22 de fevereiro de 2017
Por Leandro Silva, publicado pelo Instituto Liberal
Embora seja tema que cause desconforto na maior parte das
pessoas, a discussão política não pode mais prescindir do posicionamento
daqueles que “não gostam de política”, pois os que gostam de política estão
passando a decidir vários aspectos da sua vida, dentro de sua casa, com a sua
família. Exemplos como a “lei da palmada” (quando já havia leis contra o
espancamento de crianças, aliás, contra o espancamento de qualquer ser humano)
e a possibilidade de ser processado, caso seu vizinho tenha entendido de forma
particular, algo que você tenha dito, explicitam como a política já está dentro
da sua casa.
A política já determina como você deve se comunicar com
outras pessoas, o que pode ser dito sem o eventual risco de um processo e como
você deve educar os seus filhos. Caso as pessoas comuns persistam alheias ao
processo político ideológico, em algum tempo o avanço sobre as liberdades
individuais poderá chegar a um ponto de decidirem o que você pode ler,
escrever, escutar, comer ou beber.
A política seria o espaço, por excelência, para a discussão
de idéias, troca de opiniões e defesa de diferentes pontos de vista. A política
também é o espaço para a discussão dos interesses de diferentes
grupos. Ambas as formas de exercício político são legítimas.
A primeira é ideológica – das ideias, das proposições
teóricas. A segunda remete aos interesses primários de cada grupo. Existe
uma clara hipertrofia da segunda posição, com uma ampla cobertura do cenário
político, em detrimento da discussão sobre quais parâmetros devem ser adotados
para a vida privada, sobre o papel do Estado (por exemplo, se teria o direito
de interferir na educação dada pelos pais), ou se o governo deve determinar a
vida religiosa de cada um.
Talvez por essa hipertrofia da discussão da política
partidária (cenário político), há um desinteresse generalizado pelo assunto.
Esse desinteresse acaba por gerar um resultado óbvio: somente serão aprovadas
as ideias dos poucos envolvidos em qualquer temática, e somente esses grupos
serão privilegiados.
As definições de certo e errado, do que é bom ou ruim, da
moralidade e da ética, irão seguir o grupo melhor representado numericamente.
Entretanto, somente um grupo tem conquistado representação na política,
seja pelo posicionamento ideológico, seja pela defesa dos seus interesses
privados.
Para entendermos melhor qual grupo é esse, temos que
explorar a concepção primária de que cada pessoa tem sobre a natureza humana.
Podemos estabelecer duas grandes posições conceituais sobre
a natureza humana:
– Alguns acham que o ser humano é bom por essência.
– Outros acreditam que, embora possa ser bom, não é uma
característica inata, mas sim que deva ser trabalhada.
O primeiro grupo (que acreditam numa forma de “bondade
essencial”) tende a ver as diferenças humanas como construções sociais, em que
os criminosos se tornam criminosos pelas diferenças sociais, impostas pelo
mundo, numa espécie de “falta de sorte”. Afinal, se todos são iguais e bons, as
diferenças só poderiam ser decorrentes das imposições sociais. Por exemplo,
apesar de existirem bandidos em todas as classes sociais, acreditam que a
pobreza é o que causa a violência social. Curiosamente, esse grupo apresenta
extrema dificuldade em analisar os fatos, e perceber, por exemplo, que a renda per
capita do brasileiro quintuplicou nos últimos 35 anos, enquanto a
violência cresceu 4 vezes! Mesmo ajustando para o crescimento da população
brasileira no mesmo período, o número de homicídios mais do que dobrou. Sendo a
violência uma determinação social, mesmo que os dados apontem em direção
contrária, seria necessária uma mudança social, talvez até uma “revolução”,
para que a violência regrida. Todo o foco é colocado na mudança da sociedade,
apesar da sociedade (por intermédio dos dados disponibilizados publicamente)
apontar que não é a pobreza que causa a violência.
Que fique claro: não estou aqui simplesmente tecendo uma
opinião. Em 1980 foram registrados 13.910 homicídios no Brasil. Em 2014, foram
mais que 52.000. Dados do Banco Mundial evidenciam uma renda per capita
evoluindo de aproximadamente US$2.000 para mais que US$10.000. Ou seja,
aumentou a renda, e a violência. Naturalmente, alguns irão argumentar que o que
aumentou foi a má-distribuição de renda, em que os pobres ficaram ainda mais
pobres, e os ricos ainda mais ricos. Utilizemos então outros parâmetros, como o
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede a qualidade de vida e o
desenvolvimento econômico de uma nação. O IDH também cresceu no período, indo
de 0,549 em 1980, para 0,744 em 2014.
Dessa forma, a discussão beira a desonestidade, pois, o
argumento que o primeiro grupo utiliza não se sustenta, nem mesmo segundo as
estatísticas. Embora nossa historicidade já tenha dados suficientes para
responder essa questão, poder-se-ia pensar que a discussão ocorreria por pura
ignorância. Mesmo assumindo uma falsa suposição da “bondade essencial” humana,
persistir na ignorância dos fatos (crescimento da renda per capita, do
IDH e da violência, ao mesmo tempo) chega a ser absurdo.
Repetindo, são duas suposições:
1- O ser humano é
essencialmente bom, e a sociedade o corrompe;
2- O ser humano pode ser bom,
ou não, por fatores inerentes à espécie humana.
Repassando, ao se seguir a primeira suposição, o problema da
violência é social. Na resolução desse problema, parte-se do pressuposto que a
violência é oriunda da pobreza.
Entretanto, o IDH e a renda per capita
avançaram, mas ainda assim, a sociedade ficou mais violenta. Só há uma
inferência lógica decorrente dessa breve análise: a violência não é um subproduto
da pobreza. O fato desse silogismo ser contra intuitivo é um fato em si.
Ou seja, o argumento não se sustenta dentro de sua própria
tentativa de coerência teórica, e as pessoas continuam acreditando nesse
argumento! Trata-se do homicídio da lógica!
Por que o segundo grupo, que pensa que o ser humano não é
essencialmente bom, não exige que o primeiro grupo tenha um mínimo de coerência
lógica? Por que o segundo grupo não se vê representado politicamente?
Mas talvez seja esse um dos grandes problemas a serem
enfrentados: a falta de lógica, como matriz social.
E por que isso ocorreu? Provavelmente porque nos
interessávamos menos por discussões sociais e políticas, pois éramos cientes da
condição humana, da sua biologia, dos seus limites, e das dificuldades
inerentes à própria vida.
Estivemos focados no desenvolvimento pessoal,
reservando à sociedade o fruto final dos nossos esforços, do nosso acúmulo de
conhecimento, do avanço da experiência adquirida.
Sabíamos que deveríamos nos
desenvolver e ser responsáveis por nós mesmos, ao invés de responsabilizar o
outro pelas nossas próprias vidas.
O grupo que tende a ver o ser humano como mera consequência
das ações sociais, naturalmente se ocupou mais com o desenvolvimento da
sociedade e, por consequência, da política, em detrimento do desenvolvimento
individual.
Embora não sejam tão numerosos na população, ocuparam mais
habilmente os espaços políticos, chegando a tornar o discurso que vence as
eleições quase uma formalidade, sem forma e sem conteúdo.
Infelizmente, erramos ao termos nos retirado do debate
ideológico.
Discutir política não é mais uma opção: o Estado já está
dentro da sua casa. Por exemplo: Caso você ache que seus filhos não devam
estudar no nosso sistema tradicional de ensino, saiba que você não tem mais
essa escolha. A frequência escolar é obrigatória. E será nessa mesma escola, a qual
o seu filho é obrigado a frequentar, que lhe será ensinado que meninos e
meninas são meras quimeras sociais, e nós somos os algozes deles.
Enquanto quisermos nos ausentar do debate, e não aceitarmos
discutir conceitos como liberdade, tamanho do Estado e autonomia, irão decidir
por nós, à revelia.
Há de se retomar a análise dos fatos e discussões sobre as
possibilidades que o mundo oferece. Quais valores devem pautar a vida em
sociedade? Não se trata de um problema de fácil resolução, pois a própria filosofia
encontra-se em evolução constante. Todavia, embora ainda estejamos evoluindo no
processo civilizatório, algumas verdades já existem, como as diferenças entre
homens e mulheres. Já é claro que não cabe a um único governante, ou grupo,
determinar que seu filho é “unissex”, a partir de teorias falhas, que talvez
sirvam a algum outro interesse.
A nova matriz social, carente de lógica, tem que ser
questionada, revista e modificada.
Devemos defender a possibilidade de expressão individual
(também chamada de liberdade), cessar o patrulhamento social e parar de
adjetivar as pessoas em discussões ideológicas. Temos que discutir os fatos,
não as pessoas. As pessoas deixaram de lado a capacidade de análise dos fatos,
mesmo as mais esclarecidas. Não se discute mais qual é o melhor sistema, pois
toda conversa acaba se desvirtuando para a discussão da vida dos
interlocutores, ou do cenário político, em detrimento da discussão teórica. Em
qualquer conversa, o foco deve ser na discussão das idéias, e não na vida particular
dos interlocutores. As pessoas devem aprender a se defender da personalização
da discussão (do tipo argumentum ad hominem), e se ater à análise dos
fatos e da situação.
Dentro dessa retomada da lógica, ninguém poderia admitir um
argumento, em que qualquer grupo se posicionasse como defensor da igualdade e
da liberdade, ao mesmo tempo!
Ideologicamente, um conceito exclui o outro.
Irei exemplificar tomando por base a ideologia de gênero:
conforme exposto acima, quem defende a igualdade, defende a ideia de que os
seres humanos nascem iguais, bons e puros, mas a sociedade os
corrompe. Segundo essa perspectiva, os seres humanos nascem tão iguais,
que nem mesmo existem diferenças de gênero: sexo masculino e sexo feminino
seriam invenções sociais, apesar das inúmeras provas científicas (e
observacionais) ao contrário. Os seres humanos nasceriam “unissex”, com uma
pequeníssima diferença anatômica.
Bastaria, portanto, criá-los de forma
“unissex”, e depois “deixá-los escolherem seu sexo”. Exceto por alguns artistas,
ou raras exceções (que fogem ao escopo desse texto, exceto pela exceção que
confirma a regra), a identificação com o próprio gênero (e não me refiro aqui à
orientação sexual) continua a ocorrer, em larga escala, apesar da ideologia de
gênero. Caso essa ideologia estivesse correta, já estaríamos vendo milhares,
milhões de seres misóginos (metade homem, metade mulher), o que também não
ocorreu. A determinação biológica de gênero é inequívoca. O que tem ocorrido
são mulheres e homens perdidos em qual rumo seguir, pois não conseguem se
orientar nem em relação ao próprio sexo.
Cientistas sérios não defendem a ideia de caracteres
adquiridos de Lamarck, sendo que a genética contemporânea já deixou claro que
Darwin tinha razão. A negação da heritabilidade biológica das características
humanas acabou proporcionando sofrimento e mortes desnecessárias.
É inútil impor ao ser humano características que não são
suas. Mulher é mulher. Homem é homem. A espécie não muda segundo o interesse
ideológico de ninguém, nem de nenhum sistema. As crianças continuam se tornando
homens, ou mulheres, na idade adulta. Por que não deixamos que elas cresçam, e
nos resguardamos a observar e aceitar suas tendências e evolução natural?
Mas não seria isso o que a ideologia de gênero
defende? Não.
O que está sendo defendido é a imposição de um tratamento
unissex, sem respeitar os interesses naturais das próprias crianças, ou dos
responsáveis por elas, os seus pais.
Uma outra observação remete à escolha das meninas como
padrão ideal para a infância. Por que não poderiam ter sido escolhidos os
meninos? Não teriam, mulheres e homens, meninas e meninos, o mesmo valor? Por
que somente o comportamento contido, sem a energia cinética clássica dos
meninos é valorizado? Posto que essas diferenças de gênero seriam somente
sociais, por que não se tomou como padrão ideal o comportamento mais despachado
dos meninos? Ou então, por que não se assumiu os dois padrões como adequados?
A confusão criada não está sendo solucionada pela ideologia
de gênero. Está sendo criada por ela. O mesmo ocorre com todas as outras
ideologias que o politicamente correto nos impõe.
Estamos permitindo e incentivando a hipertrofia do poder
central, com o Estado funcionando como o árbitro, e, pior ainda, como ator
social, determinando como você deve, ou não deve, educar o seu filho. O
Estado não deveria ter o poder de determinar a qual sexo pertence o seu filho
ou sua filha.
E, caso o cidadão não aceite a imposição estatal, medidas
jurídicas poderão ser tomadas. Para se impor a (suposta) igualdade,
restringe-se a liberdade. Um único poder central, determinando os valores
a serem adotados, sob pena de sanções jurídicas, não me parece um governo
humanitário.
Percebe-se, portanto, que estamos diante de uma clara
confusão ideológica. Afinal, qual opção é válida, no sentido de uma real
possibilidade, e não uma mera distorção perceptiva?
a) Liberdade e Igualdade;
OU
b) Liberdade versus
Embora seja altamente desejável, não é possível ter os dois.
O apelo social à igualdade e à ” justiça social ” se tornou
um discurso de difícil contraposição. De alguma forma, talvez pela repetição
incessante, esses conceitos foram associados, ao mesmo tempo, a determinados
grupos, ferindo completamente a lógica. Temos agora que enfrentar esse equívoco
perceptivo e ideológico, pois, para termos a suposta ” justiça social ” , é
necessária a intervenção estatal. São, portanto, conceitos mutuamente
excludentes. Fica claro que a gerência (ou ingerência) do Estado nas relações
interpessoais acaba por restringir as liberdades individuais.
Ainda podemos ter pensamentos dissonantes! Ainda
podemos expressá-los! Utilizemos essa prerrogativa!
Entretanto, caso você não goste de política, e não queira se
envolver em discussões dessa natureza, saiba que o Estado, possuidor de todo o
saber, fará as suas próximas escolhas por você. Afinal, ele já fez tantas, por
que não continuar assim?
Sobre o autor: Leandro A. P. Silva é Médico
psiquiatra e Doutor em Ciências.
Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da
esquerda “politicamente correta”.
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