A Vila - Parte 1
Era uma tarde de princípios de março de 1907, quando os
cavaleiros apearam num largo descampado, no coração da vila, às margens do rio
Cachoeira. Bem em frente um sobrado senhorial se erguia, cheio de imponência e
simplicidade ao mesmo tempo, como simples e cheio de dignidade era o seu
proprietário, Coronel Firmino Alves. Nesse sobrado, residência da família
Alves, hospedou-se por alguns dias o Dr. Lafayette, passando depois para uma casa
de hospedagem na Rua da Areia, mandada construir pelo próprio coronel e
destinada aos hóspedes distintos, geralmente homens de letras que para
aqui vinham a seu convite. As refeições eram feitas na pensão do seu
Osório.
No dia da chegada, juntou-se ao cansaço da viagem uma
situação tormentosa: a longa caminhada a cavalo tinha produzido no novato
viajante, na parte do corpo em contato com a sela, uma enorme esfoladura e,
como naquela mesma noite o sobrado encheu-se de gente, os amigos, familiares e
correligionários do Coronel que lhe vinham trazer as boas-vindas, o advogado –
o primeiro que chegava à Vila – era apresentado a todos. As apresentações se
davam amiúde, e assim cada vez que se levantava e se sentava a roupa grudava e
desgrudava da esfoladura provocando-lhe verdadeiro suplicio.
Assim chegou o Dr. Lafayette de Borborema à nova Vila de
Itabuna, trazendo, como capital a sua mocidade, seu idealismo e vontade de
trabalhar.
Na véspera da chegada tinha havido um conflito (na hoje
Avenida do Cinquentenário) com mortos e feridos.
Realmente, a terra não era de forma alguma pacata. Ao
contrário, o perigo espiava em cada beco. Cada árvore podia ser uma tocaia. A
média era de um crime de morte por dia; atiravam de emboscada, atiravam a
esmo para experimentar a arma, cujo alvo era qualquer
pessoa que no momento passasse ou estivesse ao alcance da
mira. Eram os jagunços, os clavinoteiros apaniguados de seus patrões. Rara era
a pessoa que não trazia consigo uma arma.
Na vila, como no interior, além dos jagunços, havia os
inspetores de quarteirão, exibindo tanto uns quanto outros suas armas brancas e
de fogo, curtas ou compridas, um facão à cintura, uma repetição ou clavinote e
uma pala sobre os ombros. Havia sido instalado o Termo da Vila de Itabuna,
porém nenhuma garantia havia para o cidadão.
Mas apesar dessa turbulência, a vila fazia sentir que
as suas raízes estavam fincadas em solo ubérrimo, onde o progresso não tardaria
a brotar com a mesmo pujança e vigor dos frutos de ouro. As ruas não eram
niveladas nem as casas tinham alinhamento, mas o comércio já era desenvolvido.
Pelas ruas lamacentas, tropas conduziam mercadorias e cacau. Chovia com muita
frequência e à noite caía sempre muita neblina. Não havia luz elétrica e as
ruas eram muito escuras. A mata ficava próxima e à tardinha, quando a brisa
soprava, espalhava-se pela vila o cheiro do cacau secando ou fermentando nas
roças por perto.
A pequena população ordeira que na vila mourejava
parecia ter uma têmpera de aço. Nem jagunços nem violências, nem insegurança
abatiam o ânimo daqueles titãs. Parecia que o perigo era um desafio
à sua audácia; cada vez mais eles se apegavam à terra e o que é mais
interessante – a amavam.
Do solo fértil brotava a riqueza. Os grãos escuros e
amargosos do cacau eram ouro, era a fortuna que crescia e dava “status”, era o
poder.
Aos poucos a vida social de Itabuna foi se
estruturando; gente trabalhadora, ordeira, ia se estabelecendo nas mais
diversas atividades. Eram artífices, trabalhadores braçais, profissionais
liberais, comerciantes, agricultores que chegavam e iam se integrando. Todos
com vontade de trabalhar, progredir e fazer a grandeza da terra. Esse grupo
cresceria e com ele a vila de Itabuna.
(Lafayette de Borborema : UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena Borborema
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HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora de
Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal
e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de
Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do
Município. (A autora)
“Filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra" (Cyro de Mattos).
“Filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra" (Cyro de Mattos).
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