Era uma ameaça; avisava-me que o partido tinha
interesse na absolvição dos ‘meninos’, por isso que, se eu quisesse ficar aqui, tinha que não apelar
da absolvição dos mesmos. Guardei-o e continuei a acusação."
“Depois da defesa, num intervalo para
descanso, falaram-me pessoalmente sobre a conveniência de não apelar era uma
ameaça velada. Fiz de conta que não compreendia."
“Voltei à tribuna para replicar, o
que fiz com mais ardor e firmeza. Terminado o julgamento os acusados foram
absolvidos. Era o segundo ou terceiro julgamento e a acusação desta vez não
podia mais apelar."
“De outra feita, em casa, fui
procurado por um senhor, contra que era advogado em uma causa cível, para
prevenir-me daria mal se recorresse da sentença, que lhe havia sido favorável.Mandei-o sentar-se calmamente respondi-lhe que já havia apelado. Depois de um
pequeno silencio, retirou-se.”
“Vi que havia muita maldade e
injustiça e precisava defender os injustiçados não pela justiça togada, e sim
pelos ambiciosos, pelos espoliadores que tomavam as plantações dos pequenos
lavradores, os quais eram abatidos com tiros de repetição nas emboscadas.”
“Recebi ameaças, mas nunca recuei e
nunca transigi. Também nada sofri pessoalmente. Sempre respeitando e sempre
respeitado.”
“Pouco a pouco, Itabuna foi entrando
na ordem; passou à categoria de Comarca. A lei passou a imperar; foram chegando
outros advogados, juízes foram se sucedendo, o movimento forense crescendo,
acompanhando o desenvolvimento e o progresso do Município.”
“Fui testemunha de tudo, porque como
advogado tinha que conhecer os fatos na polícia, no foro e de vista.”
Mesmo sendo uma vila, havia
prosperidade e vida social em Itabuna. Reuniões eram feitas em casas de
famílias, onde não faltavam recitativos, modinhas e danças da época, como
valsas, polcas e quadrilhas, principalmente na residência de Firmino Alves, que
trouxera um piano de Salvador, o qual, do Banco da Vitória até sua casa, foi
conduzido com enorme dificuldade a pau e corda.
A alimentação era farta: muito peixe
e pitus do rio Cachoeira, muita caça das matas próximas, enormes requeijões
vindos do sertão, boa manteiga, queijos e enlatados vindos de Salvador, em
geral importados do estrangeiro.
Havia também reuniões literárias bem
animadas, com discursos. A vida não era monótona. Com elementos da terra
criou-se um grupo de teatro para cujos espetáculos a plateia trazia de casa as
cadeiras. Criou-se um grêmio literário e recreativo, com uma pequena
biblioteca. Foram também criadas duas filarmônicas, a Minerva e a Lira; ambas
se digladiavam. Cada uma tinha seus adeptos.
Mas, apesar desses progressos, a vida
da população continuava a correr perigo; quem saía à noite estava arriscado a
ter os passos embargados por um indivíduo escondido sob um pala, que riscava o
fósforo para ver se era a pessoa a quem procurava para matar.
(Lafayette
de Borborema : UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena
Borborema
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HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora
de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação
Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade
de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do
Município. (A autora)
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