27 de fevereiro de 2017
Eis um artigo que não gostaria de escrever, por vários
motivos. Em primeiro lugar, sei que vou incomodar uma ala de leitores fiéis que
tenho. Em segundo lugar, sei que esse tipo de texto pode servir como munição
para meus adversários da esquerda, tudo o que não desejo no momento. Em
terceiro lugar, posso ser confundido com os “isentões” que tanto condeno. Ainda
assim, vou seguir adiante, pois acho necessário esclarecer certos pontos aos
meus leitores sérios.
Como muitos já perceberam, tenho escrito vários textos em
defesa de Trump, ou mais precisamente sobre a hipocrisia de seus detratores. Em
que pesem textos em que faço alertas ou mesmo críticas ao que julgo equivocado
na visão de mundo do presidente americano, como seu claro ranço mercantilista
no comércio internacional, essa defesa toda fez com que alguns me tomassem por
um “trumpete”, ou seja, um daqueles apoiadores incondicionais do homem.
Nada mais falso. Trump tem um estilo que desperta em mim
vários receios, principalmente no que tange a liturgia do cargo, ou seja, o
caráter institucional republicano que precisa ser preservado e protegido
de arroubos individualistas, o que nós latino-americanos conhecemos tão bem
dessas experiências com caudilhos. Eu poderia, na verdade, escrever vários
textos contra Trump. Por que não o faço? Simples: há na grande
imprensa uns 50 textos e reportagens que demonizam o “homem
laranja” para cada um “equilibrado”, “neutro”.
Ou seja, se em nome da honestidade intelectual eu fosse
manter o meu equilíbrio entre críticas e elogios, eu nada estaria
fazendo para equilibrar o jogo na mídia, dominada por quem só faz distorcer
fatos para pintar Trump como uma espécie de Hitler. É justamente porque o
pêndulo extrapolou tanto para o lado esquerdo que me vejo na obrigação, em
nome da honestidade, de compensar a coisa com notícias positivas ou mostrando
os acertos dele. Para muitos leitores, sou talvez a única fonte que mostra esse
outro lado.
Mas isso não faz de mim um defensor incondicional dele. Na
verdade, sou contra o apoio incondicional a qualquer pessoa, ainda mais
políticos. O papel da imprensa deveria ser sempre o de confrontar governantes,
exercendo assim um poder moderador dentro do mecanismo de pesos e contrapesos.
O problema é que a mídia virou bajuladora de Obama e agora inimiga mortal de
Trump. Sua acusação de “fake news” é legítima: veículos como o NYT, a CNN e a
MSNBC fazem de tudo para manipular as informações contra Trump.
Isso não é razoável, e presta um enorme desserviço ao papel
da imprensa. Por isso aplaudo as tiradas engraçadas de Trump que levam esses
jornalistas de esquerda ao desespero. Trump tem merecido apoio muito mais pelo
que tem combatido do que pelo que tem defendido, apesar de também ter louváveis
acertos em certas medidas, como a escolha para a Suprema Corte, o corte de
regulações, a mudança de postura quanto ao “aquecimento global” etc.
Mas seu grande mérito vem mesmo de expor a canalhice da
esquerda globalista, representada no establishment de Washington, na ONU e na
própria mídia. É claro que atacar a política em si é sempre algo perigoso, pois
as mudanças sustentáveis precisam passar pela política: temos evolução
institucional ou revolução, sempre algo muito arriscado. Mas o grau de
hipocrisia e de domínio esquerdista tinha chegado a um patamar tão absurdo que
era necessário alguém com o perfil de Trump para “jogar merda no ventilador” e começar
um processo de reversão disso. Trump talvez seja a alternativa a uma revolução
sangrenta!
Eu poderia até me sair bem como um “isentão”, algo que não
faço questão, pois tomo partido. E tomei o partido de Trump, no sentido de
apoiar o grosso do que ele tem feito para desarmar essa maquinação perversa dos
politicamente corretos. Isso não quer dizer, porém, que vou aplaudir tudo o que
ele faz. Isso seria eu me transformar em torcedor também, um reflexo invertido
do que condeno do outro lado. Não faço torcida; faço análise. E por isso esse
texto.
Bernard Goldberg, autor do livro Bias, que expõe o viés
de esquerda na imprensa, e também de outro em que analisa só o caso de amor dos
jornalistas com Obama, escreveu um texto recentemente
sobre esses defensores incondicionais de Trump. Entendo o nível de revolta com
as mentiras da imprensa, com a asfixia do PC, com os riscos do globalismo, que
levam muitos ao êxtase quando alguém como Trump aparece para apontar dedos e
combater a praga. Mas, como mostra Goldberg, não é razoável o fanatismo com que
alguns passam a defender esses “messias”.
Para esses, não importa o que Trump diga ou faça,
ele sempre estará certo! E isso não é aceitável, não é razoável. É
postura de seita fechada, algo que liberal algum ou os conservadores de boa
estirpe podem aplaudir. Muitos votaram ou defenderam Trump de nariz tampado, ou
seja, como um remédio amargo para impedir alguém feito Hillary Clinton de tomar
o poder. Mas há uma ala que efetivamente idolatra o cara, e isso não
combina muito com a postura cética que liberais e conservadores deveriam adotar
na política.
Algo similar ocorre no Brasil com Jair Bolsonaro. É claro
que compreendo a empolgação que o “mito” tem gerado por aí, naqueles cansados
da esquerda hegemônica, do sistema corrompido, da hipocrisia das elites
culpadas e da marcha das “minorias oprimidas”. É legítimo se rebelar contra
isso tudo, e qual meio melhor do que o apoio a Bolsonaro, o inimigo número um
dessa gente? Mas daí a passar a considerá-lo um “messias” vai uma longa
distância.
Sabemos que há uma turma que se recusa a enxergar qualquer
defeito no homem, a conviver de forma civilizada com qualquer crítica. De
amigo, o crítico pode passar a inimigo mortal antes de se converter em simples
adversário. Tal postura novamente remete ao fanatismo, e não pode ser tolerada
por liberais ou conservadores. Não combatemos o PT e a esquerda totalitária
para cair numa nova forma de totalitarismo, onde ou se está do meu lado 100%,
ou se está totalmente contra mim. Isso não é ser “isentão”, mas simplesmente
resgatar o bom senso.
Todos conhecemos petistas que poderiam ver Lula até mesmo
estuprando uma criança em praça pública que dariam um jeito de defendê-lo, de justificar
seu ato, de torná-lo uma vítima. Isso é simplesmente patético, e não podemos
aceitar postura parecida do nosso lado. Sei que falo o óbvio, e que a maioria
compreende muito bem o que estou dizendo. Mas há, sim, uma pequena parcela da
“nova direita” que tem copiado os métodos dessa gente, só que com
sinal trocado. Isso não é saudável para o avanço da própria direita.
Repito: eu entendo o grau de revolta, eu entendo o cansaço
com a esquerda hipócrita, eu entendo perfeitamente a indignação com o sistema
carcomido. Mas nada justifica – nem mesmo a “guerra cultural e política” –
transformar essa raiva em algo destrutivo ou num novo tipo de fanatismo cego,
em vez de canalizá-la para uma transformação positiva da sociedade. Construir
sempre foi muito mais difícil do que destruir.
Vamos resgatar valores morais perdidos, vamos lutar pelas
liberdades individuais asfixiadas, vamos reconquistar a soberania nacional; mas
sem jogar o bebê fora junto com a água suja, sem matar aquilo que pretendemos
salvar: a própria civilização. Para tanto, será fundamental tomar partido
eventualmente. Dante reservou um lugar bem ruim no inferno para os “isentões”.
Mas saibamos fazer isso sem aderir a seitas fechadas,
mantendo nossa cabeça no lugar e nossa capacidade de julgamento crítico. E,
principalmente, sem a idolatria a políticos, pois nenhum deles merece
apoio incondicional. Deixemos o conceito de infalibilidade para Deus, pois nós
homens somos todos falíveis, e o próprio conservadorismo nasce dessa premissa.
Quem não tolera crítica alguma não deve fazer parte de debates civilizados e
democráticos, pois rejeita sua própria essência.
Rodrigo Constantino
Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da
esquerda “politicamente correta”.
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